Por Sérgio Teixeira Jr. - ReSet - 12 de novembro de 2024 - Decisão adotada no…
O negacionismo pueril contra as evidências científicas é a nova trincheira da guerra cultural no Brasil
Você não precisa ser um ávido leitor de jornais ou um militante ligado ao ambientalismo para ter ouvido várias vezes frases como “Nós [os ruralistas] somos os que mais preservamos”,“61% do território brasileiro é mato”, “O que o código florestal quer é a interdição do uso da propriedade”, “É muita terra para pouco índio”. É com esse arsenal retórico que a bancada ruralista no Congresso Nacional dispara contra os direitos dos povos originários, contra as leis ambientais e contra qualquer pessoa que afirme haver aquecimento global.
“O que está em jogo é o maior retrocesso em termos ambientais no Brasil”, afirma Cláudio Ângelo, jornalista do Observatório do Clima, durante a conferência A nossa guerra cultura. Discurso ruralista, pós-verdade e o papel do jornalismo, evento que integra a programação da 14ª Páscoa IHU – Biomas brasileiros e a teia da vida. A conferência ocorreu na terça-feira, 04-3-2017, às 19h30, para um público de aproximadamente 200 pessoas, na Unisinos, em São Leopoldo.
Publico lotou o Auditório Bruno Hammes, na Unisinos (Fotos: Ricardo Machado/IHU)
Agenda ruralista
No atual congresso, o mais conservador desde 1964, cerca de 250 deputados compõem a base de apoio aos ruralistas, ao passo que no Senado esse número é de 40 senadores. Não obstante esse número expressivo de apoiadores à agenda de desregulamentação ambiental, o setor ruralista ocupou, recentemente, o controle da Polícia Federal e da Fundação Nacional do Índio – Funai. “Durante 20 anos fazendo cobertura sobre as questões ambientais, nunca vi alguém fazer um resumo tão bom do discurso ruralista quanto este (veja o vídeo abaixo) do Luis Carlos Heinze”, afirma Cláudio Ângelo.
O mais delicado neste assunto é que o discurso acima recebe amplo apoio da sociedade, sobretudo no que diz respeito à retomada econômica. “No Brasil há uma minoria de ruralistas que investiram em suas propriedades para cumprirem a legislação ambiental e eles estão sendo prejudicados por quem não cumpre. Além disso, não se pode negar o fato que o agronegócio mantém a balança comercial brasileira e que isso é relevante para o país inteiro, mas isso não autoriza os ruralistas a agirem da forma como agem”, pondera o conferencista.
O conservadorismo nas políticas ambientais no Brasil está longe de ser uma pauta de direita. Um dos grandes expoentes do Partido Comunista do Brasil – PCdoB, Aldo Rebelo, que militou na esquerda, resolveu, nas palavras de Cláudio Ângelo, “se aliar aos mais conservadores dos conservadores da bancada ruralista. O Aldo fez um relatório sobre a mudança do Código Florestal que versa sobre a legislação mais ou menos como o discurso do Heinze”.
Guerra cultural
O conceito de guerra cultural é um tema debatido, sobretudo, pela sociologia dos Estados Unidos. Basicamente diz respeito à disputa narrativa entre os progressistas e conservadores principalmente sobre questões como evolucionismo e criacionismo e o aquecimento global. “Lá, os fronts são o ensino da teoria da evolução nas escolas e as mudanças climáticas. O negacionismo do aquecimento global se tornou um item obrigatório no check list dos conservadores dos Estados Unidos”, pontua.
“No Brasil é diferente, não há um grupo articulado em torno do negacionismo do aquecimento global, ao contrário, várias pesquisas mostram que entre várias nações, o brasileiro é o mais preocupado com as questões do clima”, ressalta o conferencista, mas chama atenção para duas excessões. “Há dois negacionistas importantes por aqui. O Ricardo Felício, geógrafo, da Universidade de São Paulo – USP, que tem zero publicação sobre mudança climática; e Luiz Carlos Molion que é climatologista, mas tem poucas produções científicas sobre o tema”, complementa.
Por aqui, no entanto, o negacionismo climático fica por conta dos ruralistas. “O discurso dos ruralistas no Brasil é muito parecido com o dos céticos do clima nos EUA. Essas pessoas ignoram evidências científicas e chamam de ideologistas os cientistas que passaram 20 a 30 anos pesquisando a fundo sobre mudanças climáticas”, critica Cláudio. “Veja a Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense que resolveu homenagear os índios do Xingu, com o enredo sobre Belo ‘Monstro’ [Belo Monte] que secou a Volta Grande e deixou duas terras indígenas sem peixe, foi ameaçada por Ronaldo Caiado que disse que abriria uma CPI para investigar a agremiação”, relembra.
Cláudio Ângelo, ao fundo à esquerda
Jornalismo e meio ambiente
Mas afinal de contas, o que o jornalismo tem a ver com as questões ambientais? Para Cláudio Ângelo, o último território onde a chama do ceticismo pode ainda estar protegida é no jornalismo. “Os últimos guardiões do ceticismo são os jornalistas. O livro O mundo assombrado pelos demônios (São Paulo: Companhia de Bolso, 2006), Carl Sagan, apresenta um check list rápido sobre as principais falácias e os antídotos dos blefadores negacionistas”, salienta o conferencista.
Na avaliação de Cláudio Ângelo, vivemos a pior crise do jornalismo em que o modelo hegemônico de negócio parece insustentável. “O Facebook faz grilagem de conteúdo e com a audiência capta anunciantes que antes investiam em jornais e revistas”, analisa. Por outro lado, reconhece que nem tudo está perdido. “A ressurreição do jornalismo nos EUA veio com a eleição de Donald Trump. No Brasil há uma série de iniciativas que vem vingando, como Amazônia Real, Aos Fatos, Poder 360, e que nos enchem de esperança”, projeta.
Diante do cenário de pós-verdade, como descreveu o conferencista, o trabalho do jornalista se torna cada dia mais importante para lutar do lado das evidências científicas. “Nada substitui o jornalismo crítico. Em um mundo onde o leitor confia mais nas próprias verdades, talvez a angulação da abordagem deva ser outra que não o confronto direto. Preciso desconstruir o discurso que serve à guerra cultural”, conclui.
Cláudio Ângelo
Cláudio Ângelo é jornalista formado pela Universidade de São Paulo – USP, coordena a comunicação do Observatório do Clima, organismo que tem o objetivo de formar uma coalizão de organizações da sociedade civil brasileira para discutir mudanças climáticas. Ainda foi editor de Ciência do jornal Folha de São Paulo e é autor do livro A Espiral da Morte (São Paulo: Cia das Letras, 2016), sobre como a humanidade alterou o clima nos polos e como isso afeta a todos.
Assista a conferência na íntegra
Fonte – Ricardo Machado, IHU de 04 de abril de 2017
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