Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
O mundo à beira de uma calamidade global causada por excesso de plásticos
Um bloco de garrafas plásticas comprimidas é visto em um centro de lixo plástico, nos arredores de Pequim, na China (Foto: Fred Dufour/AFP)
Na lanchonete, pedi a lata de refrigerante e, junto, veio o canudo.
Eu iria pegá-lo, rasgar a embalagem de papel fino, jogar no lixo. Iria usá-lo só um pouco porque, de verdade, não gosto de beber refrigerante no canudo. Seria só por hábito mesmo, ou para não deixar de aceitar algo que me deram. E iria abandoná-lo logo depois, também no lixo. Seria quase um ato reflexo.
Mas, desta vez, a imagem da baleia morta entalada com plástico na Tailândia novamente veio à minha cabeça e eu desisti. Disse à moça que não queria o canudo, que também não queria copinho. Limpei a borda da lata e saí bebendo.
Naquele momento, senti-me capaz de responder às pessoas que criticam o fato de a mídia propalar notícias ambientais tão pungentes e tristes quanto a da baleia morta. Associar a imagem de algo ruim a uma mudança de hábito para evitar que a situação piore, eis o bom resultado da notícia espraiada. Não serei a única a ter abandonado de vez o canudo e a priorizar o não uso do copo plástico, tenho certeza.
Até porque, se vocês repararem bem, estão cada vez mais finos e imprestáveis os tais copinhos, não?
Por coincidência, quando cheguei em casa, nesta mesma tarde, fiz contato com o texto publicado pelo diretor executivo da agência da ONU para o meio ambiente (Unep, na sigla em inglês), Erik Solheim, no jornal britânico “The Guardian”, como parte das comemorações do Dia Mundial do Meio Ambiente nesta terça-feira (5).
Solheim usa palavras fortes para descrever a falta de cuidados da humanidade ao descartar de qualquer jeito uma quantidade quase incomensurável de plástico que passou a usar em um século, desde que este produto foi criado. O planeta está, segundo ele, à beira de uma calamidade global dos plásticos.
“Estamos adictos. Passar um dia sem encontrar alguma forma de plástico é quase impossível. Criamos a expectativa, quando o plástico apareceu, de termos um produto que poderia tornar a vida mais barata, mais rápida e mais fácil. Agora, depois de um século de produção e consumo descontrolados, a conveniência se transformou em crise. Não é mais só uma mera comodidade material. Hoje se encontra plástico onde menos se espera, incluindo os alimentos que comemos, a água que bebemos e os ambientes em que vivemos. Uma vez no ambiente, entra em nossa cadeia alimentar onde, cada vez mais, partículas de microplásticos estão aparecendo em nossos estômagos, sangue e pulmões. Os cientistas estão apenas começando a estudar os possíveis impactos na saúde”, escreve ele.
A questão é que o uso do plástico se tornou algo efêmero para nós, que dura pouco tempo, mas cujo impacto vai ficar reverberando muitos anos ainda, não só na terra, como no mar.
“Em seu carrinho de compras, um saco plástico será usado por menos de uma hora, mas quando ele chega ao oceano, matam mais de cem mil animais marinhos por ano. São 13 milhões de toneladas de lixo plástico que acabam no oceano a cada ano”, explica Solheim.
É hora de trabalhar para aumentar a consciência dos cidadãos comuns e estimulá-los a pensar duas vezes, pelo menos isso, antes de usar sacolas plásticas, canudos, copinhos e afins. Até porque, projeções atuais mostram que a indústria de plásticos não vai arrefecer a produção, pelo contrário: pretende aumentar bastante e jogar ainda mais desses produtos no mercado nos próximos 10, 15 anos.
Não dá para vilanizar a indústria antes de medirmos nossa própria responsabilidade. Podemos pensar em conseguir um meio termo ideal, baixando a produção e o consumo, mas posso apostar que os leitores julgam utópico este pensamento, e não posso criticá-los por isso. Porque, sempre que penso desse jeito, me dá a sensação de que estou falando sobre o impossível. É cada vez mais forte a sensação de que o valor maior, a vida, está sendo rebaixado em nome do lucro.
Se o setor privado não se sentir estimulado a colaborar, que se exija do governo atitudes fortes. E sabem de onde vem um exemplo que deu certo? Do Quênia, país africano de baixo desenvolvimento humano, segundo relatório do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). O Quênia costeia o Oceano Índico e se tornou um grande exportador de sacos plásticos, e não é difícil imaginar que isso não deu certo. Eram milhares de sacolinhas jogadas nas praias, parques, em todos os lugares.
O governo do Quênia baixou um decreto proibindo o uso delas, sob pena de multa e até prisão. A lei entrou em vigor em agosto do ano passado e uma reportagem feita pelo site da ONU em dezembro mostrou que os resultados já podiam ser observados no parque marinho Melinde.
Se foi possível que os supermercados quenianos passassem a fornecer bolsas de pano para os consumidores, é possível que o mesmo possa acontecer em qualquer outro lugar do mundo. Em vez disso, o que se vê com frequência em supermercados do Rio e de São Paulo é a venda de sacolas chamadas de reutilizáveis. E cobram, por isso, preços até bem salgados.
Solheim, em seu artigo, lembra aos céticos de plantão que este é, sim, um problema sério que deve ser atacado com força para que se possa diminuir os impactos ao meio ambiente.
“Aqueles que dizem que há crises ambientais mais importantes para enfrentar estão equivocados. No mundo atual, proteger nosso meio ambiente não é escolher um problema acima do outro. Os sistemas estão profundamente interconectados, o que desafia uma abordagem tão limitada. Diminuir a poluição causada pelo uso abusivo dos plásticos é uma atitude que ajudará a preservar os ecossistemas, mitigará as mudanças climáticas, protegerá a biodiversidade e, de fato, a saúde humana”, escreve ele.
Lembro-me bem que, quando eu editava o “Razão Social” e este tema começou a ser ventilado aqui no Brasil, surgiu em 2007 a lei que proibia o uso de sacolas plásticas. Mas foi mais uma lei que não vingou. Houve, na época, uma grita geral da indústria de plásticos, com o discurso de sempre: a produção é alta, sim, mas gera emprego e renda.
Seria necessário um debate, de preferência com a participação da parte afetada da sociedade civil, que pudesse concluir o que, de fato, é melhor ou pior. Mas, aí, lá estou eu de novo flertando com a utopia…
Fonte – Amelia Gonzalez, G1 de 06 de junho de 2018
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