Qual a lógica do ordenamento territorial no Brasil?
Não há, ainda, um projeto nacional claro capaz de explicar isso.
E para responder esta pergunta, precisamos pensar em como compreender os processos de formação, planejamento e organização de um território.
O ordenamento (ou reordenamento) do território surge como uma estratégia do Estado para compatibilizar interesses de múltiplos atores na estruturação do espaço e na busca pela transição ecológica e climática.
O país enfrenta atualmente uma situação desafiadora.
Só na Amazônia, quase dois terços do território são terras públicas e palco de conflitos fundiários, grilagem, aumento do desmatamento e violação dos direitos territoriais e socioambientais – principalmente das populações que historicamente o ocupam.
Na Amazônia, os conflitos estão geralmente relacionados ao uso do solo.
A região possui uma frente de expansão agrícola e econômica que induz a conversão florestal, especialmente de vegetação nativa para a pastagem e áreas para agricultura.
Dados divulgados em 2021 pela CPT (Comissão Pastoral da Terra) mostram que 80% dos assassinatos no campo se concentram na Amazônia.
Esses conflitos se referem, em sua maioria, a diferentes contextos no âmbito rural que envolvem a luta pela terra, por água, por direitos e meios para garantia da subsistência, trabalho e renda.
Os conflitos por terra e os crimes ambientais não devem ser vistos como dois fatores isolados e ambos têm relação direta com as mudanças climáticas, com o desenvolvimento social e com as políticas públicas.
Só a Amazônia Legal, que representa 49% do país, possui 57,5 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas expostas ao risco de desmatamento; e 91% das emissões dos gases de efeito estufa da Amazônia estão relacionadas ao desmate de vegetação nativa, de acordo com o SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa).
O relançamento do Fundo Clima, realizado recentemente pelo governo federal, é uma ótima oportunidade para implementar o Plano de Transformação Ecológica incluso no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Mas o que esse plano tem a ver com os conflitos agrários e crimes ambientais?
Basta olhar para a história do Brasil e perceber que essas questões no país ainda patinam no problema raiz da questão fundiária.
A falta de uma reforma agrária e de uma política que organize efetivamente o território narram uma trajetória marcada por lutas pela terra.
E esses conflitos se originam de desigualdades que geram injustiças sociais e climáticas – a serem remediadas pelos planos de transição.
O país já desenvolveu políticas climáticas e ambientais que deram certo.
Um exemplo é o PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia Legal), que reduziu as emissões a partir de 2004 com as políticas de controle do desmatamento.
Sua quinta fase foi lançada em 2023, com ações para implementação até 2027.
Já se sabe que o conhecimento científico envolvido nessas políticas permite o olhar para o território em diferentes escalas, especialmente pelo avanço e uso de tecnologias espaciais.
Contudo, ainda permanece uma lacuna de informação sobre a camada social, ou seja, sobre aquilo que não aparecem nas imagens de satélite – contribuindo para a indefinição fundiária.
Essa lacuna impacta fortemente os produtores da agricultura familiar e dos povos e comunidades tradicionais, para além da questão socioambiental.
Do ponto de vista econômico, por exemplo, são geradas limitações como acesso às linhas de crédito, políticas de assistência técnica e extensão rural, programas institucionais para compras dos produtos agropecuários e da sociobiodiversidade que dependem de regularização fundiária e ambiental do imóvel rural e territórios.
Se o Brasil possui uma floresta amazônica com a maior biodiversidade do mundo e parte importante do mundo ocidental para a estabilidade do clima global, por que o país ainda não avançou em definições efetivas para o ordenamento territorial e fundiário?
Não há resposta definitiva para isso, mas parece que o processo de construção de uma Política Nacional de Ordenamento Territorial (PNOT) anda em descompasso com os principais debates das políticas territoriais do país.
Desde a Constituição Federal de 1988, o ordenamento era previsto como uma política de Estado.
Mas foi somente em 2003 que ações foram tomadas pelo Ministério da Integração Nacional por meio de uma Proposta de PNOT, que até hoje não avançou.
Infelizmente, as experiências desenvolvidas no país são ainda incipientes e talvez esta lacuna seja responsável pelas incompreensões quanto ao uso adequado da terra.
Um dos principais instrumentos de planejamento e ordenamento territorial em implementação, sobretudo na Amazônia Legal, é o ZEE (Zoneamento Ecológico-Econômico).
Essa ferramenta da PNMA (Política Nacional do Meio Ambiente) visa racionalizar a ocupação do território e orientar a tomada de decisão no planejamento do uso da terra, formulação e implementação das políticas públicas de harmonização das relações econômicas, sociais e ambientais.
O ZEE é uma política que precisa ser levada a sério, pois organiza as informações sobre onde é necessário ter mais conservação, onde há maior potencial para produção agrícola com olhar para o avanço da ciência e tecnologia, atualizando as suas diretrizes para incorporar o desafio climático.
Os padrões de desenvolvimento não são uniformes, uma vez que cada território apresenta diferentes contextos e vulnerabilidades.
Uma característica do ZEE é justamente valorizar essas particularidades, que se traduzem no estabelecimento de alternativas de uso e gestão que oportunizam as vantagens competitivas do território.
Superar o ordenamento territorial e fundiário no Brasil é o primeiro passo para garantir os direitos territoriais, reduzir os conflitos agrários e promover a inclusão social e econômica.
Ordenar o território é como arrumar a própria casa. Exige soluções técnicas, jurídicas e decisões políticas que envolvam esforços não apenas da união.
Essa é uma missão que precisa do engajamento dos estados, fortalecimento das capacidades dos municípios e das organizações da sociedade civil.
O Brasil possui um grande capital em terras públicas e traz a oportunidade para liderar o ordenamento e reconduzir o modelo de desenvolvimento do país.
Um ponto-chave nesse desafio é promover a integração das agendas de conservação ambiental e de produção, buscando equilíbrio para um desenvolvimento econômico justo e equitativo.
Essa integração deve estar à luz da promoção da inclusão social, com a redução da concentração de terras, avanço nas tecnologias de produção, redução das desigualdades regionais e valorização da diversidade cultural como parte da política de ordenamento territorial necessária para o país.
Ciência e tecnologia são fundamentalmente importantes na criação de novos usos econômicos do território.
Mas é preciso, também, investir na melhoria da governança da terra, incorporando a qualificação de técnicos e gestores públicos; e, além disso, garantir a participação efetiva da sociedade civil e do setor privado como agentes no processo de decisão e de implementação das políticas, sobretudo com a cooperação entre diferentes níveis de governo.
Para o Brasil alcançar maior eficiência em seus planos de transição ecológica e climática, a prioridade deverá ser garantir uma política de ordenamento territorial como estratégia para promover uma mudança no setor produtivo, com ações de resiliência às mudanças climáticas e combate aos conflitos de terra.
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