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O agro não é pop: concentração da terra e uso de venenos crescem juntos

Censo Agropecuário reforça relação entre os dois fenômenos, e pesquisadores alertam para riscos à segurança alimentar

Concentração de terras e aumento no uso de agrotóxicos andam de mãos dadas. Além de revelar aumento de 20,4% no número de propriedades rurais que usam venenos na última década, os dados preliminares do Censo Agropecuário revelam que a distribuição fundiária piorou entre 2006 e 2017.

A pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra um movimento casado: de um lado, redução de 2% na quantidade de unidades agrárias (de 5.175.636, em 2006, para 5.072.152); de outro, existem hoje mais latifúndios no Brasil do que há 11 anos. De acordo com o Censo, os estabelecimentos com mil hectares passaram de 45% do total para 47,5%. Para se ter ideia, um hectare seria o equivalente aproximado à área de um campo de futebol.

A reforma agrária, que deveria distribuir terras no interior rural, e portanto riquezas, em um dos países mais desiguais do mundo, caminha em marcha à ré. Isso impacta a produção de alimentos. O aumento da utilização de agrotóxicos está relacionado com o da concentração fundiária e o avanço do modo de produção do agronegócio. Pelo menos, essa é a avaliação que fazem pesquisadores ouvidos pelo Joio.

De novo, vale fazer a ressalva. Os dados do Censo ainda são preliminares, e a metodologia da pesquisa mais recente é diferente da anterior. Quando as informações consolidadas saírem, provavelmente no ano que vem, o cenário será mais detalhado. Mas é possível desde já ver tendências sobre a realidade do campo no Brasil.

“As propriedades maiores tendem a ser mais tecnificadas e fazer mais plantação de monoculturas. Essas áreas normalmente usam mais agrotóxicos. Houve mais concentração da terra e essa concentração da terra vem junto com o aumento do uso de venenos”, diz Gabriel Fernandes, engenheiro agrônomo e doutorando na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

No Brasil, os latifúndios costumam cultivar soja, milho, eucalipto (para reflorestamento) ou cana-de-açúcar. Essas lavouras demandam alto uso das substâncias, sobretudo devido às faixas do globo, equatorial e tropical, onde o país está inserido, segundo a geógrafa Larissa Mies Bombardi, da USP. Ela, que é responsável pela organização do Atlas: Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia, estima que ao menos 70% dos venenos é usado nestes quatro cultivos.

“Toda vez que se está diante de monoculturas, esse tipo de prática é frequente. Quando se está no clima tropical, há alta umidade e temperatura. Isso significa que tem alta biodiversidade. Se o produtor faz manejo de uma cultura que é estranha ao clima tropical, vai precisar usar o agroquímico para fazer o controle”, ela explica.

Além disso, há um velho ditado que diz: quanto maior o tombo, maior a queda. Quer dizer, quanto maior a área cultivada, maior é o tamanho do problema. “Imagine um agricultor que tem 20 ou 30 hectares, ele vai procurar onde jogar agrotóxicos. Agora imagine um agricultor que tem um latifúndio. Ele vai usar um avião para pulverizar”, afirma Leonardo Melgarejo, que é vice-presidente da regional sul da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).

“Um agricultor que caminha por sua pequena lavoura encontra uma praga e aplica o veneno apenas naquele foco”, acrescenta ele, engenheiro agrônomo, que, entre 2008 e 2014, integrou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), responsável por avaliar a liberação de novas variedades de sementes transgênicas.

Canavial no interior do Estado de São Paulo (Foto: Marco Aurélio Esparz/Wikimedia)

Governos e empresas também têm seu papel no aumento do uso de agrotóxicos. “Existe um estímulo público para o uso de venenos. Uma das coisas que a gente deve levar em consideração é o pacote de medidas que existem de isenção fiscal para o comércio das substâncias”, lembra Fernandes.

Muita gente não sabe, mas, desde 2004, durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a base de cálculo do ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) é reduzida em 60% para venenos. Isto foi determinado pelo Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária, ligado ao Ministério da Fazenda.

“Por outro lado, você tem as cadeias produtivas”, acrescenta Gabriel Fernandes. “O produtor às vezes fica preso às vendas de certos insumos.” Há empresas que, ao negociar sementes com agricultores, só aceitam mediante a venda casada de agrotóxicos ou outros materiais rurais.

“Temos propagandas massivas de venenos. Essas campanhas ‘Agro é pop’ [da Globo] induzem o produtor a usar aquilo que seria tecnologia para uso. Além disso, certos créditos agrícolas exigem o uso de agrotóxicos. Tudo isso empurra o uso de venenos para a sua ampliação”, complementa Melgarejo.

Alimentos

O uso das substâncias traz consequências para a saúde pública, como já falamos anteriormente. Agora, a concentração da terra prejudica a produção de alimentos. Se a quantidade de propriedades que plantam soja, cana e milho aumentou, houve diminuição das áreas onde são cultivados arroz, feijão, trigo e mandioca.

É bom lembrar: a maior parte da soja, da cana e do milho produzidos no Brasil são exportados. Lá fora, são usados para fabricar óleo, ração animal ou combustíveis. “Na economia mundializada e na maneira que o país está inserido nela, o alimento tem deixado de ser exclusivamente algo com valor de uso, de propriedade humana, e tem se tornado moeda de troca no mercado internacional”, diz a geógrafa Bombardi.

“Quando eu falo de soja, não falo só de alimentos, falo de agrocombustíveis e commodities. Quando você tem um avanço dessas culturas, o que acaba acontecendo é que potencialmente você tem a diminuição de culturas alimentares e elas vão ficar mais escassas.”

Segundo o mesmo Censo, dois mil latifúndios ocupam área maior que quatro milhões de propriedades rurais. As médias e pequenas propriedades normalmente estão associadas à agricultura familiar. Este modelo de produção é o que leva para a mesa dos brasileiros 70% do feijão, 34% do arroz, 87% da mandioca, 38% do café e 21% do trigo, além de 60% do leite que consomem.

A última pesquisa do IBGE, porém, passou a borracha no assunto, conforme diz o engenheiro Fernandes. Não houve um direcionamento na coleta de dados específico sobre o tema da agricultura familiar. “O Censo de 2006 tinha este recorte específico. Isso foi importante para fazer um diagnóstico específico e pensar em políticas públicas para tratar do tema. O que o governo tenta mostrar é que quer excluir a agricultura familiar”, ele conclui.

Fonte – Guilherme Zocchio, O Joio e o Trigo de 17 de agosto de 2018

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