Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
O mundo com 10 bilhões de habitantes em 2053
“Se a economia crescente do descarte e do desperdício imediato dos bens continuar, iremos entregar a Terra ainda banhada em sol apenas à vida bacteriana”
Nicholas Georgescu-Roegen (1969)
O mundo alcançou 1 bilhão de habitantes, aproximadamente, no ano de 1800. Duplicou para 2 bilhões em 1927. Na virada do milênio, no ano 2000, atingiu a cifra de 6 bilhões de pessoas e chegou a 7 bilhões em 2011. Relatório da Population Reference Bureau (PRB), divulgado em agosto de 2016, estima que a população mundial atingirá 10 bilhões de habitantes em 2053.
Em termos regionais, haverá um fosso demográfico e ritmos bem diferentes de mudança, com a população da África Subsaariana mais do que dobrando de tamanho, dos atuais 1,2 bilhão para os 2,5 bilhões em meados dos anos 2050, enquanto a Europa – mesmo com as imigrações – deve diminuir de tamanho e a América Latina deve alcançar o pico populacional e a estabilidade do crescimento em meados do atual século.
Não haverá mudança dos nomes dos 7 países mais populosos, mas haverá uma alteração na ordem de localização do ranking. A China deve perder cerca de 34 milhões de habitantes, passando de 1,378 bilhão em 2016 para 1,344 bilhão em 2050. A Índia vai passar de 1,3 bilhão para 1,7 bilhão no mesmo período (vai crescer cerca de dois Brasis). Portanto, a Índia vai ultrapassar a China e se tornará o país mais populoso do mundo.
Os Estados Unidos devem se manter no terceiro lugar. Mas a Indonésia que ocupa o quarto lugar atualmente deve cair para a quinta posição em 2050 e o Brasil deve perder o quinto lugar e cair para o sétimo posto no ranking dos países com maior volume de população. O Paquistão vai permanecer no sexto lugar, mas passando de uma população de 203 milhões de habitantes, em 2016, para 344 milhões em 2050. O maior salto será da Nigéria – que vai ganhar 3 posições – passando do 7º lugar para o 4º lugar, em empate com os Estados Unidos. A população da Nigéria que está atualmente em torno de 187 milhões deve pular para 398 milhões de habitantes em 2050.
Os Estados Unidos serão o único país desenvolvido a apresentar um crescimento demográfico significativo na primeira metade do século XXI, com um acrescimento de 74 milhões de pessoas entre 2016 e 2050 (a maior parte deste crescimento em função da imigração). Evidentemente, este processo vai agravar o impacto sobre a degradação ambiental dos EUA e pressionar ainda mais o déficit ecológico global.
Os EUA possuem atualmente uma Pegada Ecológica per capita de 8,2 hectares globais (gha) e biocapacidade per capita de 3,8 gha. A Pegada total está em torno de 2.610 bilhões de gha para uma biocapacidade total de 1.193,8 gha. Assim, a Pegada americana é 2,2 vezes maior que a biocapacidade, representando um déficit de 220%. Evidentemente, o modelo americano é insustentável e só sobrecarrega o resto do mundo.
Mas os países pobres e populosos também possuem alto déficit ecológico. A Pegada Ecológica total da Índia está em torno de 1,435 bilhão de gha, para uma biocapacidade de 560 milhões de gha, então a Índia apresentou grande déficit ambiental. A Pegada Ecológica total da índia era mais do dobro da biocapacidade total e o déficit ambiental está crescendo e tende a aumentar com o crescimento demoeconômico do país. A Índia já é o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa (GEE) do mundo e tem resistido muito em colocar em prática as metas de descarbonização do Acordo de Paris da COP-21, embora tenha prometido ratificar o Acordo de Paris no dia 02 de outubro, aniversário de nascimento de Mahatma Gandhi.
Dos 7 países em questão, apenas o Brasil possui atualmente superávit ambiental, com pegada per capita de 3,1 gha e biocapacidade per capita de 9,1 gha. A Indonésia tem pegada de 1,6 gha e biocapacidade de 1,3 gha. O Paquistão tem pegada de 0,8 gha e biocapacidade de 0,4 gha e a Nigéria tem pegada ecológica per capita de 1,2 gha e biocapacidade per capita de 0,7 gha. Portanto, só o Brasil está no verde e os demais países estão no vermelho do déficit ecológico. E o quadro vai ficar muito pior em 2050 quando o tamanho da população e da economia forem muito maiores.
De fato, o mundo está em uma encruzilhada, pois existem muitos países ricos que continuam consumindo além da conta e muitos países pobres, com populações crescentes, que precisariam de mais recursos para reduzir a pobreza e melhorar o padrão de consumo. Evidentemente, a redução das desigualdades de renda e riqueza (patrimônio) poderia aliviar as condições de subnutrição e subconsumo. Porém, mesmo numa situação hipotética de perfeita distribuição de renda a pegada ecológica média do mundo já é maior do que a biocapacidade média. O mundo tinha, em 2012, uma biocapacidade total de 12,2 bilhões de hectares globais, mas tinha uma pegada ecológica de 20,1 bilhões de hectares globais. Portanto, a pegada ecológica ultrapassava a biocapacidade em 64%. A humanidade já consome 1,64 Planeta e já se encontra no “cheque especial”, dilapidando a herança deixada pela Mãe Natureza.
A situação atual é insustentável. Por um lado, os países ricos (com cerca de 1,2 bilhão de habitantes) consome além do necessário para uma vida descente e digna. De outro lado, muitos países pobres e em desenvolvimento consomem aquém das necessidades para obter uma vida descente e digna, mas possuem populações enormes (como Índia, Paquistão, Nigéria, etc.) e, mesmo com baixo consumo per capita, possuem alto consumo agregado e incapaz de ser atendido pela biocapacidade nacional.
Tudo isto mostra que a escala das atividades antrópicas já ultrapassou os limites fundamentais da sustentabilidade e há, por exemplo, uma crise hídrica pela frente. O mundo já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta, gerando uma sobrecarga ecológica. Já ultrapassou também as fronteiras planetárias (Alves, 06/02/2015), inclusive o aquecimento global que é uma ameaça concreta e crescente. Para evitar o colapso ambiental é preciso reduzir a pegada ecológica e para evitar as injustiças sociais é preciso reduzir os níveis de desigualdade. Porém, a solução não pode ser o crescimento econômico ilimitado com crescente extração de recursos do meio ambiente. Crescimento econômico ilimitado é impossível diante do fluxo metabólico entrópico. Ao contrário, será necessário não só o decrescimento da população mundial, mas também o decrescimento do padrão de consumo médio das pessoas, com equidade social.
A modernidade urbano-industrial cresceu ampliando a acumulação de capital e incorporando matérias-primas, energia e gente no processo produtivo. O crescimento do capital físico e da população é vital para o sistema capitalista, assim como o sangue é vital para o vampiro. O sistema de produção hegemônico produz e distribui (não de maneira justa) bens e serviços, a partir da exploração da natureza e dos trabalhadores. Em troca, o capitalismo oferece para as pessoas “pão e circo”, mas para a natureza só oferece degradação, defloramento e lixo.
O ser humano não tem uma relação simbiótica com a natureza. As abelhas, por exemplo, sugam a seiva das flores, mas não as destroem. Ao contrário, elas são polinizadoras. Quanto mais abelhas tirarem sua subsistência das flores, mais flores nascerão do processo de polinização. Mas o ser humano tem uma relação parasitária com a natureza, pois para se multiplicar causa prejuízo a outras espécies e aos ecossistemas hospedeiros. A espécie humana é do gênero ectoparasita.
Mas independentemente de qual espécie for, uma regra básica deve ser respeitada e o parasita não pode matar o hospedeiro. Com o processo de globalização, a exploração desenfreada da natureza ultrapassou a capacidade de carga do Planeta. E o mais grave é que a destruição do meio ambiente continua em ritmo assustador no século XXI. Só há um Planeta vivo e ele está sendo assassinado e a caminho de se tornar estéril. O ser humano é um ectoparasita que está matando o seu próprio hospedeiro. Vive do parasitismo ecológico e está provocando um holocausto biológico. Mas deveria saber que o ecocídio é também um suicídio.
O relatório “Global Material Flows And Resource Productivity” (UNEP, julho de 2016) mostra que a extração de recursos naturais globais aumentou três vezes nos últimos 40 anos. A quantidade de matérias-primas extraídas do seio da natureza subiu de 22 bilhões de toneladas em 1970 para 70 bilhões de toneladas em 2010. O aumento do uso de materiais globais (input) acelerou rapidamente nos anos 2000. O crescimento na extração de recursos naturais passou de 7 toneladas per capita em 1970 para 10 toneladas per capita em 2010. A poluição, o lixo e os resíduos sólidos (output) aumentou na mesma proporção.
Nos últimos 20 anos, o mundo perdeu 3,3 milhões de quilômetros quadrados, ou quase 10%, das suas áreas de natureza não domesticada, isto é, regiões praticamente intocadas pela ação humana, segundo cálculo do periódico científico “Current Biology”. Trata-se de uma perda catastrófica da vida selvagem. Em artigo publicado na revista Science, o biólogo americano Samuel Wasser mostra que cerca de 50 mil elefantes africanos são caçados por criminosos a cada ano, para uma população de 500 000 indivíduos. Uma taxa de 10% ao ano pode levar rapidamente à extinção da espécie.
Artigo publicado no blog #SavetheTrees mostra que o mundo planta 5 bilhões de árvores por ano e desmata 15 bilhões de árvores. São duas árvores derrubadas para cada habitante da Terra. É um verdadeiro holocausto biológico debaixo dos nossos olhos!
O crescimento das atividades antrópicas se acelerou nas últimas décadas até o ponto de mudar a correlação de forças no Planeta, aumentando a proporção da presença humana (áreas ecúmenas) e diminuindo as áreas anecúmenas, a proporção das demais espécies e a biocapacidade. Herman Daly (2014) mostra que quando se passa do planeta antropicamente vazio para o planeta cheio as externalidades negativas tendem a superar os benefícios da produção. Ele diz: “Teremos, então, o que denomino crescimento deseconômico, produzindo ‘males’ mais rapidamente do que bens – tornando-nos mais pobres, e não mais ricos”.
Na mesma linha de pensamento, o sociólogo alemão Ulrich Beck, no livro “Sociedade de Risco”, considera que na modernidade desenvolvida (ou modernidade tardia) prevalece a lógica do perigo: “Não é a falha que produz a catástrofe, mas os sistemas que transformam a humanidade do erro em inconcebíveis forças destrutivas” (Beck, 2010, p. 8). Para Beck, a natureza não pode mais ser concebida sem a sociedade e a sociedade (e a população) não mais sem a natureza. A destruição da natureza passa “a ser elemento constitutivo da dinâmica social, econômica e política. O imprevisto efeito colateral da socialização da natureza é a socialização das destruições e ameaças incidentes sobre a natureza” (p. 98). Da mesma forma que Herman Daly distingue mundo cheio e vazio, Beck distingue dois momentos da modernidade: “O que estava em jogo no velho conflito industrial do trabalho contra o capital eram positividades: lucros, prosperidade, bens de consumo. No novo conflito ecológico, por outro lado, o que está em jogo são negatividades: perdas, devastação, ameaças”. (p.3).
Ou seja, tanto na perspectiva de Daly (2014) quanto de Beck (2010), a humanidade já ultrapassou a capacidade de carga e está explorando o meio ambiente a uma taxa mais alta do que a capacidade de regeneração natural dos ecossistemas. Neste cenário que necessita ser redirecionado, não custa lembrar as ideias do livro “O Declínio Próspero” de Howard e Elisabeth Odum (2013), que defendem o declínio das atividades antrópicas com prosperidade humana e ambiental. Não faz sentido aumentar o estoque de pessoas no mundo para correr riscos e agravar a crise ambiental. Neste quadro, seria irresponsabilidade as políticas públicas continuarem apoiando o crescimento demoeconômico e a ideologia antropocêntrica em detrimento da perspectiva ecocêntrica e da sobrevivência da comunidade biótica.
Por isto, o livro Enough is Enough (2010) mostra que uma economia em constante crescimento está destinada ao fracasso. Os autores consideram que a economia é um subsistema da ecologia e o transumo (throughput) funciona a partir da extração de matérias e energias da natureza e o descarte de lixo, poluição e resíduos sólidos no meio ambiente. Uma vez que vivemos num planeta finito, com espaço e recursos limitados, não é possível que a economia e a população cresçam para sempre. O livro defende uma economia de Estado Estacionário.
Mas se a economia e a população já ultrapassaram a capacidade de carga do Planeta, então deve haver decrescimento até o ponto que o Estado Estacionário mantenha um equilíbrio sustentável. Como escrevi em um outro artigo (Alves, 20/07/2016): “A natureza não depende da sociedade, a sociedade depende da natureza. O lema do debate sobre população e desenvolvimento no século XXI deveria ser: menos gente, menos consumo, menor desigualdade social e maior qualidade de vida humana e ambiental”.
Os direitos humanos devem estar em sintonia dialética com os direitos ambientais e o bem-estar das espécies não humanas. Friedrich Engels dizia que a dialética significa mudança e contradição. Ele falava também da transformação da quantidade em qualidade. Por exemplo, a água ao esquentar muda de estado do gelo para o líquido e do líquido para o gasoso. Fazendo um paralelo, a humanidade aumentou tanto a quantidade de intervenções antrópicas no Planeta que houve uma mudança qualitativa do superávit para o déficit ambiental. A partir de um certo grau de desenvolvimento econômico houve um ponto de mutação (state shift) e os danos ficaram maiores do que os ganhos. O abuso suplantou o uso no modelo de crescimento ilimitado e de progresso unidimensional.
Desta forma, é preciso um novo ponto de mutação em sentido reverso. Do crescimento demoeconômico para o decrescimento demoeconômico. A humanidade precisa sair do déficit ecológico e voltar ao superávit ambiental, resgatando as reservas naturais, para o bem de todos os seres vivos da Terra, pois o ecocídio significará também um suicídio para a humanidade. A atual escala da presença humana na Terra é insustentável. Aumentar ainda mais esta escala é irracional e arriscado. Assim, o raciocínio auto-evidente indica que é inviável manter o crescimento da população humana com base na redução populacional das demais espécies e no definhamento dos ecossistemas e da biodiversidade. É impossível uma espécie ser feliz sozinha!
Referências
ALVES, JED. Os riscos ambientais e a queda da natalidade, Ecodebate, RJ, 20/07/2016
ALVES, JED. Fronteiras Planetárias 2.0, Ecodebate, RJ, 06/02/2015
Herman Daly, Economics for a full world, 2014
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco. Rumo a uma Outra Modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.
ODUM, Howard T; ODUM, Elisabeth C. O Declínio Próspero. Vozes, 2013
PRB. 2016 World Population Data Sheet, agosto 2016
The Alarming Truth Behind Deforestation #SavetheTrees, April 28, 2015
O’Neill, D.W., Dietz, R., Jones, N. (Editors), Enough is Enough: Ideas for a sustainable economy in a world of finite resources. The report of the Steady State Economy Conference. Center for the Advancement of the Steady State Economy and Economic Justice for All, UK, 2010.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal.
Fonte – EcoDebate de 28 de setembro de 2016
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