Há uma grande expectativa sobre a Conferência do Clima que o Brasil sediará de forma inédita em sua História. Para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), será também a primeira vez que uma cúpula se hospeda em um país com as características reunidas pelo Brasil: mega-bio-socio-diverso, potência agrícola e florestal, dono de uma matriz elétrica de baixo carbono, com uma sociedade civil organizada vibrante e detentor da maior floresta tropical do mundo.
É nesse palco que importantes definições sobre o clima, mas também sobre o desenvolvimento da região amazônica, terão de ser tomadas.
Belém do Pará receberá a COP 30 em novembro de 2025, mas esta agenda entrou desde já na ordem do dia dos governos e da sociedade.
No mapa do caminho até lá, será importante definir prioridades e ações da agenda climática, incluindo a preparação da cidade para receber a cúpula.
Foi com este mote: “Rumo à COP 30 – Construindo as prioridades da rede” que a iniciativa Uma Concertação pela Amazônia realizou em 4 de março a sua primeira plenária do ano, reunindo 170 participantes online.
O encontro contou com o governador paraense Helder Barbalho, a secretária nacional de mudança do clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Ana Toni, e a diretora de projetos do Instituto Cojovem, Karla Braga.
O embaixador André Corrêa do Lago, secretário de clima, energia e meio ambiente do Ministério das Relações Exteriores, cancelou a participação, devido ao falecimento do diplomata Daniel Machado da Fonseca, que chefiava a divisão de ação climática do MRE.
Caio Aguiar, com o nome artístico Bonikta, também teve uma participação especial no encontro.
Representante da nova geração da arte urbana amazônida, ele passa a “vestir” os canais digitais da Concertação.
“A Ilha”, obra da série Memórias Enkantadas, que ilustra este encontro, é um exemplo da sobreposição de elementos imaginários aos reais que marca sua produção artística, criando camadas e memórias coletivas para imaginar futuros possíveis.
“A arte tem esse grande potencial de construção de futuro, de poder imaginar outras possibilidades de existir, e de estar à frente das decisões e articulações que vão manter a nossa floresta em pé, os rios limpos e a nossa gente viva também”, afirma o artista de 28 anos, produtor cultural em Ourém, interior do nordeste paraense.
Pois foi o vislumbre de futuro que guiou boa parte do debate promovido no encontro, sob a provocação: ao imaginar o último dia da COP 30, o que será considerado um sucesso?
“Nós seremos vencedores, como COP da Floresta, se conseguirmos fazer com que a floresta viva possa valer mais do que a floresta morta”, responde o governador Barbalho.
Ele vê a realização da COP 30 na Amazônia como o grande momento para o Brasil assumir o ativo florestal com uma vocação, atrelando a solução ambiental ao desenvolvimento humano.
“Não há solução ambiental se não envolver pessoas, se não levar em consideração que nós temos no Pará 9 milhões de brasileiros, nós temos na Amazônia brasileira 29 milhões de pessoas e nós temos na Pan-Amazônia 50 milhões de habitantes”.
Ana Toni enumera os legados desejáveis – locais, nacionais e internacionais – que devem ser trabalhados daqui em diante para se tornarem realidade.
Na agenda internacional, a secretária relembra o mandato internacional que o Brasil, na qualidade de anfitrião, tem para a COP 30, que inclui a conclusão do trabalho sobre transição justa, o acordo sobre indicadores das metas de adaptação, o alinhamento do financiamento público e privado para as ações climáticas, bem como o debate em torno do artigo 6 do Acordo de Paris, sobre a regulamentação do mercado de carbono.
Esses são pontos que ficaram em aberto na COP 28, que não se sabe se serão finalizados na COP 29 (a ser realizado este ano em Baku, no Azerbaijão), mas que, segundo ela, deverão ser concluídos na COP 30, no máximo.
“Nós todos vamos ter de ajudar para que isso aconteça”, conclama.
Mas o tema mais importante, que ela entende como a grande entrega da COP 30, são as novas NDCs de todos os países, para que se alinhem à meta de conter em 1,5 grau o aumento da temperatura no planeta.
As NDCs são contribuições nacionalmente determinadas de cada país signatário do Acordo de Paris, para conter o aquecimento global. Segundo o Global Stocktake, esse alinhamento ainda não foi obtido.
Diante disso, foi definido na COP 28 que a presidência daquela cúpula (Emirados Árabes Unidos) e das duas próximas (Azerbaijão e Brasil) trabalharão juntas para assegurar NDCs mais ambiciosas.
“Este é o nosso mandato: as NDCs têm que deixar vivo [o objetivo de] 1,5 grau. Mas, mais do que deixar vivo, a gente tem que deixar concreto, tem que ter plano de implementação”, frisa Ana Toni.
Em relação ao legado para o Brasil e a Amazônia, a secretária do MMA entende ser necessário transpor a ideia de “floresta como ativo ambiental e econômico” para os termos da negociação global.
“Que parágrafo almejamos ver na declaração final da COP? Temos que começar a trabalhar essa linguagem. A bioeconomia, obviamente, está muito ligada a esse tema também.”
Pessoas no centro
Outro desafio será mostrar de forma concreta a ligação da mudança climática com as pessoas e o desenvolvimento social e econômico.
“De novo, como a gente constrói isso? O que é ter uma ‘people centric COP’? O que isso significa em termos de documento? É rever, por exemplo, a Agenda 21 pela perspectiva de clima? É ter uma agenda de jovens? É ter uma NDC não só de carbono, mas de pessoas, desigualdade e renda?”, questiona.
Segundo ela, o governo espera entregar até o fim deste ano ou no início do próximo a meta brasileira de NDC para 2035, acompanhada de planos de mitigação e de adaptação focados em investimento e implementação.
“Já passamos da época de pensar só em metas, que depois não sabemos quanto custam. Esperamos que as NDCs na COP 30 sejam ambiciosas, mas também concretas em implementação. Se atingirmos isso, teremos ajudado muito o Brasil e contribuído para o processo global”, afirma.
Mas a secretária alerta que essa conquista dependerá do sucesso da COP 29, “porque a questão econômica poderá bloquear o debate inteiro da COP 30”, diz, referindo-se à questão do financiamento climático para a adaptação dos países mais vulneráveis e em desenvolvimento.
A prometida quantia anual de US$ 100 bilhões já se mostra insuficiente.
Karla Braga, do Cojovem, vê na COP 30 a oportunidade de redução das vulnerabilidades de crianças e jovens. “Quando penso em legados e sonhos possíveis para a gente materializar mudanças rumo à COP 30, não consigo deixar de pensar que este é um caminho essencial para materializar direitos voltados às populações em situação de vulnerabilidade, com ênfase em crianças e juventudes, diz ela. “É preciso ver isso estampado em políticas públicas, e em mecanismos de financiamento.”
Braga enfatiza que quem cuida da floresta são as pessoas.
Portanto, garantir um legado de longo prazo para as diversas Amazônias depende de enxergar a importância das juventudes do Sul Global, partindo para a implementação.
A jovem faz um apelo: “Lembrem-se de nós no momento de conceder as credenciais, assim como no momento em que forem pensar os mecanismos de acesso a fundos dentro do âmbito do clima. Porque é importante que a gente construa esse caminho até a COP 30 com muita seriedade e compromisso com as juventudes.”
Segundo a pesquisa Fala Juventudes do Pará, desenvolvida pelo Instituto Cojovem para subsidiar o processo de construção de políticas públicas, projetos e programas no estado, há mais de 7 milhões de crianças e adolescentes expostos aos riscos de enchentes fluviais no Brasil.
Mais de 24 milhões de crianças e adolescentes com menos de 18 anos estão expostos aos riscos de poluição do ar.
E mais de 27 milhões de crianças e adolescentes com menos de 18 anos vivem em áreas com alto risco de exposição à poluição por pesticidas.
“Apesar de não termos sido nós que criamos esse cenário, somos obrigados a viver nele. Então, é preciso entender que o que está sendo construído agora deixará um legado que nós teremos de carregar para o resto da vida”, afirma Braga.
Ana Toni observa que uma decisão tomada na COP 28 define que o High Level Champions (pessoa que mobiliza órgãos não-governamentais, como setor privado e sociedade civil), terá de incluir uma posição para a juventude.
“Com isso, o governo brasileiro precisará ter um High Level Champions de jovens, o que eu acho muito bom”, diz.
Educação e cultura
Diante de dificuldades encontradas em COPs anteriores, há ainda uma demanda no Brasil para aumento da acessibilidade para pessoas portadoras de deficiência, mas também para todas aquelas com dificuldade de locomoção e acesso, como pessoas idosas, jovens e crianças.
O País, diferentemente dos países que sediaram as cúpulas anteriores, possui uma sociedade civil organizada expressiva e movimentos sociais bastante ativos, que exigem a ampla participação.
Nesse sentido, uma COP voltada para as pessoas pode e deve explorar toda a riqueza que advém da sua diversidade étnico-racial, social e cultural.
“As COPs têm sido realizadas por um grupo cada vez maior, mas ainda bem limitado. O clima é um tema bastante restrito por conta da sua aridez, da sua complexidade. A consciência da sociedade como um todo me parece ser central, e aí o elemento da cultura entra muito fortemente. Eu sinto muita falta desse elemento nas COPs e vejo uma oportunidade muito grande, por ser Belém, por ser Amazônia, por ser Brasil, de levar o campo da cultura de uma maneira muito mais enfática nas COPs”, diz Roberto S. Waack, uma das lideranças da Concertação.
Joana Rennó, diretora de Estratégia e Implementação do instituto iungo (que desenvolve o programa Itinerários Amazônicos em parceria com o Instituto Reúna e a Concertação), vê a educação como um campo capaz de articular dimensões como meio ambiente, sustentabilidade, clima e cultura.
Ana Toni considera pertinente debater cultura e educação desde já, pois o Brasil terá de escolher sua agenda central para a COP 30.
“Assim como COP 28 trouxe fortemente o tema saúde, o Brasil poderia, por exemplo, trazer o tema de educação ou cultura. Mas como e aonde levar o tema é a questão. Uma coisa é levar para a negociação formal, a segunda é levar para a agenda de ação da presidência. A terceira é levar para a agenda de ação dos múltiplos stakeholders. A quarta poderia ser levar para a área de exposição da própria COP no lugar. As trajetórias são muito diferenciadas dependendo do que a gente queira nessas agendas maiores”, explica.
Quando questionada sobre a política climática do governo do ponto de vista mais estratégico, Ana Toni afirma que os 18 ministérios integrantes do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima não veem um plano para o clima separadamente de um plano de desenvolvimento – ao contrário.
Veem um plano de desenvolvimento que tem a perspectiva climática, como alinhamento de investimentos públicos e privados.
Sérgio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas, chama a atenção para que o plano de transição ecológica do governo lide com a questão da pobreza, citando as populações que, em busca de alguma renda, são atraídas para as atividades ilegais e o desmonte das políticas públicas ambientais.
Toni afirma que em breve será criada uma secretaria especificamente voltada à COP 30, de modo a dar agilidade às decisões na preparação da Conferência, principalmente no que se refere à infraestrutura, logística e o esperado legado local.
Legado para Belém e para as Amazônias
Embora a Amazônia esteja sob o olhar do mundo, nem sempre as pessoas que ali vivem estão sendo devidamente olhadas, segundo o governador Helder Barbalho.
“Quando eu digo pessoas, estou falando dos povos indígenas que sofrem a pressão das ilegalidades ambientais, dos povos de pescadores, de extrativistas, de ribeirinhos, de quilombolas, e milhões de pessoas que moram nos centros urbanos. Belém do Pará tem 1,5 milhão de habitantes. Aqui do lado, Manaus tem 1,7 milhão. São grandes centros urbanos ainda com problemas de saneamento e de destinação de resíduos sólidos”, admite.
Esta é uma preocupação inclusive do ponto de vista da recepção dos milhares participantes da COP 30.
Segundo ele, o governo está investindo fortemente nessa infraestrutura, chegando a R$ 4 bilhões de investimentos em diversas áreas, para que Belém possa receber bem os convidados.
Segundo ele, há gargalos também nas questões de hospedagem e transporte via embarcações, que demandam soluções.
“Mas estou muito entusiasmado (com o fato) de que nós faremos uma COP com as peculiaridades da floresta. Quando fui perguntado como Belém seria comparado com Dubai, eu disse: ‘Quem quiser ver prédio bonito, vai para Dubai. Quem quiser ver floresta, vem para Belém’. Temos de valorizar o nosso ativo e nos unirmos para encontrar as soluções que possam fazer a nossa COP com as singularidades da Amazônia, que é a experiência de viver na floresta e de comer a melhor gastronomia do planeta”, diz.
O governador espera também que os debates sobre o tema climático impulsionem recursos para a região, por meio da estruturação de um mercado de carbono e do desenvolvimento da bioeconomia, agregando valor aos produtos da floresta por meio do financiamento para inovação e tecnologia.
Ele afirma que reflorestamento e restauro são políticas estruturadas no âmbito conceitual, mas que o governo ainda precisa tirar do papel diante das urgências climáticas que estão postas.
E dá um recado final os países desenvolvidos:
“Nós somos postos como os responsáveis pela solução climática, mas não se apresenta um financiamento para que, da mesma forma que aconteceu no Hemisfério Norte com a Revolução Industrial, nós possamos promover uma Revolução da Floresta para gerar empregos e desenvolvimento verde para a nossa região”.
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