Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Planeta Lixo
JMA
“A única coisa em que pensei durante a semana inteira foi no lixo. Temos tanto disso! Quero dizer, eventualmente não teremos mais onde colocar tudo isso.”
Confesso minha inquietação dizendo que ultimamente tenho pensado como a personagem interpretada por Andie MacDowell, no filme Sexo, Mentiras e Videotape, autora das frases.
No Planeta Terra, seguramente já superamos a marca de 3 bilhões de quilos de resíduos sólidos urbanos gerados todos os dias. Só no Brasil, de acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos 2007, realizado pela ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais são gerados 61,5 milhões de toneladas por ano de resíduos urbanos, dos quais somente 51,4 milhões de toneladas são coletados. Isso significa que, anualmente, cerca de 10 milhões de toneladas deixam de ser coletadas e têm destino ignorado.
Na aldeia global, o crescimento econômico é prioridade, e por isso se trabalha incessantemente. A sociedade aprendeu a consumir, e tem prazer e pressa em fazê-lo, e esse processo se intensifica por causa da necessidade do novo, da agilidade na substituição e da ânsia por estar na “crista da onda”, ou seja, privilegia-se sempre o último modelo. Vivemos isso no cotidiano, pois quem nunca se sentiu constrangido por ter um aparelho celular com um ano ou menos de uso, e que já se mostrava obsoleto, ou por tirar de sua pasta um notebook de dois anos atrás? Exemplos simples que poderíamos somar a outros tantos e que nos fariam entender melhor essa problemática, e reconhecer que, se continuarmos nesse compasso, um futuro preocupante estará à espera do planeta.
O lixo exerce grande impacto multissetorial, e não apenas de ordem ambiental como muitos pensam, pois seu alcance ultrapassa o âmbito do meio ambiente e tem reflexos diretos na saúde pública, na economia, na qualidade de vida e no bem-estar.
No Brasil, o turismo sofre por causa da precariedade da gestão e do gerenciamento dos resíduos. Cidades sujas, muitas delas sem o mínimo planejamento de coleta e destinação adequada de seus resíduos, monumentos históricos, patrimônios naturais e cartões postais degradados pela ação do lixo, além do comprometimento da beleza das orlas das nossas lindas praias, que passam a exibir um feio contraste com a presença indiferente do lixo. Impressionamos mal os nossos turistas com algo que deveria ser uma premissa básica, a de manter limpo o local para onde atraímos as pessoas.
Ainda com relação ao turismo, os prejuízos não são poucos, pois, além do aspecto relacionado com a imagem, são muitos os casos de cidades que almejam o título de Patrimônio Mundial – cidades que se propõem a promover a identificação, a proteção e a preservação do patrimônio cultural e natural em todo o mundo, e que são consideradas de valor espacial para a humanidade – como foi definido pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. As candidatas, na maioria das circunstâncias, já dispõem do mais difícil: os patrimônios culturais e naturais que as credenciam. Contudo, acabam inabilitadas por causa de problemas relacionados com os resíduos, em particular, com a presença de lixões em seu território. Para se ter uma clara idéia do tamanho da perda, basta saber que o título de Patrimônio Mundial cria uma mídia positiva mundialmente, facilita a captação de recursos de organismos internacionais, atrai investimentos privados e públicos e estimula o turismo e diversas outras atividades.
O enfrentamento sério desse conjunto de problemas relacionados com os resíduos chama à responsabilidade o Poder Público, a Iniciativa Privada e toda a Sociedade. O Congresso Nacional tem uma dívida para com o País, pois há 17 anos protela a aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que estabelecerá os fundamentos e as diretrizes para se regulamentar o tema. Em setembro passado, a discussão foi retomada quando chegou ao Congresso o Projeto de lei 1.991, de 2007 – que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos – de iniciativa do Poder Executivo e que tem à frente um profundo e experiente conhecedor do tema, o ex-deputado federal Luciano Zica, a época secretário de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente.
No Estado de São Paulo, foi aprovada em 2006 a inovadora Política Estadual de Resíduos Sólidos (Lei 12.300 de 2006), por iniciativa de um grupo de trabalho parlamentar presidido pelo então deputado estadual Arnaldo Jardim (PPS-SP) com relatoria do deputado Rodolfo Costa e Silva (PSDB-SP). Jardim, que atualmente é deputado federal, coordena, na Frente Parlamentar Ambientalista, o Grupo de Trabalho de Resíduos Sólidos, que busca a aprovação da Política Nacional de Resíduos.
O setor produtivo dá sinais positivos e parece entender que tem responsabilidade nesse processo. Por isso, passa a tomar importantes iniciativas no seu processo de produção e de análise do ciclo de vida de seus produtos. E, na ponta, preocupa-se com o descarte final. Um exemplo positivo que se pôde ver recentemente foi a Estação de Reciclagem, uma iniciativa do Wal-Mart Brasil e da Coca-Cola Brasil que se propõe a estimular a coleta seletiva, e que beneficiará diretamente cerca de 50 cooperativas, gerando renda para cerca de 2.500 catadores cooperados.
Destaque-se ainda que essa parceria tem o aval do CEMPRE – Compromisso Empresarial para Reciclagem, uma associação sem fins lucrativos dedicada à promoção da reciclagem dentro do conceito de gerenciamento integrado do lixo. Cabe ao CEMPRE diagnosticar o grau de estrutura das cooperativas e recomendar as ações necessárias, de modo a garantir a formalidade nas suas operações.
O cidadão também tem sua parcela de responsabilidade em relação ao lixo e ao seu descarte. Enquanto consumidor, ele tem grande poder para exigir que o seu fornecedor tome medidas ambientalmente responsáveis em relação aos seus resíduos. Por que consumir de um fabricante ou fornecedor que não tem nenhum compromisso com o que vai acontecer com seu produto depois de consumido? Se essa pergunta for feita antes das compras, ela determinará uma mudança de comportamento proporções consideráveis.
Não se trata de puro otimismo, mas acredito que a problemática do lixo tem dia e hora para acabar. Assim aconteceu em vários países, com destaque para a Alemanha, cuja primeira lei sobre resíduos sólidos passou a vigorar em 1972, e que hoje se apresenta como uma referência mundial no assunto.
Por ora, a Terra, já cantada e declamada como planeta água, planeta da vida e verde, é, de acordo com a ciência moderna, o único corpo planetário conhecido que possui vida sob a forma pela qual a conhecemos.
Você sabia?
José Valverde – Consultor Empresarial em Sustentabilidade da Cntur Confederação Nacional do Turismo e da empresa Sicllo Ecodesign, Especialista em Direito Ambiental PUC-SP, Membro do Comitê de Jovens Empreendedores da FIESP, Revista A TRIBUNA – edição maio/2008
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