Esta proposição pode gerar situação de extrema complexidade sistêmica ou produzir reflexão simplória.
Sustentabilidade hídrica seria a busca de uma situação de equilíbrio entre as disponibilidades de obtenção de recursos hídricos e as demandas geradas pelas necessidades de toda natureza, incluídas a dessedentação humana e animal e também processamentos agrícolas e industriais em geral.
Em contexto de racionalização que evite desperdícios no transporte e consumo, e que busquem tratar da água como recurso natural, que pode ser finito em determinadas circunstâncias, e que também evitem a mercantilização ou mera precificação.
Evidentemente que está é uma reflexão que leva para o caminho da simplificação, mas guarda a maior parte dos fatores que devem ser considerados, numa abordagem sistêmica e isenta.
E traz uma constatação que de alguma forma deve ser enfrentada.
As disponibilidades apresentadas pelos ciclos da natureza, mesmo para os recursos naturais que podem ser considerados renováveis, exibem suas limitações.
Se a velocidade de recomposição dos recursos naturais for menor que as demandas de consumo, isto, de alguma forma, induz à ideia de que em algum momento se deverá refletir sobre os limites populacionais viáveis para o planeta.
O que não isenta a tomada de consciência, através de mecanismos permanentes de educação ambiental e de adoção de atitudes comportamentais preservacionistas ou responsáveis.
Não há, e não haverão nunca mais, disponibilidades geradas por intervenções antrópicas ou naturais, que gerem possibilidades de desperdícios, induzidas por sensações de abundância, que favoreçam situações de desperdício.
E isto não pode ser visto como uma limitação, e sim como um desafio que busca compatibilizar de forma adequada, e em condições de equilíbrio, as disponibilidades de recursos naturais com as demandas diretas e indiretas dos processos civilizatórios humanos.
Não é o tratamento dos recursos naturais como meros produtos a sofrerem maiores ou menores precificações que vai resolver as questões.
É necessária sensibilização geral para novas tipologias de valoração da vida, conscientização para atitudes permanentemente responsáveis e integradas em políticas públicas abrangentes, e então sim, o uso de mecanismos de precificação indutores de comportamentos.
Que venham associados com políticas públicas que subsidiem ou garantam através de mecanismo diverso, o acesso das populações de mais baixa renda ou vulnerabilizadas, aos bens necessários para uma vida digna, entre os mesmos, os recursos hídricos.
Já existem regiões no planeta, que há muito são afetadas por carências graves de recursos hídricos, que sustentam muitas situações conflituosas.
Alguns destes arranjos evoluem para conflitos militares, explicitados ou não.
Mesmo no país, há bastante tempo se observam conflitos regionais entre usuários de recursos hídricos para finalidades diferenciadas.
Os mecanismos de cobrança ou remuneração, para os usos de água, tem comprovado que, isoladamente, não trazem soluções adequadas, nem mesmo no interior das restritas regiões geográficas delimitadas por bacias hidrográficas.
Cada vez mais se constata que água não deve ser tratada como mero produto, e sim como integrante de complexos equilíbrios ecossistêmicos, em situações que podem ser diferenciadas e constituírem ligações planetárias, explicitadas ou não.
Embora mecanismos de precificação possam integrar políticas públicas multifacetadas, está, cada vez, mais claro que aumentar ou diminuir os preços dos bens, isoladamente, atende às demandas de mercado, mas não parece ser um procedimento ecossistêmico viável que atinja objetivos concretos em sociedades humanas cada vez mais complexas.
Ou em caracteres ecológicos, que comprovadamente não são regidos por diretrizes mercadológicas ou de expectativas em geral.
Praticar gesto de dessedentação, determinar equilíbrio num ecossistema, atender demandas agrícolas por irrigação ou necessidades industriais de consumo de recursos hídricos, atendem a interesses diferenciados.
E sua compatibilização adequada certamente demanda políticas públicas continuadas e compensatórias quando necessário.
Preços podem integrar este cardápio, mas não isoladamente.
No entanto, a pura e simples intervenção antrópica, através de obras de engenharia, ainda que preventivas, aumentando a disponibilidade de recursos hídricos, não configura de forma isolada sustentabilidade.
Desconectada de ações sistêmicas de educação ambiental, podem ser apenas estímulo para os desperdícios de recursos naturais, especificamente de água, que se verificam.
Intervenções antrópicas são bem vindas quando inseridas em programas que incluem reflorestamento, recomposição das condições ecossistêmicas, proteção e recuperação de nascentes, e relevante composição de parâmetros de educação ambiental continuada.
Somente em contextos desta natureza, alterações em parâmetros de precificação, ainda que socialmente compensados, podem apresentar resultados relevantes.
O que se verifica é uma simplificação de concepções.
Se procura atribuir a ausência de obras, ou a dificuldades burocráticas de licenciamento ambiental de obras, a todas as dificuldades que são enfrentadas, e poucas vezes se consegue compreender o conjunto, de ações sistêmicas coordenadas, que em conjunto não deixa de constituir realidade complexa.
A recente crise hídrica, com seus reflexos sobre o abastecimento de água e a geração de energia, veio consolidar uma nova realidade, que exige nova postura coletiva no tratamento prático e teórico da questão, exigindo nova e permanente postura de esclarecimento e sensibilização de todos os agentes interessados e atuantes na sociedade, sem exceções.
Sem estigmatizar soluções, o fato é que estamos testemunhando uma modificação paradigmática para um novo cenário, que é muito mais profunda e significativa do que se pode avaliar.
Envolve visões e concepções, que se diluem em aspectos multifatoriais e inter-relacionadas de muito maior profundidade e dimensionamento.
Que somente em futuro ainda não mensurado, se poderá avaliar em toda sua extensão.
Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 14/08/2018
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