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Por que o Brasil ainda usa carvão para produzir energia?

Por Juliana Zambelo – Colaboração para Ecoa – Ecoa UOL – 1 de setembro de 2024 – Resíduo de carvão mineral na região de Tubarão (SC) Foto: Luiz Carlos Murauskas – 11.nov.2004/Folhapress

O carvão mineral é o combustível fóssil usado há mais tempo no mundo.

Ele foi o propulsor da Revolução Industrial e tem sido importante fonte de energia para grande parte do mundo, mesmo com o aumento da exploração de petróleo.

No entanto, carvão mineral é o combustível mais poluente, chegando a ser a maior fonte de emissão de carbono (CO2) de todas as atividades humanas.

Ele é também o menos eficiente, por isso todas as previsões indicam que ele deverá ser o primeiro fóssil a ser aposentado no mundo.

Em abril deste ano, o G7 – grupo das sete maiores economias que inclui Itália, Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha, Canadá e Japão – assinou  um acordo para encerrar as atividades das termelétricas a carvão em seus territórios até 2035 como ação fundamental para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e frear as mudanças climáticas.

Apesar de trazer algumas ressalvas, o compromisso reforça o acordo firmado pelos países durante a COP28 de reduzir gradualmente o uso de combustíveis fósseis nos próximos anos e confirma que a mineração e queima desse combustível tem poucos anos de sobrevida.

O relatório Coal 2023, da AIE (Agência Internacional de Energia), mostrou que, no ano passado, houve aumento na demanda global de carvão de 1,4%, puxado pelos países asiáticos.

Mas a tendência é de queda rápida.

A China, que hoje é o maior consumidor de carvão do mundo, está substituindo essa fonte de energia por renováveis a uma velocidade significativa.

No Brasil, o cenário não é tão positivo.

O país mantém o carvão em sua matriz energética e, apesar de apelos da sociedade civil e da comunidade científica, continua cedendo à influência dessa indústria para que ele ainda seja explorado sem prazo para acabar.

Baixa produção, altas emissões…

Brasil explora carvão mineral há um século, e as maiores reservas se encontram na região Sul.

Mas o carvão brasileiro é considerado de baixa qualidade, apresenta alto teor de cinza e baixa eficiência energética – ou seja, são necessários grandes volumes para gerar uma pequena quantidade de energia.

Segundo dados do Ministério de Minas e Energia, em 2023 o carvão representou 1,2% da eletricidade produzida no país.

Mas, para gerar essa pequena parcela, as termelétricas a carvão foram responsáveis por 48,6% das emissões de GEE entre as fontes não-renováveis no setor.

Relatório do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente) com dados de 2022 mostra que quatro termelétricas a carvão estão entre as de menor eficiência energética do país, com eficiência média de 32%.

São elas Candiota III e Pampa Sul, localizadas no Rio Grande do Sul, e Jorge Lacerda I e II e Jorge Lacerda III, em Santa Catarina.

Além das emissões de gases de efeito estufa, deve-se considerar também que a mineração e a queima do carvão causam outros impactos socioambientais.

Essa indústria consome grandes volumes de água, tem alta produção de rejeitos tóxicos e cinzas e contamina rios e afluentes. Combinados, esses fatores provocam importantes prejuízos à flora, à fauna e à saúde da população local.

Por isso, especialistas defendem que manter esse setor em atividade não traz nenhum benefício ao país.

Para eles, uma produção tão baixa não contribui para a segurança energética e poderia ser facilmente substituída por fontes renováveis, e o impacto socioambiental é indiscutível.

Além disso, a manutenção desse setor tem para o país e a população um alto custo econômico.

Custo econômico do carvão

A produção de energia a partir do carvão mineral no Brasil é amparada por uma série de subsídios.

Essas garantias foram sendo estabelecidas ao longo de décadas e hoje chegam a somar quase R$ 4 bilhões por ano na CDE (Conta de Desenvolvimento Energético), repassada aos consumidores.

Hoje, os subsídios representam 16% da conta de luz dos brasileiros.

Essas vantagens têm se prolongado por conta de uma forte influência política.

Apesar das evidências científicas sobre o impacto ambiental e dos dados que apontam a baixa eficiência dessa fonte de energia, novas leis seguem incentivando a permanência da indústria.

Um exemplo dessa influência é a aprovação da Lei 14.299, em 2022, que beneficia a indústria de Santa Catarina obrigando o país a contratar energia elétrica gerada pelo Complexo Jorge Lacerda até 2040.

A Abrace, associação que representa os grandes consumidores de energia, estima que essa lei tem um custo anual para os consumidores de R$ 840 milhões.

Importância local

Para muitos, a defesa da continuidade da exploração do carvão tem como ponto central a importância para a economia local e os postos de trabalho gerados.

No Sul, o setor é responsável por cerca de 4.000 empregos diretos e até 20 mil indiretos, e diversas cidades são dependentes dessa atividade.

Uma transição energética justa implica em garantir renda e qualidade de vida para todos, inclusive para os trabalhadores ligados ao setor de combustíveis fósseis.

Mas, para especialistas, os governos já deveriam estar direcionando os esforços para a busca de novas fontes de renda, com uma agenda efetiva de transição, ao invés de continuar apostando em um setor que está rapidamente sendo descontinuado em todo o mundo.

Com investimentos, os municípios afetados seriam capazes de alavancar outras atividades e capacitar os trabalhadores para novas funções.

E com o fim dos subsídios que pesam tanto no sistema elétrico, seria possível também oferecer benefícios às famílias impactadas durante essa transição.

A promessa da captura de carbono

A indústria carbonífera brasileira tem apostado no avanço da tecnologia de captura de carbono como uma possível salvação e até investido em pesquisas para o desenvolvimento dessa solução.

Trata-se de um processo de capturar o dióxido de carbono emitido ou que já esteja no ar, comprimir e armazenar novamente, de preferência no subsolo.

Porém, essa ainda é uma tecnologia aplicada em pequena escala, que não vem se aperfeiçoando na velocidade que o mundo esperava e que não tem, até o momento, se mostrado viável, seja do ponto de vista científico ou econômico.

Nenhuma termelétrica do mundo foi capaz de implementar a captura de carbono de suas operações.

A Agência Internacional de Energia estima que seria necessário capturar ou remover da atmosfera cerca de 32 bilhões de toneladas de CO2 para manter o aumento médio de temperatura dentro da meta assumida pelos países no Acordo de Paris.

A maior usina desse tipo em atividade no mundo, localizada na Islândia, tem capacidade de retirar do ar apenas 36 mil toneladas de CO2 por ano.

Por isso, para a Agência, a indústria dos combustíveis fósseis precisa “abandonar a ilusão de que quantidades implausivelmente grandes de captura de carbono são a solução”.

Fonte: Fábio Teixeira Ferreira da Silva, doutor em planejamento energético do Laboratório Cenergia do Programa de Planejamento Energético/COPPE/UFRJ; Juliano Bueno de Araújo, diretor-presidente do Instituto Internacional Arayara e doutor em mudanças climáticas e energias renováveis

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