Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Perdas e danos
Para os países-ilhas, não há para onde correr. O custo da mudança climática causada pelas nações mais ricas é o seu desaparecimento
Quando se fala em capital natural e externalidades ambientais, a implicação em geral é de que se deve incluí-los nos preços, nos balanços, na contabilidade de empresas e países. Mas, e se o custo de externalidades como o aquecimento global for pura e simplesmente o desaparecimento de empresas e até de países da face da Terra? Assim é para países estabelecidos em pequenas ilhas e suas populações.
Não é de hoje que, a cada reunião internacional sobre mudança climática, se ouve os países-ilhas repetirem a reivindicação de que o resto do mundo leve a sério as consequências ambientais de suas atividades econômicas. Não basta incluir no balanço, dizem, há de agir para não depauperar o tal capital natural e compensar os que sofrem os piores efeitos do novo regime climático.
Súplicas de nações pequenas e pouco desenvolvidas, assim como as de cidadãos pobres, caem em ouvidos moucos. E os piores efeitos da mudança climática vão se fazendo sentir em países como Tuvalu, Maldivas, Ilhas Marshall, Kiribati.
Este último, um arquipélago localizado a meio caminho entre o Havaí e a Austrália, na região central do Oceano Pacífico, optou por uma ação mais drástica, já que controlar suas minguadas emissões de carbono de pouco adianta em face do gigantismo das emissões de Estados Unidos ou China.
O país recentemente finalizou a aquisição de 20 quilômetros quadrados na ilha de Fiji para que sua população – cerca de 100 mil pessoas – tenha para onde ir quando a situação em Kiribati, que sobrevive de agricultura e pesca, ficar insuportável.
Há estimativas de que o nível do mar nos oceanos Índico e Pacífico esteja subindo mais do que em outras partes, o que poderia deixar Kiribati e outras ilhas debaixo d’água em questão de anos. Aí o custo da externalidade ambiental passará a ter uma face bem concreta nos países ricos, com refugiados climáticos batendo à sua porta. A Organização Internacional de Migração prevê que haverá cerca de 200 milhões deles até 2050.
A batalha legal já começou. Depois de recusar o caso de um pescador de Kiribati que pediu asilo alegando sofrer “perseguição passiva” em função da mudança climática, a Nova Zelândia concedeu em junho residência a uma família da ilha de Tuvalu que, entre outros argumentos, se disse ameaçada pela mudança do clima em seu país natal.
Embora pobres, os pequenos países-ilha estão organizados para pressionar por ação quanto à mudança climática. A Aliança dos Pequenos Estados Insulares reúne 44 países que enfrentam os mesmos desafios de desenvolvimento e compartilham as preocupações quanto ao meio ambiente.
Suas populações, somadas, representam 5% da população de todo o mundo. As emissões de gases de efeito estufa, combinadas, rondam em torno de 1,5% das emissões globais e muitas ilhas têm ambiciosos compromissos de redução e metas para adoção de energias renováveis.
Sua vulnerabilidade é extrema não só diante da subida do nível do mar, mas por serem pequenos, isolados, com recursos naturais limitados, dependentes de poucos setores econômicos e de importações. Supertufões como o Haiyan, que devastou as Filipinas e outras ilhas em 2013, são um doloroso lembrete da exposição dos países-ilhas: não há para onde correr.
Não é surpresa que os países-ilhas insistam em bater na tecla da “equidade” no âmbito das negociações internacionais sobre mudança climática. Enquanto o mundo ainda discute quanto e como cortar emissões, para essas pequenas nações a questão deixou de ser o risco e passou a ser a gestão do prejuízo.
No ano passado, na COP-19, em Varsóvia, os países-ilhas conseguiram incluir na agenda das negociações um mecanismo para lidar com “perdas e danos” e oferecer ajuda aos mais vulneráveis. O novo mecanismo pode ser visto como o reconhecimento de que muitos países já passaram da fase de adaptação, mas as nações mais ricas não querem ouvir falar em atribuir responsabilidades, muito menos em compensação.
Para os países-ilha, trata-se de saber quem vai arcar com os custos da maior externalidade da história da humanidade. Por enquanto, parece que eles continuarão pagando não só do próprio bolso, mas com a própria sobrevivência.
Fonte – Flávia Pardini, Página 22 de setembro de 2014
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