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O valor da diversidade

Quanto vale uma borboleta? Colar etiquetas de preço em espécies individuais parece absurdo, mas é precisamente isso que alguns economistas tentam fazer. Uma nova perspectiva para impedir a destruição

A biodiversidade, vasta rede de todas as formas de vida, é infinitamente valiosa. Um tesouro precioso demais para que, simplesmente, possamos atribuir-lhe valor em dinheiro. Essa opinião é tão aceita quanto respeitável. A única fatalidade é que ela também constitui um convite para considerarmos a natureza viva como um presente gratuito e ainda assim arruiná-la, sempre que houver uma perspectiva de lucro a curto prazo. Para impedir essa destruição, os ecologistas estão se unindo aos economistas. Eles tentam calcular em euros, até os centavos, o valor agregado à produtividade de abelhas e castores, manguezais e recifes de corais. O princípio de uma nova revolução no pensamento econômico

Doutor Antitumor

A vinca rosea (Catharanthus roseus), de Madagáscar, contém substâncias de efeito altamente benéfico nas terapias para o tratamento da leucemia. Nos anos 60, o conglomerado farmacêutico Eli Lilly descobriu a planta medicinal na farmacopeia da floresta tropical, e isolou o ingrediente ativo para o remédio anticancerígeno Vincristin. Mas Madagáscar, o país originário do recurso genético do ingrediente, não se beneficiou de nada disso. Para evitar esse tipo de “biopirataria” e garantir uma participação financeira justa aos países originários, foi criada a Convenção da Biodiversidade, assinada por quase todas as nações do mundo, exceto os Estados Unidos. Dez dos medicamentos mais bem-sucedidos mundialmente originam-se de fontes naturais. De acordo com cálculos da ONU, só com os medicamentos fabricados com a vinca rósea de Madagáscar, a Eli Lilly gera um movimento anual de 100 milhões de euros (aproximadamente R$ 243,58 milhões)

Ganhos vistosos

Turistas mergulhadores apreciam recifes de corais saudáveis, que abrigam muitos habitantes multicoloridos, como o peixe-anjo-real (Pygoplites diacanthus). Menos óbvio é que a proteção dos corais também beneficia os pescadores. Mas os cálculos de custo-benefício provam que todos desfrutam do trato consciencioso do mundo submarino. Nas Filipinas, mais de um milhão de pescadores costeiros e suas famílias dependem do que é extraído do mar. E nos lugares aonde a população participa do “gerenciamento de recifes”, as recompensas são visíveis. Os lucros obtidos com a pesca racional e o turismo de mergulho suplantam os ganhos registrados com a pesca com dinamite por hectare em 2.400 euros (aproximadamente R$ 5.855,79)

Operário florestal

O trabalho ocorre em perfeita harmonia. Para estocar provisões para o inverno, os gaios-comuns (Garrulus glandarius) catam as melhores glandes (popularmente chamadas de ‘bolotas’) dos carvalhos no outono. Por voo, as aves carregam de 6 a 8 frutos no bico e no papo e os enterram em “depósitos” de terra fofa. Esse transporte se repete a cada 10min. Desse modo, cada ave esconde até 7.000 glandes, pelo menos o dobro da quantidade que de fato comerá durante o inverno. Com frequência, os frutos não consumidos brotam, um serviço bem aproveitado por diversas reservas florestais na Alemanha, que passaram a dispensar o trabalho humano e deixam a renovação de suas florestas propositalmente a cargo dos gaios. Economia por árvore: 1 euro (cerca de R$ 2,43)

Animais selvagens

Para adquirir um exemplar de aligátor americano (Alligator mississippiensis) em uma fazenda de reprodução, um zoológico europeu gasta 2.500 euros. Mas de que nos serviria a proteção de seus parentes que vivem em liberdade e para os quais não existe um mercado de oferta e procura? Pesquisadores da Flórida analisaram os índices de perdas de animais na reserva do Parque Estadual Jonathan Dickinson, e constataram que, em 4 anos, 256 anfíbios e répteis morreram atropelados em acidentes de trânsito, inclusive 4 aligátores, que sucumbiram ao lado de tartarugas, cobras e sapos. Medidas adequadas de proteção, como barreiras, túneis ou o controle rigoroso de velocidade, poderiam ter evitado grande parte dessas colisões fatais. Para viabilizar medidas protetoras, dizem os cientistas, bastaria uma soma por animal, muito abaixo da paga pelos zoológicos por um aligátor: US$ 500,00 (aproximadamente R$ 900,00)

Indispensável

Como animal doméstico, que excursiona pelos campos, florestas e lavouras, a abelha-europeia (Apis mellifera) é insubstituível. Os estoques mundiais dos apicultores são calculados em 3 bilhões de exemplares. Mas para a economia humana, as operárias aladas não são relevantes apenas como fornecedoras de mel. Muito mais importante é sua diligência na polinização das plantas e flores, tanto na natureza selvagem, como na agricultura.
Frutas, verduras e leguminosas precisam dos insetos para formar sementes. Para muitas espécies, as abelhas-europeias são polinizadoras vitais. Uma equipe de pesquisa da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, calculou que as frutas polinizadas por abelhas geram, anualmente, um movimento de US$ 14,6 bilhões cerca de R$ 26,30 bilhões)

Depósitos favoráveis

Comercialmente, pântanos e charcos têm uma fama ruim. Tratores e dragas afundam e, na melhor hipótese, só a extração de turfa é rentável. Portanto, durante muito tempo, o lema era: drenar! No entanto na era da sensibilidade climática, o aprendizado é constante. Apenas 3% da massa terrestre do planeta é constituída por terras úmidas, entretanto, elas retêm 30% do carbono armazenado no solo. Por isso, a recuperação de antigos pântanos e charcos drenados é vantajosa para o equilíbrio do dióxido de carbono.

Por essa razão, em breve o amieiro (Alnus glutinosa), uma espécie típica de pântanos baixos, deverá tornar-se novamente frequente. Em comparação com a construção de depósitos tecnológicos de CO2, a restauração dos pântanos economiza, por tonelada de CO2, até 749 euros (por volta de R$ 1.818,38)

As senhoras da terra

Para os egípcios, as minhocas (Lumbricidae) eram sagradas. Aristóteles as chamou de “tripas da terra”. Darwin cantou sua importância. Com razão. Essas incansáveis criaturas perfuram o loess (limo calcário) e a argila, arejam e afofam o solo, aumentando sua capacidade de absorção de água e disponibilizando minerais e nutrientes para as plantas. O mundo dispõe de um bilhão de hectares de terras úteis para a agricultura. Embora a densidade populacional de minhocas varie conforme o tipo de solo, essas ativistas do subsolo produzem, em média, uma tonelada de terra fértil por hectare/ano. Pesquisadores neozelandeses calcularam o benefício resultante só dessa formação de humo, hectare por hectare: 2,50 euros (aproximadamente R$ 6,08)

Coleta lucrativa

Muitas espécies de fungos comestíveis crescem exclusivamente na natureza silvestre e resistem obstinadamente a qualquer tentativa de criação planificada. As dádivas da natureza não só complementam o cardápio de conhecedores que gostam de passear em florestas, mas também constituem um importante fator econômico. No famoso Mushroom trail (Trilha dos cogumelos), no noroeste da América do Norte, milhares de coletores vasculham as imensas áreas florestais que se estendem do estado de Montana até o Alasca, em busca de cogumelos morel (Morchella), para revendê-los. O comércio leste-oeste europeu ainda é enriquecido por boletos-baios (Xerocomus badius) e cogumelos porcini (Boletus), mas principalmente por cantarelos (Cantharellus cibarius). O valor de mercado anual mundial só para esta última espécie é calculado em 1,3 bilhões de euros (cerca de R$ 3,16 bilhões)

Guardiões dos peixes

Eles crescem há 60 milhões de anos como florestas em águas salgadas cálidas. Ainda existem 170.000 km2 de terras costeiras cobertos por manguezais (aqui, um broto de Rhizophora mangle): 25% dos litorais tropicais. Sua densa e emaranhada base de raízes é estação de crescimento para peixes, caranguejos, e moluscos.

Além disso, o cinturão de manguezais constitui barreiras naturais contra grandes cheias súbitas, proteção contra erosão e ainda proporciona lenha e madeira de construção para os habitantes próximos. Entretanto, mais de 30% de toda a vegetação original de mangues já foi destruído por atividades de construção, fazendas de criação de camarão e outros tipos de aquicultura, o que constitui um grande fiasco ecológico e financeiro. Na Tailândia, por exemplo, o rendimento do uso tradicional dos manguezais, em comparação com as criações de camarão, gera, por hectare 1.400 euros (aproximadamente R$ 3.406, 41)

Filigranas saneadoras

 

O caniço-de-água (Phragmites australis) costuma brotar em margens aquáticas silvestres. Ele constitui um local de nidificação e espaço vital para libélulas e aves, que se escondem entre suas canas densas e finas. E funciona como uma instalação de saneamento. O caniçal absorve nitrogênio e, assim, combate a adubação excessiva das águas. Suas raízes filtram automaticamente a água corrente suja. Além disso, os caniços ocos transportam oxigênio para a água, um pré-requisito decisivo para a decomposição de substâncias tóxicas por micro-organismos. Ecologistas calcularam, para a região intermediária do Rio Elba, na Alemanha, a economia gerada por caniçais saneadores naturais em comparação com instalações de saneamento técnicas por ano: 7,7 milhões de euros (por volta de R$ 18,73 milhões)

Só uma borboletinha?

A borboleta da espécie Glaucopsyche teleius está ameaçada. Para sobreviver, ela necessita de campinas abertas que não sejam aparadas em julho, quando ela deposita seus ovos. Mas é justamente nessa época que o feno apresenta uma boa qualidade e, por isso, a espécie está desaparecendo notavelmente das pradarias.

Será que os cidadãos estariam dispostos a fazer contribuições em um fundo, para indenizar os agricultores por períodos de corte desfavoráveis e, desse modo, ajudar a aumentar novamente a população de Glaucopsyche teleius?

Pesquisadores investigaram a “disposição fictícia de pagamento” em uma localidade no sul da Alemanha: 71% dos entrevistados estariam dispostos a assumir o encargo financeiro – com um valor médio anual de 10 euros (cerca de R$ 24,33)

Secreções valiosas

Cuidado! As viúvas-negras (aqui, Latrodectus hesperus) produzem o veneno latrotoxina, que ataca o sistema nervoso central e confunde a transmissão de sinais entre nervos e músculos. As consequências típicas de sua picada incluem fortes dores nos nódulos linfáticos e câibras. Para as vítimas isso é perigoso; para os pesquisadores, altamente interessante, pois a latrotoxina os ajuda a compreender melhor os mecanismos da reação no sistema nervoso. Os gerenciadores da Spider Pharm, no Arizona, Estados Unidos, lucram com isso: eles capturam diversas espécies de aranhas venenosas na natureza, criam- -nas e colhem regularmente seu veneno. A empresa oferece 78 produtos e 100mL de veneno congelado de viúva-negra custam US$ 999,00 (aproximadamente R$ 1.799,19)

Arquiteto paisagista

O castor-europeu (Castor fiber) estava extinto em grande parte da Europa. Os esforços de proteção não apenas ajudaram a espécie a retornar a territórios, como os rios Elba e Danúbio, mas também a se multiplicar às margens de muitos rios menores. Por meio da migração e da reintrodução na natureza de animais criados em cativeiro, a população já voltou a se equilibrar em muitas regiões. Isso teve consequências positivas: como mestres construtores, os castores derrubam arbustos e árvores às margens dos rios, para represar e desviar as águas para suas pequenas fortificações. Onde antes a água fluía por rios retilíneos, agora ressurgem paisagens de várzeas, com poças e regatos entrelaçados, o que é excelente para a biodiversidade e a riqueza aquática. Um estudo analisou quanto vale, por ano, a atividade construtora dos castores na região do Spessart, uma baixa cordilheira de montanhas no Noroeste da Baviera e Sul do Estado de Hessen, na Alemanha: 10.500 euros (cerca de R$ 25.548, 08)

É razoável querer contabilizar o valor de um pássaro

Trata-se de uma guinada radical, que um grupo de políticos e economistas promove cada vez mais decididamente em nossos dias. Durante muito tempo, para eles valia apenas a regra de que só é possível quantificar, e calcular, o que empresas e economias nacionais produzem, vendem e lucram nos mercados. O canto de um pássaro, a visão refrescante de um prado, o aroma do mar não faziam parte de seus mundos.

Na melhor das hipóteses, a natureza desempenhava um “papel” na condição de matéria-prima em processos de manufatura mecânica ou industrial, como no caso da madeira proveniente de reflorestamentos. Em geral, só se considerava o valor econômico de espécies isoladas, exploráveis; jamais se avaliava os ecossistemas que as sustentavam. E, de uma perspectiva puramente econômica, a fauna e a flora materialmente inaproveitáveis, a riqueza em particularidades e formas admiráveis da natureza, eram consideradas, no máximo, como um bem de significado sentimental. Nada mais.

Uma nova equação matemática: natureza = economia

Somente quando esse tesouro começou a escassear e desaparecer, um ou outro especialista passou a enxergar a questão sob um novo ângulo. Despertados, subitamente, pela rápida perda de muitas espécies da fauna e da flora, um número crescente de especialistas vem se perguntando se o mundo também não estaria sendo privado de sólidos valores monetários. Assim, hoje, dezenas de equipes dos chamados “economistas ecológicos” se esforçam para conferir valores à biodiversidade, e isso tanto em euros como em dólares, com meticulosa precisão.

A princípio, isso tira o sentido de um esforço global pela avaliação do que representa a perda de biodiversidade. Os US$ 50 bilhões, aproximadamente R$ 89,4 bilhões, de prejuízos pesqueiros anuais, citados no estudo do TEEB, por exemplo, são meramente um valor acadêmico, próprio para alarmar o público como um todo. Mas esse montante não aparece em nenhum balanço comercial mundial, em nenhum balanço empresarial de fim de ano, e muito menos em uma conta bancária.

Pois trata-se apenas de um valor, não de um preço. Assim, uma das principais preocupações dos ecoeconomistas é como estipular preço para bens naturais. Como fazer com que seus valores econômicos abstratos sejam incluídos como grandeza matemática concreta nos cálculos de lucros e perdas das empresas, e nos livros de contabilidade doméstica?

O problema é que a maioria dos serviços prestados pela natureza são bens públicos, que todos utilizam, mas que não pertencem a ninguém. Portanto, ninguém os comercializa e não se forma um preço. Isso frequentemente resulta na utilização inconsequente dos recursos, um fato antigo, que o biólogo Garrett Hardin sumarizou, em 1968, na fórmula Tragedy of the commons (A Tragédia dos Bens Comuns).

E essa tragédia pode ser ainda mais agravada, pois, ocasionalmente, os danos ecológicos são computados como lucros. De acordo com a matemática tradicional, até catástrofes podem embelezar os balanços econômicos nacionais, em vez de arruiná-los. O escritor americano Bill McKibben debocha dessa lógica fatal, dizendo: “O cidadão economicamente mais produtivo é um canceroso que, a caminho do escritório de seu advogado de divórcio bate o carro com perda total do veículo”. Pois a somatória dos honorários do advogado e dos custos de hospital e oficina mecânica, portanto tudo o que precisa ser investido para consertar os danos, constitui uma soma positiva no balanço do rendimento.

Exemplo perfeito disso é a catástrofe do Exxon Valdez, em 1989. Os danos que o episódio produziu, uma colossal perda de rendimentos da esfera viva, precisaram ser removidos, gerando muitos bilhões de dólares para o Produto Interno Bruto do Alasca. Quando os estoques de bacalhau da Terra Nova, no Canadá, entraram em colapso há 15 anos, por causa da inegável pesca predatória, o efeito nos livros de contabilidade foram positivos, através do vencimento dos custos sociais da ordem de 2 bilhões de euros (cerca de R$ 4,84 bilhões). E a Alemanha contabiliza os gastos com a eliminação de nitratos e pesticidas, que intoxicam o solo, os custos dos reparos de danos causados por enchentes, erosão de solo e poluição da água, anualmente da ordem de 5,1 bilhões de euros, aproximadamente R$ 12,35 bilhões, como crescimento do Produto Interno Bruto do país.

A natureza se valoriza, como uma fábrica que se renova constantemente

O fato de ninguém contrapor perdas aos aumentos calculados desse modo resulta exclusivamente da realidade de que a natureza não tem preço. Para conseguirem sair dos apertos e ainda assim estipular preços, os pesquisadores apelam para diversos truques.

Robert Costanza, por exemplo, apoiou seu megacálculo de US$ 33 trilhões, entre outros, em uma “disposição fictícia de pagamento” por parte dos consumidores. Em diversas enquetes, as pessoas indicaram que soma de dinheiro elas estariam dispostas a pagar pela conservação de uma espécie ou de um espaço vital em suas proximidades. Ou simplesmente, quanto pagariam para garantir a continuidade existencial de uma criatura na Terra mesmo que jamais avistassem a espécie citada – por exemplo, o orangotango, em liberdade.

Similarmente, pesquisas realizadas nos Estados Unidos sobre quanto dinheiro cada família gastaria para destruir duas barragens no Estado de Washington, e devolver ao salmão selvagem suas águas tradicionais e legítimas de procriação, resultaram em uma soma total de US$ 1 bilhão, cerca de R$ 1,78 bilhão, muito mais que o custo do desmantelamento das represas.

Embora o método seja criticável, ele se encaixa perfeitamente na lógica econômica. Os economistas consideram toda decisão de compra como a manifestação de uma estimativa de valor. O preço indica o quando uma dada coisa vale (monetariamente) para o comprador. Entretanto, sabe-se que o método de grandes enquetes resulta, sistematicamente, em uma disposição de pagamento muito exagerada. Em último caso, ao ponto de não restar muito da cifra obtida no final das contas.

Por essa razão, muitos ecoeconomistas se contentam com investigações mais limitadas, nas quais eles conseguem estipular preços mais exatos; por exemplo, ao calcularem os ciclos hídricos ou de nutrientes.

Esse método também deixa muitas perguntas sem respostas, mas eles tentam se livrar das preferências individuais. Os pesquisadores se concentram em quão econômica é a produtividade da natureza. Em muitos casos, ela é muito superior à do ser humano, como diversos estudos já comprovaram.

– A produtividade econômica anual de manguezais intactos na Tailândia, por exemplo, equivale a 2.100 euros,/ha cerca de R$ 5.087,75. Incluídos nesse cálculo está o fato de que manguezais são território de procriação de peixes, elementos naturais de proteção contra enchentes e facilitadores de lucros para a pescaria local. Mas quando essas áreas são derrubadas e transformadas em fazendas de criação de camarões, o lucro despenca para apenas 30%, incluindo as arrecadações feitas pela aquicultura.

– Terrenos úmidos saudáveis no Canadá geram 200 euros/ha/ano – cerca de R$ 484,54 – ao garantirem o saneamento de águas poluídas e a reciclagem de nutrientes. Mas quando essas áreas são drenadas para uma utilização intensiva para a agricultura, sua contribuição econômica também é reduzida a apenas 30%, apesar dos lucros agrícolas.

– Um hectare de floresta tropical no Camboja tem um valor econômico de 1.300 euros, cerca de R$ 3.149,56. Esse valor é calculado, entre outros, por sua contribuição para a proteção climática, seu papel como fonte de água, alimentos e lenha para habitantes locais, e seu caráter de reservatório de plantas medicinais ainda desconhecidas. A renda obtida com o extrativismo de madeira não chega a um décimo desse montante. Portanto, o desmatamento de florestas virgens reduz de forma irrisória o seu verdadeiro valor.

O significado financeiro de uma única espécie viva em liberdade na natureza é ilustrado pelo caso de uma doença virótica que, nos anos 70, por meio de ondas sucessivas, destruiu em até 25% as safras de arroz na Ásia. Já naquela época, os lavradores só plantavam um punhado de variedades altamente produtivas – todas extremamente suscetíveis à doença. Na busca por uma cepa mais resistente, os rizicultores finalmente descobriram uma linhagem imune, que cruzaram com as grandes variedades comerciais.

A variedade de arroz selvagem que ajudou a combater o vírus procedia de um único vale, na Índia, que, pouco depois, durante a construção de uma usina hidrelétrica, foi inundado.

A mudança revelou-se irreversível. Cientistas do Centro de Pesquisa Woods Hole, dos Estados Unidos, temem algo semelhante para a Floresta Amazônica, caso ela seja obrigada a sobreviver sem água durante mais de dois anos sucessivos, em consequência do acentuado desmatamento.

Experimentos de campo mostraram que, nesse caso, a floresta tropical se transformaria em deserto, porque, em um processo reverso de característica letal, ela mesma impediria a ação benéfica da água.

A massa foliar da floresta tropical contribui para a evaporação e intensifica as precipitações regionais, na floresta evaporam entre 15% e 20% mais chuvas que em áreas utilizadas para lavouras. A regra contrária é simples: sem árvores, há menos evaporação, menos chuvas e mais desertificação.

Ainda assim, apesar de todos os grandes obstáculos entre economistas clássicos e os representantes da nova Ecoeconomia, tais reconhecimentos fazem com que a “contabilidade verde” chegue paulatinamente às correntes de pensamento predominantes, por exemplo: o ecologista Paul Ehrlich, de Stanford, acredita que a avaliação errônea do capital natural feita até agora, e suas consequências catastróficas, irão dominar a Economia do século XXI.

Um grupo de pesquisa ligado ao zoólogo britânico Andrew Balmford presume que a proporção entre os custos de proteção natural e o aproveitamento seja de 1 para 100. Em outras palavras: para cada euro que investirmos hoje em um novo parque nacional, ou na reidratação de charcos, a natureza “renderá” 100 euros. Descartar rendimentos como esses, seria absurdo.

Balmford calcula que, em termos mundiais, uma área de 15% de natureza virgem funcional seja o mínimo que devemos ter para produzir os desempenhos do ecossistema global imprescindíveis ao futuro bem-estar humano. Embora atualmente 8% da superfície terrestre já estejam oficialmente sob proteção, faltam recursos financeiros para realmente manter esse status de forma consequente e racional.

Na opinião de Balmford, é necessário investir 25 bilhões de euros por ano para mudar essa situação. E, para arrecadar essa soma, já seria suficiente desviar menos de 0,05% das subvenções que ainda aquecem o consumo da fauna e da flora do planeta.

Entre elas, podem ser elencadas as estradas financiadas com dinheiro do contribuinte, gasolina aérea barateada ou prêmios para biocombustíveis, cuja produção hoje está vinculada à rápida devoração das florestas tropicais.

Comparativamente, em sua reunião de cúpula, em abril de 2009, os países do G-20 decidiram, diante do pano de fundo da crise financeira internacional, estimular a conjuntura mundial com US$ 1,1 trilhão de dólares! Com os meios da economia tradicional.

A cidade de Nova York constitui um exemplo convincente das rendas enormes que investimentos comparativamente muito menores e mais modestos podem trazer à conservação da natureza. Já na década de 1990, a metrópole se viu diante da urgente tarefa de melhorar a qualidade da água potável de seus habitantes. Uma nova estação de saneamento e preparo teria custado entre US$ 6,00 e US$ 8,00 bilhões.

Mas em vez disso, os responsáveis optaram pela “alternativa verde”. O governo municipal comprou grandes áreas de terras nos Montes Catskill, de onde provém a maior parte da água da cidade, e recompensou financeiramente alguns proprietários de terras para que adotassem um manejo ecológico. Os custos dessa alternativa: apenas US$ 1,5 bilhão.

O exemplo de Nova York constitui um primeiro “desvio” do gênero. Mas até onde os bens naturais aparecem como um fator positivo nos balanços, eles, normalmente, são depreciados, pois estão sujeitos aos mesmos processos válidos para outros investimentos de capitais. Valores e rendimentos futuros são descontados, ou taxados a menor.

Quando se trata, por exemplo, de uma área atualmente úmida, que ainda será produtiva para o saneamento de água potável e como área de criação de peixes, em 2020, os economistas calculam os rendimentos futuros, ao subtraírem para cada ano, até 2020, um percentual orientado na atual taxa de juros.

“Esse cálculo pode ser razoável quando se trata de máquinas e edifícios, cujos valores podem diminuir conforme a inflação, o desgaste ou uma modificação na tendência de demanda, e que, em algum momento, tornam-se imprestáveis”, diz o ecologista James Aronson, da organização nacional de pesquisa científica francesa CNRS. A natureza, porém, é uma “instalação” que faz sua própria manutenção e se mantém, sozinha e gratuitamente, na mais “moderna tecnologia de ponta”.

Se a “liquidação” não for interrompida, “então precisaremos de uma nova taxa de juros negativa para o valor dos ecossistemas”, explica Aronson, afinal, em vista da destruição ambiental, seus rendimentos futuros terão muito mais valor que hoje.

Outros ecoeconomistas advertem para que não se pretenda quantificar o valor da biodiversidade com excessiva exatidão matemática. Em razão dos obstáculos no caminho de uma quantificação aceita de modo geral, eles advogam um atalho pragmático, seguindo o lema: preços aproximados são melhores do que preço nenhum.

James Boyd e Spencer Banzhaf, do thinktank americano Resources for the Future (RFF), organização de pesquisa independente, sem fins lucrativos, com sede em Washington, D.C., apontam para o fato de que grandezas econômicas clássicas também não são definidas com a mais absoluta precisão. Em vez disso, se baseiam em um consenso que, na verdade, muitas vezes está tão distante da realidade que somos levados a considerá-lo como um valor objetivo.

Esses valores, dizem Boyd e Banzhaf, também deveriam ser determinados para os rendimentos de ecossistemas, e incluídos em importantes indicadores econômicos, como o Produto Social Bruto. Aos poucos e cautelosamente, essa aproximação de valores começa a tomar forma, por exemplo, quando se trata de compensar as emissões de CO2.

Entretanto, de início, o comércio de certificados de CO2, longamente discutido no âmbito do Protocolo de Kyoto, fracassou. Os países da UE, principalmente a Alemanha, concederam ou presentearam com licenças demais em vez de leiloá-las e, com isso, os maiores poluidores foram recompensados.

Em seu nível mais baixo, em dezembro de 2007, uma tonelada de CO2 chegou a ser vendida na Bolsa de Valores de Leipzig, na Alemanha, a insignificantes dois centavos de euro: um desastre. Mas para o novo período comercial, a partir de 2008, a UE reduziu a oferta de certificados.

Outra variante para recompensar a proteção da natureza são os chamados “créditos de biodiversidade”, testados atualmente nos Estados Unidos, na Austrália e na Malásia. O princípio é simples: associações ecológicas ou pessoas físicas se encarregam de cuidar de áreas valiosas. Assim, se um espaço vital para plantas e/ou animais protegidos é ameaçado em algum lugar, por exemplo, por meio de novas construções, os construtores são obrigados a comprar “créditos de biodiversidade”, ou seja, investir em áreas de compensação.

Desse modo, o foco fica concentrado na conservação e financiamento de áreas protegidas interligadas. Desde 2007, o modelo vem sendo testado, pela primeira vez, na Reserva Florestal Malua, uma área de 240.000ha de matas tropicais, em Bornéu.

Privatizem a natureza!” é a mais nova exigência de muitos comerciantes que não querem ser excluídos do boom ecoeconômico. Mas os fundadores da Economia Verde são mais cautelosos. O americano Herman Daly, ex-diretor do Banco Mundial e ganhador do Prêmio Nobel Alternativo, não é contra os direitos de posse da biodiversidade.

No entanto, ele não quer entregar a Natureza a “donos particulares”, mas depositá-la nas mãos de instituições, que fixam contratualmente cotas de utilização para essa herança da humanidade.

Já o empreendedor e autor americano Peter Barnes imagina confiar os bens comuns verdes aos cuidados de trustes próprios, como fundações são entregues a procuradores organizados. E essa redistribuição de responsabilidades ainda é insuficiente para Barnes. Para ele, até coisas impalpáveis, como um ambiente político e estável, devem fazer parte dos bens comuns, com valor financeiro determinado.

“Os bens comuns são comparáveis à matéria escura do universo econômico, eles estão em toda parte, mas não conseguimos enxergá-los”, afirma Barnes.

Diante desse pano de fundo, Barnes também considera excessivamente baixo e modesto o número encontrado por Robert Costanza, US$ 33 trilhões, como valor equivalente para todas as prestações de serviço da biosfera. O economista sugere instituir um “bônus de irreversibilidade de valor indeterminado”. Uma soma desconhecida X, que incrementaria o valor de cada ser vivo, mesmo quando se tivesse somado todos os serviços de acordo com o atual grau de conhecimento.

Com isso, mesmo de um ponto de vista puramente econômico, teria sido encontrado um motivo para reconhecer os valores estéticos e emocionais da Natureza. Ou então, entender matematicamente que um pequeno passarinho com seu canto matutino em um galho balouçante é algo de valor incalculável.

Política mundial

O ano internacional da biodiversidade

A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou o ano de 2010 como Ano Internacional da Biodiversidade. O tema vida despertar mais a consciência pública mundial, por meio de eventos internacionais, nacionais e também locais. A GEO participou do esforço na maioria dos 19 países em que a revista é publicada, com dias de atividades no mês de maio. A biodiversidade abarca a imensa variedade de espécies e espaços vitais, bem como as variantes genéticas no âmbito de espécies isoladas da fauna e da flora. A proteção internacional dessa riqueza natural do planeta foi catapultada ao topo da agenda política mundial em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – ECO-92, no Rio de Janeiro.

Com a assinatura da Convenção da Biodiversidade (CBD), no Rio, nasceu um importante processo multinacional. Na mesma época foi aprovada a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (precursora do Protocolo de Kyoto). A CBD também regulamenta o justo equilíbrio da vantagem na exploração de recursos genéticos, válida em quase todos os países, apenas Andorra, o Vaticano e os Estados Unidos não assinaram o documento até hoje. A 9ª Conferência dos Estados Signatários da CBD ocorreu em maio de 2008, em Bonn, na Alemanha. Desde então, o país detém presidência da CBD até a próxima conferência, marcada para outubro de 2010, no Japão. O Ministério do Meio Ambiente alemão apoia os dias de ação ambiental promovidos por GEO.

Tanto no âmbito da CBD, como na cúpula mundial, em Johannesburgo, África do Sul, em 2002, foi decidido reduzir decisivamente a persistente perda de espécies da diversidade biológica até o ano 2010, e elaborar meios adicionais para isso (Meta 2010). Apesar do reconhecimento oficial do problema, a destruição da biodiversidade ainda avança a um ritmo estonteante em todo o mundo. Na 10ª Conferência dos Estados Signatários da CBD, no Japão, deverá ser determinado um novo âmbito político para a proteção global da biodiversidade.

Fotos – INGO ARNDT, 41, trabalha regularmente para GEO. A obra do premiado fotógrafo reflete a biodiversidade de antropoides a borboletas.

Texto – O Dr. ANDREAS WEBER, 42, biólogo, filósofo e publicitário, se especializou no significado da natureza para o ser humano.

Fonte – Revista Geo

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