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O papel do Jornalismo Ambiental e seus desafios

“O jornalismo ambiental precisa incomodar!”. Foi assim que André Trigueiro – editor-chefe do programa Cidades e Soluções da Globo News -, abriu o terceiro, e último dia, do VI Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental.

E é preciso fazer jus! A mídia tem tratado, sim, das questões ambientais e, hoje, muito mais que 10 anos atrás. Elas, de fato, têm estado mais presentes no dia a dia e informado mais e melhor acerca das mudanças climáticas e seus impactos. Impactos não apenas no Planeta, mas acima de tudo, sobre a espécie humana.

No entanto, como já vimos, na maioria das vezes, a questão ambiental fica no viés da perspectiva econômica, já que o tratamento dado a ela é quase sempre dentro da lógica tradicional da mídia, que obedece o imperativo do interesse capitalista. Esta é a dimensão menos digna com a qual a questão ambiental pode ser tratada. E novamente caímos na retórica angustiante, ao verificarmos que reforçando o interesse econômico, visamos outra vez o beneficio único do homem.

A mudança necessária para acabar com esta visão passa por uma mudança cultural profunda.E como consenso da maioria dos profissionais da área, chegamos ao segundo desafio: se não houver mudança na superestrutura, não haverá mudança na infraestrutura. Ou seja, não há possibilidade de uma mudança radical se não houver uma transformação radical da nossa cultura e da nossa visão de mundo.

Vemos que um dos grandes problemas do jornalismo ambiental é que, ao nos subordinarmos à lógica da mídia comercial, não integramos as dimensões socioambientais. Só que há um nexo indissolúvel entre água, energia, meio ambiente, alimento e inclusão sócio-produtiva e esta é a condição sinequa nondo tema só poderser abordado em conjunto. Nesta linha de conduta, Nelton Friedrich – diretor de Coordenação Ambiental da Itaipu Binacional e mentor do Projeto Cultivando Água Boa, ganhador do Prêmio Água, Fonte de Vida, da Organização das Nações Unidas – apresenta o conceito de“governança inovadora”, o qual deve atuar com base na responsabilidade compartilhada. “É preciso compreender que o acesso que temos nos dias de hoje à governabilidade global de nada serve se não atuarmos diretamente com as governabilidades locais”, afirma.

E apesar de nunca termos tido tanto acesso a qualquer tipo de informação como nos tempos atuais, apesar das informações nunca terem sido tão baratas e tão democratizadas quanto nos dias de hoje, não obstante, nunca tivemos uma percepção tão fragmentada da realidade. Talvez, seja porque não fomos educados com base na ciência da complexidade, na Teoria do Caos e dos sistemas. Nossa visão de mundo é, por educação, cartesiana e fragmentada.

Ao contrário, uma sociedade sustentável exige/impõe transversalidade, interdependência, compreensão sistêmica, correlação entre as diversas dimensões determinantes de uma dada situação sustentável ou insustentável. É isso que a Natureza tem procurado nos ensinar.

Por exemplo, as problemáticas das questões hídrica, vivida em São Paulo com mais intensidade a partir de 2014, ou de saneamento básico, às vésperas do maior evento esportivo do mundo (Olimpíadas Rio 2016) e a forma como foram abordadas pelasGovernanças Públicas foi, segundo André Trigueiro “eticamente predatória, economicamente perversa e politicamente injusta”. Interessante apontar que não apenas o setor hídrico ou de saneamento padeceu sob tal modelo administrativo, mas também o dos códigos florestais, indígenas, o da mineração, o das fontes geradoras de energia, o da transparência econômico-administrativa, enfim, padeceu o Brasil como um todo.

E façamos aqui um mea culpa: com raras honrosas exceções, a questão da água não foi tratada de forma sustentável. As manchetes diárias foram (e até hoje são) sobre o volume dos reservatórios, a transição da água de um reservatório para outro, o volume morto etc.

Mas onde ficaram as condicionantes que nos levaram à esta situação? E todo o uso inadequado e burro de todos os recursos naturais que temos feito há tantas décadas? Onde ficaram as pesquisas inovadoras e os artigos científicos das Agências Nacionais? Quem falou sobre os modelos exitosos de sustentabilidade espalhados mundo à fora? Onde ficaram estas reportagens, que não escondidas em algum canto de blogueiros e jornalistas que se dedicaram a mídias, revistas e até jornais, quase que clandestinamente?

A pauta da Política Nacional é tema dos mais importantes a ser abordado daqui para frente. O índice que, às vezes de forma jocosa, chamamos de índice da felicidade, em países como o Butão, por exemplo, é um índice que parametriza a condição da sobrevivência humana à sua simbiose com a vida no cotidiano. Não há política pública que possa sobreviver sem integrar o conceito de felicidade e de meio ambiente.

Esta é a reflexão que cabe e, sem dúvida, nosso terceiro grande desafio: estamos realmente num país, num mundo em transição? E se a resposta for sim, isto implica dizer que toda espécie humana está em transição e, portanto, este é um momento propício para refletirmos sobre o sentido da nossa vida.

O momento é propício também para que nós do jornalismo ambiental mostremos às pessoas que há contexto e conexão entre a crise civilizatória que temos vivido e a ignorância em relação às ciências da vida e às teorias da sustentabilidade, as quais podem servir de alicerce a outro tipo de sociedade. Somos um dos principais agentes de condução, sensibilização e conscientização de uma cultura da sustentabilidade, de uma superestrutura que reconhece as relações causais entre os desastres ambientais.

Porque é assim que a Mãe Natureza ensina seus filhos: conversando, sensibilizando, para depois conscientizar.

Elisa Homem de Mello é jornalista especializada em sustentabilidade hídrica e energética. Escreve voluntariamente para Envolverde.

Fonte – Elisa Homem de Mello, Envolverde de 26 de outubro de 2015

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