Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
O ano de 2017 foi o terceiro mais quente do Antropoceno
O ano de 2017 foi o terceiro mais quente, desde o início da série histórica, dos registros da temperatura da superfície do Planeta, que começou em 1880. Muitas pessoas falaram do frio extremo que aconteceu na costa leste dos EUA e em outros lugares do mundo como contestação do aquecimento global. Mas no mesmo período a costa oeste dos EUA estava batendo recordes de temperaturas elevadas, assim como Sydney, na Austrália e vários outros lugares do globo.
O fato é que os quatro anos mais quentes desde o início do Antropoceno (época em que os humanos se transformaram em uma força global de desequilíbrio climático e destruição da vida na Terra) aconteceram nos últimos quatro anos, sendo que em 2014 o aumento da temperatura foi de 0,74º Celsius, em relação à média do século XX, 2015 foi de 0,90º C, 2016 de 0,94º C e 2017 foi de 0,84º C. O quinto ano mais quente foi 2010 com 0,70º C e o ano mais quente do século XX foi 1998, com 0,63º C, conforme pode ser visto no gráfico acima da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA na sigla em inglês).
Quando se considera como base o período pré-industrial a medição do aquecimento mostra um número ainda mais preocupante. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), a temperatura média global da superfície em 2017 foi de aproximadamente 1,1º Celsius acima da era pré-industrial. A OMM usa o período 1880-1900 como período de referência para as condições pré-industriais. O gráfico acima mostra que a temperatura média de 1880 a 1900 estava cerca de 0,25º C abaixo da média do século XX.
Isto faz com que a temperatura global da atual década esteja pouco mais de 1º C acima do nível do período pré-industrial. Dezesseis dos dezessete anos mais quentes do Antropoceno estão no século XXI (a única exceção é 1998). Nota-se que o aquecimento global se acelerou nas últimas 5 décadas. Entre 1970 e 2017 a variação média por década foi de 0,18%. Neste ritmo, o limite de 1,5º C estabelecido pelo Acordo de Paris será ultrapassado antes de 2040 e o limite de 2º C será ultrapassado antes de 2070. As consequências podem ser desastrosas e catastróficas.
Outra coisa que chama a atenção no dado de 2017 é que a temperatura elevada ocorreu na ausência do fenômeno El Niño. Desta forma, considerando os anos sem El Niño, o ano de 2017 foi o mais quente da série histórica.
O gráfico abaixo mostra as tendências do aquecimento para cada tipo de ano, segundo os fenômenos – La Niña, El Niño e neutro. A tendência global de aquecimento da superfície entre 1964 e 2017 é de 0,17-0,18º C por década. Artigo de Dana Nuccitelli, no jornal The Guardian (02/01/2018) mostra que as condições neutras de El Niño e o nível de atividade solar em 1972 foram bastante semelhantes aos de 2017. Entretanto, 45 anos depois, o ano passado foi 0,9º C mais quente do que 1972.
O aquecimento global é a principal ameaça ao avanço civilizacional e também à biodiversidade do Planeta. Quanto mais subirem as temperaturas maiores serão os efeitos negativos sobre o bem-estar humano e não humano. Mas mesmo sabendo que os problemas serão maiores no fututo, isto não quer dizer que os danos já não ocorram no presente.
Nos Estados Unidos (EUA), no ano passado, houve 16 desastres climáticos com perdas individuais superiores a US$ 1 bilhão, segundo a NOAA. No total, os custos foram de aproximadamente US$ 306 bilhões. O último ano com desastres tão caros nos EUA foi 2005, com perdas de US$ 215 bilhões (em grande parte devido aos furacões Katrina, Wilma e Rita). Os desastres mais caros de 2017 foram a temporada de incêndios no oeste, com custos totais de US $ 18 bilhões; o furacão Harvey que teve custos totais de US $ 125 bilhões; os furacões Maria e Irma tiveram custos totais de US$ 90 bilhões e US$ 50 bilhões, respectivamente. Diversos outros países tiveram grandes prejuízos com os desastres climáticos em 2017.
Todavia, os danos do aquecimento global tentem a crescer exponencialmente nas próximas décadas. Por exemplo, mais de um quarto da superfície terrestre da Terra se tornará “significativamente” mais seca na medida em que a temperatura se aproximar de 2º C. Isto terá um grande impacto sobre a produção de comida e sobre a segurança alimentar. A acidificação dos oceanos poderá reduzir drasticamente a vida marinha já sobrecarregada pela sobrepesca e a poluição.
O aumento da temperatura vai tornar mais críticas as ondas letais de calor, provocando muitas mortes, especialmente nas áreas mais úmidas. O corpo do ser humano e dos mamíferos possuem limites para suportar o calor intenso. Até os aviões não podem voar com temperaturas muito altas e o ar rarefeito. A saúde da população pode ainda ser afetada com doenças, como a febre amarela, a dengue, o câncer, a malária e a esquistossomose, etc. Diversas regiões do Planeta (em especial nos trópicos) podem virar áreas inabitáveis.
O aquecimento também provoca o degelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares, elevando o nível dos oceanos, o que ameaça mais de 2 bilhões de pessoas que vivem em áreas costeiras de até 2 metros em relação ao nível médio do mar. Áreas urbanas e agrícolas podem ficar debaixo da água salgada, provocando destruição, fome e grande número de refugiados do clima.
No novo cenário climático, deve ocorrer com mais frequência os fenômenos extremos, como grandes secas, grandes tempestades e a ocorrência de furações, tufões e ciclones. O exemplo de Porto Rico, que sofreu danos irreparáveis em 2017, pode servir de alerta para outros países que estão menosprezando os efeitos do aquecimento global.
Os últimos 4 anos foram os mais quentes do Antropoceno e o ano de 2017 foi o mais quente sem a presença do El Niño. O mundo continua queimando combustíveis fósseis e liberando metano na agropecuária. Continua também desmatando e destruindo os ecossistemas. Desta forma, cresce a concentração de gases de efeito estufa e aumenta o nível de CO2 na atmosfera, que, em 2017, foi de 406,53 partes por milhão (ppm), e está aumentando 2,5 ppm ao ano. O nível seguro é 350 ppm.
Se este quadro não começar a ser revertido nos próximos 3 anos, o colapso ambiental pode se tornar inevitável. No longo prazo, pode ser o apocalipse para a biodiversidade e para a humanidade.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal.
Fonte – EcoDebate de 22 de janeiro de 2018
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