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Plástico verde: solução ou problema?

Em entrevista à EcoAgência, ambientalista Luiz Jacques Saldanha revela a prática do greenwashing e alerta contra os perigos à saúde a partir do uso de substâncias artificiais

No dia 24 de setembro foi inaugurada, no Pólo Petroquímico de Triunfo, a primeira fábrica de “plástico verde” do mundo. O evento contou com a presença do Presidente da República, ganhou holofotes na mídia e um espaço na novela Passione, da Rede Globo. Para falar sobre o assunto convidamos o engenheiro agrônomo, advogado e ambientalista Luiz Jacques Saldanha. Ele tem sido um crítico da geração, manufatura e uso indiscriminado e onipresente de substâncias artificiais que vão dos agrotóxicos, produtos de limpeza e de cuidado pessoal aos fármacos e plásticos em nosso dia-a-dia, destacando, principalmente, seus efeitos sobre a saúde de todos os seres vivos do planeta. Confira a seguir a entrevista concedida à jornalista do NEJ-RS, Ilza Girardi.

Ilza – Jacques, o que é o “plástico verde”? Será que ele resolverá todos os problemas que os plásticos têm causado em termos de poluição do ar, da água e da terra?

Jacques – Bem, este é o mais novo engodo que o sistema nos presenteia. E é um engodo da pior espécie porque está, pela primeira vez, fazendo um dos maiores greenwashing dos últimos tempos em nosso meio, no que se refere a resinas plásticas!

I – O que o greenwashing tem a ver com esse plástico?

J – É uma expressão empregada pelos ecologistas no mundo inteiro para desmascarar estas jogadas de marketing que as grandes poluidoras mundiais têm procurado fazer com a boa vontade e a boa fé dos cidadãos planetários. Na verdade, essa é uma forma de se relacionar com um termo semelhante como o que se emprega no mundo do crime. A mídia criou a expressão “lavagem do dinheiro” quando denuncia o que os criminosos tentam fazer para “limpar” um dinheiro de sua origem ilícita. Aqui é a mesma coisa. A diferença é que o crime aqui se relaciona com a questão ambiental e a saúde pública. E nesse caso, toda essa construção deste plástico ser “verde” demonstra a mesma maracutaia.

I – Mas e por que eles não são “verdes”?

J – Nem todas as pessoas sabem que o petróleo em si é um produto natural. Muitas pessoas acham que o próprio petróleo já é um problema. Mas não. O petróleo é um bem natural e biodegradável por ser metabolizável pelos seres vivos. Apesar de ter em sua composição de petróleo bruto a presença dos cancerígenos PAHs – aromáticos policíclicos. Assim é fundamental nos darmos conta de que é esse permanente jogo da desinformação que faz com que o sistema se mantenha vivo. E tem sido esse jogo que tem levado a muitos de nós, cidadãos comuns, nos sentirmos tão desamparados e impotentes que ficamos zonzos e faz com que nas situações da vida passamos a ser contra tudo ou aceitarmos tudo. Fazemos isso por absoluta falta de chão! Assim, quando afirmamos que eles (os plásticos de cana) não são verdes é porque o produto que eles vão produzir é exatamente igual ao outro! Sem tirar nem por! Tão poluidor e problemático como quaisquer dos outros plásticos que não são “verdes”.

I – Como assim?

J – Como disse antes, o petróleo é natural e por si só é biodegradável. O problema do petróleo não está nele mesmo, está em como a indústria petroquímica tem utilizado aquilo que lhe dá condições de fornecer a essência que mais lhe interessa: o carbono. O petróleo assim como outras fontes de carbono é o grande foco da indústria petroquímica. Ou seja, ela toma o carbono dessas fontes e daí para frente é que começa o seu grande drama. Esse elemento é utilizado para gerar substâncias que nunca existiram na vida da Terra. Essa artificialização do carbono nestas moléculas sintetizadas em laboratório é que vêm causando todo o drama dos últimos sessenta anos no planeta. E vão além das resinas plásticas aos venenos agrícolas, aos detergentes sintéticos, aos fármacos e a muitos outros. E todas essas moléculas são sintetizadas nos pólos petroquímicos. Pode-se ver essa pretensão na reportagem do Estadão de 25 de setembro último. Ali o executivo da corporação afirma que querem implantar essas fábricas por vários continentes (ver link: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=36663).

I – Mas há pouco tempo, ocorreu o derramamento de petróleo no Golfo do México gerando poluição e problemas ambientais, impensáveis e incalculáveis, e que vão perdurar por muito tempo.

J – Sim, tu tens razão. Esse caso é dramático. Lembro das palavras do Lutzenberger que dizia que “poluição é a coisa certa no lugar errado”. E o petróleo do Golfo do México foi bem esse caso.

I – Mas voltando ao caso da Braskem e ao plástico “verde” …

J – Por isso é importantíssimo termos condições de entender um pouco mais tudo o que envolve o petróleo e a petroquímica. A começar por esta confusão geral em que mídia se mostra ignorante ou tendenciosa, demonstrando uma manipulação dos fatos quanto a esse “verde”. Ah! Inclusive foram tão fundo nesse processo que até alguns prédios foram pintados de verde como se vê em algumas fotos! Ficamos nos perguntando se esse pessoal não está sendo debochado ao fazer tudo isso para criar nesta fábrica a “imagem concreta” de quão “verdes” eles são.

I – E por que eles podem fazer isso com esse respaldo político, social e técnico?

J – Essa pergunta eu também me faço e vejo como nós, da sociedade civil, estamos abandonados e vulneráveis a todo esse esquema que se forma em torno daqueles que têm o poder econômico. Temos que perceber que a Braskem está fazendo muita força para se tornar uma das grandes transnacionais da petroquímica do mundo emergente. E como nossa sociedade ainda é muito vassala do poder econômico, há uma posição de subserviência muito forte nelas quando ninguém se questiona de nada. E digo isso porque se olhares as notícias sobre este evento, verás que tudo está dito sem nada ter sido escamoteado.

I – De que maneira?

J – O aspecto técnico, por exemplo. Os próprios técnicos da Braskem afirmam que essa resina vai ser exatamente igual às outras e que ela não será biodegradável. Ou seja, não trará nenhum benefício “verde” no seu uso. Terá seu comportamento, quando no ambiente, igual às outras resinas. E isso vem sendo dito e redito em vários momentos, desde a notícia do lançamento da pedra fundamental em 2009. Então sob o aspecto “ecológico”, essa tecnologia é um absurdo porque está buscando produzir um absurdo.

I – Tecnologia absurda?

J – Tu sabes que o Rio Grande do Sul não produz cana, a não ser meia dúzia de pés para as vacas para épocas de falta de pasto. O nosso estado não produz uma gota de etanol para ser escolhida aqui a feitura dessa fábrica. Mas então por que fazer por aqui? Na minha visão isso pode ser até maquiavélico. O Rio Grande ainda desfruta no país, de uma aura de um estado com preocupações ecológicas e que o seu povo seria muito exigente etc. Assim, fazer lá nos estados onde a Braskem tem seus pólos, São Paulo e Bahia, não traria tanta “credibilidade” para este plástico “verde” como aí, no berço do ecologismo no Brasil. Podes perceber que terão que ser trazidos mais ou menos 400 milhões de litros de álcool, conforme informam os técnicos, para produzir essas 200 mil toneladas de plástico “verde”. Imagina o custo energético e ambiental de se trazer essa matéria prima do Paraná, São Paulo e Minas! Isso é ecológico? Assim, fazer isso e aqui no estado demonstra o seu absurdo até porque o plástico será igual ao outro!

I – Mas onde está então o “verde” dessa tecnologia?

J – Estaria justamente nesta fonte de carbono, a cana de açúcar! E é nisso que, no discurso tecnocrático, tornaria esse plástico “verde”. E dizem, inclusive com grande alarde, de que para cada tonelada de plástico produzido nesta fábrica, ocorreria o seqüestro de, mais ou menos, umas 2,5 toneladas de carbono. Assim para nós, os cidadãos comuns e desinformados, parece que será no processo de fabricação, nesta passagem do carbono do álcool para o carbono do plástico que ocorreria o grande seqüestro desse gás de efeito estufa. Mas não! A enganação é essa. Estão falando do processo de fotossíntese da cana em que para produzir o amido, a planta utiliza o gás carbônico e que não tem nada a ver com a fabricação da resina plástica. E se fores contar o desperdício de energia para o transporte desses milhões de litros, cairiam por terra quaisquer insinuações de que esse processo tecnológico teria algo de ecológico.

I – Certo. Parece que está claro que esse processo não tem nada de ecológico e nem esse plástico seria, no mínimo, um pouquinho “erverdeado”. Mas um aspecto que sempre tens levantado inclusive está fortemente presente em teu site (www.nossofuturoroubado.com.br), é a presença dos aditivos ou plastificantes. Como será que ficariam neste processo?

J – Exatamente igual. É importante termos idéia de como a empresa quer apresentar seu produto. Como essa resina é idêntica à outra, a indústria está pretendendo inclusive colocar um selo nas embalagens para identificá-la para o consumidor final. E pasma. Eles estão inclinados a colocar coisas como essa – olha só a ironia e o deboche: “I’m green”. Assim o consumidor final pensaria que estaria consumindo algo realmente que fosse dentro dos princípios ambientais e ecológicos por ter essa expressão. Não é um absurdo!? Conseqüentemente, como ninguém fala no Brasil sobre os esses “adereços” dos aditivos – como o nonilfenol (proibido na Comunidade Européia), o ftalato, o bisfenol A (banido das mamadeiras no Canadá e em vários estados e cidades norte-americanas) dentre tantos outros – estariam completamente adequados para serem utilizados em quaisquer das resinas plásticas para que pudessem ter competitividade de mercado.

I – Levantaste um aspecto muito pouco falado e assumido no nosso país. A questão desses aditivos como o bisfenol A que nem se fala quanto mais haver qualquer discussão sobre sua nocividade. O que me dizes disso?

J – É assim como levantas. O bisfenol A hoje é o grande ícone da luta da cidadania informada e consciente na busca de eliminar esses aditivos que estão completamente escondidos no âmago dessas resinas plásticas. Isso porque nem se menciona e nem se cita na composição dos produtos. O bisfenol A, também conhecido no mundo pela sigla BPA, é o DDT do século XXI. Vale lembrar que o DDT foi identificado, nos anos sessenta, como o grande vilão dos venenos que transitavam da agricultura para nossa casa como inseticida, e que acabou permitindo que se desvelasse e se descortinasse todo o horror das moléculas sintéticas que vêm envenenando, ainda hoje, o nosso alimento de cada dia. Pois bem, o BPA também está abrindo essa porteira e parece que será através dele que se verá todo o horror que temos em nossos produtos do dia-a-dia e que estão inviabilizando a sobrevivência de todos os machos no planeta, incluindo os seres humanos.

I – Mas como disseste antes, porque tu achas que a nocividade dessas substâncias não está sendo reconhecida pelos órgãos encarregados de zelar pela saúde das pessoas no Brasil?

J – Acho que muitos são os fatores, mas alguns deles chamam a atenção. Começa com a ineficácia e a inoperância dos técnicos da Anvisa. Se existe toda essa pesquisa independente e que demonstra que esses aditivos estão comprometendo a saúde dos fetos e das crianças, por que não colocam sob suspeita todos eles como estão fazendo os países do primeiro mundo? Será que vamos continuar vivendo como temos vivido com os agrotóxicos que são banidos e proibidos em vários países do mundo e aqui continuam a ser usados livremente? Assim, só posso concluir que a visão de mundo desses técnicos tanto da saúde como do meio ambiente no Brasil, estão totalmente alinhados e comprometidos com a mesma visão dos técnicos e das direções das indústrias. Temos casos bem contundentes no Brasil com os trabalhos que a Fundação Osvaldo Cruz do Ministério da Saúde têm feito tanto sobre alguns desses aditivos como com os agrotóxicos. E aí vem a pergunta: por que os técnicos do governo federal que tratam desses temas, não “lêem”, não “ouvem”, não “conhecem” esses trabalhos dessas instituições públicas? Por que será que continuam a considerar as pesquisas, as respostas, os estudos financiados e apoiados pelas indústrias como os únicos que “poderiam” desfrutar de credibilidade? Acho que com essas minhas considerações e perguntas, a resposta está dada, não te parece?

I – Tu tens mostrado um documentário da tevê canadense de 2008 em que se mostra que esses mesmos aditivos e plastificantes que estão nas resinas plásticas das embalagens, também estão presentes nos produtos de beleza, como maquiagens, bloqueadores solares, batons e outros?

J – Sim. Existem vários sites europeus e norte-americanos que mostram a loucura que tem sido o emprego dessas moléculas em produtos como esses que mencionaste. Tenho no site que criei (www.nossofuturoroubado.com.br) uma série de artigos traduzidos daqueles sites e ONGs em que se vê as respostas científicas que mostram que essas moléculas deveriam ser eliminadas imediatamente. Não consigo entender como o dinheiro está tão acima da saúde de todas as crianças e nenês que ainda nem nasceram. Parece que só nós que estamos nesta busca, temos filhos, netos e descendentes. Parece que os “técnicos” que têm essa outra visão de mundo, sejam das indústrias ou dos organismos governamentais responsáveis pela regulamentação dessas substâncias, são os últimos seres vivos do planeta e que não têm nenhum compromisso com o futuro.

I – Eu quero que expliques mais um pouco, essas afirmativas que fizeste com relação a essas moléculas e a sobrevivência das “crianças e nenês que ainda nem nasceram” como disse antes.

J – Bem, o que vem se descobrindo, reafirmo e insisto, científica e completamente embasada, em pesquisas, testes, estudos e análises, nos últimos 20 anos, oriundos de universidades, de mestres e doutores formados nos mesmos moldes dos “técnicos” das indústrias, é a capacidade que essas moléculas, friso, artificiais têm de imitar o comportamento do hormônio feminino. E isso tem aberto uma nova percepção sobre a importância crucial de níveis, absolutamente adequados e compatíveis, de hormônios sexuais tanto do hormônio masculino testosterona como dos femininos estrogênios, na formação e na saúde dos nenês que estão sendo gestados no útero materno. Essas descobertas que agora não podem ser mais ignoradas nem negligenciadas por estarmos sem dúvida comprometendo a sobrevivência de todos os seres vivos, machos e fêmeas, neste planeta. E é só por isso que sou visceralmente contra quaisquer moléculas que sejam artificiais e por isso totalmente desconhecidas pela Vida. Estejam ou sejam elas resinas plásticas, fármacos, agrotóxicos, produtos domissanitários, cosméticos, tecidos, produtos de higiene e de limpeza, roupas, partes de utensílios como automóveis, computadores, aviões etc, etc, etc.

I – Então achas que o mundo moderno está sendo um grande erro?

J – Desta forma, sim. E essa minha percepção está fundada naquilo que acho que tem sido o nosso grande equívoco: substituir tudo o que é e era natural por tudo o que é definitivamente artificial. Mas, temos que nos dar conta que estamos num país onde dispomos de todas as moléculas naturais e que são elas que a química artificial tem tentado substituir pelas feitas em laboratórios. E dramaticamente, em vez de investirmos nossos recursos financeiros no sentido de aprimorar, adaptar e adequar essas moléculas que a Vida nos deu para sermos seus guardiões, optamos por ficar “aprimorando”, “adaptando” e “adequando” essas que estão levando à destruição da vida.

I – Por que falaste agora em investimento? Sabes como foram os investimentos dessa fábrica?

J – Sim. Isso está disponível para o conhecimento de todos. Conforme textualmente “o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Petroquímicas de Triunfo (SINDIPOLO), dos cerca de R$ 450 milhões para a construção da Planta Verde da Braskem, 70% são do BNDES que é dinheiro do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador). Dos 30% restantes, 40% é da Petrobras.” (ver link: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=36624). Acho que com esses dados mostram como se misturam os investimentos “privados” e a importância dada à saúde pública dos brasileiros. Eu espero que as pessoas, ao obterem essas informações, façam a opção sobre qual trilha elas querem seguir.

I – Novamente, agradeço em nome de outros ecojornalistas, tua contribuição por desvelares mais essa desinformação que está circulando em nosso meio.

Por Ilza Girardi – especial para a EcoAgência

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