Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
O que está por trás do ambientalismo
O foco deste artigo é demonstrar que além de uma necessidade básica e um direito fundamental, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é também uma questão ética e fala muito sobre nossa própria evolução como seres humanos.
O ser humano só é ser humano, pois consegue pensar em si como tal, as capacidades de pensamento e de percepção trazem ao homem sua consciência, permitindo colocar a si mesmo, seus iguais, bem como todos os elementos da natureza e elementos inteligíveis (elementos da ideia), na linha espaço temporal.
Esse pensamento primário, compreende que o homem se relaciona com três realidades: infra-humana, onde é capaz de diferenciar-se dos animais, e percebe sua natureza; Humana, reconhece o seu semelhante, se vê como igual (no aspecto físico e psíquico) e a sobre-humana, onde busca pela espiritualidade, pela explicação dos fatos pela metafisica, pelo absoluto.
Da idealização do homem como homem, até os dias atuais, passamos por inúmeras mudanças, construímos, destruímos, criamos, matamos, fomos além, talvez, da própria programação que a natureza nos deu, vindo a nos tornarmos seres ilimitados.
Todo esse processo infindo de evolução acontece principalmente por uma característica fundamental: nós conseguimos expressar nosso pensamento, através da linguagem e principalmente, conseguimos refletir e acessar o mecanismo da consciência e da razão sobre nossos atos.
A razão é um dos elementos que nos faz sermos diferentes do animal selvagem. Diferencia-nos até mesmo do “bom selvagem” prelecionado por Rousseau (A Origem da Desigualdade entre os homens – Lafonte, 2012): Despojando este ser assim constituído de todos os dons sobrenaturais que pudesse ter recebido e de todas as faculdades artificiais que pudesse ter adquirido somente após longos progressos; […] vejo um animal menos forte que uns, menos ágil que outros, mas, em seu conjunto, mais vantajosamente organizado que todos eles […]”.[1]
Percebemos, destarte, que, como seres racionais, passamos a buscar evolução mediante nossas ações, e que mesmo um simples gesto de cumprimento é dotado de racionalidade, e como veremos, tem um sentido que busca, mesmo que tacitamente, evolução.
Com o filósofo racionalista Immanuel Kant, vemos, em sua Crítica à Razão Pura, certa definição de racionalidade, de onde podemos nos embasar para melhor esclarecimento sobre o tema:
“Todo o nosso conhecimento começa pelos sentidos, daí passa ao entendimento e termina na razão, acima da qual nada se encontra em nós mais elevado que elabore a matéria da intuição e a traga à mais alta unidade do pensamento.”[2]
Portanto, a Racionalidade faz parte do inicio da humanidade, estando presente no pensamento, está dentro do homem enquanto seus pensamentos idiossincráticos e está presente na comunicação indivíduo-indivíduo, indivíduo-comunidade.
Uma vez que nos utilizamos de nossa racionalidade, fica-nos cada vez mais aclarada a necessidade da interação, assim, produzindo legitimação para os atos, decisões e desenvolvimentos cultural, mediante o convívio. As ações racionais são aquelas dotadas de sentido, embasadas em um raciocínio teleológico, mas que também se preocupa com o desenvolvimento do processo empregado para atingir o determinado fim.
A história e o desenvolvimento do trato ao meio ambiente até sua evolução de fato a uma ciência jurídica (Direito Ambiental) serve de base epistemológica, porém a intenção deste Artigo é demonstrar que ao longo dos tempos, a preocupação com as fontes natural e artificial, entendendo as naturais aquelas fornecidas pela natureza e as artificiais aquelas construídas pelo homem; levaram séculos para se tornarem objeto de direito.
Na data do ano de 1941, em função de um litígio que ocorreu entre os Estados Unidos e o Canadá, nomeado Fundição Trail, no qual foi protocolada uma queixa contra o Governo canadense à Comissão Mista Internacional, argumentando-se ao longo de seu teor que uma respectiva empresa subordinada a este país poluía áreas do território dos Estados Unidos.
As investigações levaram a um relatório que condenava a empresa canadense, estabelecendo multas pelos danos ambientais causados. Após o Governo do Canadá, alegar agressão a sua soberania ficou celebrado a realização de uma Convenção em Ottawa, pela qual ficou pactuou-se a jurisdição de um Tribunal Arbitral em Washington, o qual passado uma década do fato pronunciou sentença a favor do pleiteado pelo Governo americano.
Para as origens mais remotas do Direito Ambiental Internacional, esta decisão judicial foi de incomparável relevância, pois ficou reconhecida pela primeira vez na história a possibilidade de responsabilização em âmbito internacional pela prática de atos lesivos ao meio ambiente, resultantes de danos ambientais. Entretanto, por ter sido um caso relativamente mais simples, já que era uma informação de notório conhecimento geral quem era o poluidor a maior parte dos doutrinadores internacionalistas consideram a década de 1960 como a verdadeira época do nascimento do Direito Internacional do Meio Ambiente.
O Direito Ambiental Internacional obteve a maturidade do seu desenvolvimento na Europa da década de 1960, período em que surgiu a figura jurídica dos danos transfronteiriços. Os países que já possuíam uma das legislações mais avançadas da época em prol da sustentabilidade e desenvolvimento do meio ambiente natural, a Suécia, detectou que suas florestas estavam sofrendo com inúmeros desgastes ambientais provocados por chuva ácida.
Os cientistas suecos que estudavam de forma pioneira o fenômeno da chuva ácida descobriram que ela era fruto da poluição de todo o continente europeu, que subia para a escandinava e reunia-se com a umidade na formação desta espécie de chuva. Ficou claro pelo coletado nestas pesquisas científicas que, não dependeria apenas dos esforços depreendidos pelo Governo sueco para que houvesse a resolução eficaz do grave problema, dependendo necessariamente dos esforços conjuntos das outras nações europeias. Tendo se consolidado como o fato percussor da definição concreta do que vem a ser o dano transfronteiriço.
Além de todo o narrado, a década de 1960 foi o período em que a Guerra Fria encontrou o seu ápice, resultando numa mobilização global e cultural em busca da paz, pois uma guerra nuclear levaria a destruição de toda a natureza, inviabilizando a vida na Terra.
A corrida armamentista resultou em um pavor geral, causado pelo perigo de destruição em massa e total do meio ambiente através de bombas atômicas; por tal razão, movimentos culturais como o movimento hippie auxiliaram na moderna visão de preocupação ambientalista. Nessa toada, a Organização das Nações Unidas ganhou prevalência no que se refere às questões ambientais e sua assembleia se consagrou em um importante foro de discussões acerca de diversas temáticas ambientalistas. Destaca-se como uma das grandes contribuições da Organização das Nações Unidas em relação ao meio ambiente, o fato de ter mantido um fórum permanente, reunindo representantes de todas as partes do mundo para debater assuntos relacionados à proteção conferida pelo Direito Internacional ao patrimônio ambiental.
Nesse contexto, a Organização das Nações Unidas teve o mérito de organizar uma Convenção Internacional para o debate e discussões sobre os caminhos a serem traçados para a resolução das problemáticas que afligem o ecossistema, que foi realizada na capital da Suécia, Estocolmo. Essa Convenção Internacional ficou conhecida como Conferência de Estocolmo e foi realizada no ano de 1972.
A partir de então o Direito Ambiental toma forma como ciência, cujo objeto faz parte da coletividade, do ser humano em sua escala mais básica, pois é um dos direitos fundamentais à vida. Porém, a questão da soberania ainda, em tempos modernos, nos faz questionar sobre o próprio fundamento essencial da relação homem-ambiente. Pois a luta continua e as barreiras quase intransponíveis dessa soberania dos estados mais poluidores chocam-se com estas questões universais. Podemos abranger esta análise exemplificando a ineficácia da ONU na Guerra Síria, no genocídio que a guerra civil proporciona em muitos países do continente Africano que ainda lutam pela independência. Podemos citar, inclusive, a ineficiência num acordo de paz entre a Coréia do Norte e os Estados Unidos, que pode ocorrer a qualquer momento uma das maiores e mais devastadoras guerras que conheceremos num futuro não muito distante.
Mas voltando ao foco central desta reflexão, que é a ética e o Direito nas questões ambientais, é interessante destacar aqui, que no Brasil, apenas com a Constituição de 1988, onde estes princípios de terceira geração, como chamamos, fazem parte do Art. 225 da CF/88 onde destacam-se as seguintes terminologias: “todos nós temos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Isso quer dizer que a característica da norma pode estar expressa ou implícita. Funcionando como princípios setoriais, de morfologias permanentes e sempre evolutivas (as leis em prol do meio ambiente não devem retroagir nunca), pois, embora tratado em Art. diverso, está implícito no rol de Direitos básicos fundamentais: o direito à vida e a saúde que trata o Art. 5º da CF dispõe acerca da dignidade, da existência e também da ‘qualidade de vida’, ou seja, o direito ambiental está implicitamente ligado ao direito à vida.
Desta forma, é um direito conferido pelo Estado a todas as crianças, adultos, brasileiros e estrangeiros que em solo deste país, essencial a uma qualidade de vida mínima e saúde. Sendo assim, bem comum do povo. Não é um bem público, possui titularidade difusa, mesmo quando se trata de propriedade privada, por essas razões existem hoje as leis regulamentadoras dos incisos do Art. 225 da CF, trazendo, quando há necessidade, leis que especificam o poder público e particular, de dispor sobre riquezas naturais, e principalmente, obrigando a entidade de direito público, empresas ou a pessoa física a reparar o dano causado, a exemplo do nosso Código Florestal, das leis que tratam das Unidades de Conservação e etc.
Estamos em frente a um grande e grotesco paradoxo legiferante, aqui a moral se instala como fonte única do nosso debate, pois apresentei-lhes a epistemologia positiva do direito ambiental. Porém, caro leitor, você certamente está agora se perguntando: “Mas se a legislação tem o poder transformador e garantidor do ambiente, em categoria suprema, como pode ocorrer, por exemplo, a morte do Rio São Francisco em MG, por uma mineradora e até agora ninguém ser responsabilizado, e o dever de restituição, assim como a multa ainda não foram definidos de forma clara?”, ou então “Por que o poder executivo, com um decreto pode definir as áreas que lhe interessam como reserva ou não reserva? Sendo este um procedimento incabível na visão constitucional dos direitos de terceira geração?”.
Pois aí reside a verdadeira questão, a nossa culpa aparece neste exato momento, sim, nossa culpa, pois todo o esforço, toda a energia gasta para que o meio ambiente fosse um direito básico do ser humano, se esvai, com a atividade legiferante do nosso modelo democrático. Sim, escolhemos nossos representantes de maneira porca, burra, inconsequente, pois para cada lei que é promulgada de forma afirmativa, ou seja, hoje é declarado uma multa para atos que alterem, prejudiquem ou extermine um bioma, existe também um artigo ou uma nova lei que permite a anistia.
Não preciso dizer que este paradoxo é fruto do poder político. Não preciso, aqui, diante de toda informação que possuímos, de tudo que já sabemos. Mas o que eu preciso dizer é que todos somos responsáveis.
Primeira irresponsabilidade é só tratar a política como um evento decorrente de dois em dois anos (lembrando que as eleições ocorrem de 4 em 4, porém em tempos diferentes, nos dando uma lacuna de dois anos).
Segunda tolice, acreditar que a preservação é obrigação do Estado. Quando chove e ocorrem deslizamentos, inundações, e a população fica à mercê da natureza, culpando a figura representativa do Estado, esquece-se de que cada lixo que joga no chão, o mesmo vai para algum lugar, geralmente para os bueiros, entupindo-os e acreditem, fazendo com que uma chuva inunde tudo.
Terceira e mais problemática das nossas atitudes irresponsáveis, ao mesmo tempo em que fazemos textos, gritamos e levantamos a bandeira da sustentabilidade, estamos sendo hipócritas. Sim, hipócritas da pior qualidade, um exemplo bem recente do que estou falando foi o evento do Rock in Rio, realizado no mês de setembro, teve modelo chorando no palco em defesa da Amazônia, teve músico gritando e esbravejando contra o governo, teve uma galerinha desconstruída e sustentável que como uma grande e maciça onda se autoproclamou, naquele momento, defensor e batalhador do ambiente, acabaram as luzes, os últimos sons que ainda ecoavam eram da equipe de limpeza, que removiam verdadeiras montanhas de plástico, bitucas de cigarros e todo o lixo que não foi devidamente jogado no lixo.
Esta última questão, é delicada, pois hoje a sustentabilidade é elitista. Ela não atinge todas as camadas, não chega onde deveria chegar. Porque é marketing, ser sustentável não é um estilo de vida, é pertencer a uma classe que pouco faz e muito fala. A economia se beneficia, o selo sustentável já traz a ideia de que estamos contribuindo, e logicamente pagando mais caro pelo produto, pois nossa consciência adora isso. Compramos orgânicos e adoramos compartilhar a experiência de consumi-los, porém pouco nos importa a produção, os pequenos agricultores que cada vez mais perdem espaço para os adoradores do glifosato.
Enquanto a educação ambiental não for tratada dentro dos lares, de todas as classes, em todos os meios, nós vamos ficar vivendo de aparências, criando no imaginário que o lixo que consumimos simplesmente desaparece a partir do momento em que é colocado para fora. É cultural.
Por este motivo que o Brasil é o país que possui o lixo mais rico do mundo. Segundo a pesquisa do IBGE, em 64% dos municípios brasileiros o lixo é depositado de forma inadequada, em locais sem nenhum controle ambiental ou sanitário. São os conhecidos lixões ou vazadouros, terrenos onde se acumulam enormes montanhas de lixo a céu aberto, sem nenhum critério técnico ou tratamento prévio do solo, com a simples descarga do lixo sobre o solo. Além de degradar a paisagem e produzir mau cheiro, os lixões colocam em risco o meio ambiente e a saúde pública.
No Brasil, 52,8% do lixo não recebe tratamento adequado. Segundo o IBGE, 30,5% do volume de lixo coletado em 2000 foi encaminhado para os lixões, e 22,3%, para aterros controlados, com altos riscos de contaminação para o homem e para o meio ambiente.
Como vemos, o problema do lixo é um contraste também social, pois, como bem retrata a pesquisa realizada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ), cerca de 43 mil crianças e adolescentes trabalham no lixo no Brasil. São filhos de famílias muito pobres que ganham a vida como catadores de materiais recicláveis. Em alguns lixões, mais de 30% das crianças, em idade escolar, nunca foram à escola. Mesmo aquelas que são matriculadas abandonam os estudos para ajudar os seus pais na catação diária de lixo. É um trabalho desumano e ilegal, que expõe a saúde dessas crianças a todos os tipos de risco.
No Programa Lixo & Cidadania, criado em 1998 por iniciativa do Unicef, os catadores são reconhecidos como verdadeiros agentes ambientais. Eles são responsáveis por 90% de todo o material que as indústrias de reciclagem operam no Brasil. Permitem, por exemplo, que o País esteja no primeiro lugar do ranking mundial de reciclagem de latas de alumínio. Quando organizados em associações e cooperativas, os catadores trabalham em condições mais dignas, produzem mais e melhor. Assim, podem ter uma renda maior, o que lhes permite manter suas crianças na escola e longe do trabalho infantil.
Precisamos entender que tudo está relacionado, pertencemos à um ciclo interminável de transformações, onde um ato isolado pode provocar um resultado monstruoso. Precisamos nos reconhecer como seres humanos, cuja única diferença é a capacidade de raciocinar, e talvez por uma ironia do nosso destino, somos também os únicos seres que devastam, corrompem, destroem.
Neste momento, nós enfrentamos um ponto crítico de nossa história: o que fazemos com o nosso mundo, agora, se propagará através dos séculos e afetará poderosamente o destino de nossos descendentes. Está bem dentro de nosso poder destruir nossa civilização e talvez a nossa espécie também. Se nos rendermos à superstição ou à ganância ou à estupidez poderíamos mergulhar nosso mundo em um tempo sombrio, de escuridão mais profundo talvez do que a idade média e o obscurantismo.
Certa vez me deparei com um maravilhoso livro, Pálido Ponto Azul, de 1994, cujo autor é Carl Sagan, onde de algum modo me fez pensar ao mesmo tempo na grandeza humana a nível de Vida, e na nossa insustentável leveza e pequenez dentro do espaço absoluto em que estamos perdidos.
“Olhem de novo esse ponto. É aqui, é a nossa casa, somos nós. Nele, todos a quem ama, todos a quem conhece, qualquer um sobre quem você ouviu falar, cada ser humano que já existiu, viveram as suas vidas. O conjunto da nossa alegria e nosso sofrimento, milhares de religiões, ideologias e doutrinas econômicas confiantes, cada caçador e coletor, cada herói e covarde, cada criador e destruidor da civilização, cada rei e camponês, cada jovem casal de namorados, cada mãe e pai, criança cheia de esperança, inventor e explorador, cada professor de ética, cada político corrupto, cada “superestrela”, cada “líder supremo”, cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu ali – em um grão de pó suspenso num raio de sol. (…) Não há, talvez, melhor demonstração da tola presunção humana do que esta imagem distante do nosso minúsculo mundo. Para mim, destaca a nossa responsabilidade de sermos mais amáveis uns com os outros, e para preservarmos e protegermos o “pálido ponto azul”, o único lar que conhecemos até hoje.”
Por fim, aqui fica a reflexão, cuidar do meio ambiente, é cuidar também da ética, do direito, da política, das nossas tortuosas relações com outros seres humanos.
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[1] Rousseau, Jean-Jacques. A Origem da Desigualdade entre os homens. São Paulo: Lafonte, 2012, 37.
[2] KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. São Paulo: Martin Claret, 3 ed., 2009.
Mayara Ruiz Ferreira
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