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Pororoca no rio Araguari não existe mais, uma triste notícia

Enquanto o Instituto Chico Mendes diz que criação de búfalos criou valas que drenaram o curso d’água e acabaram com a pororoca, a Federação de Pecuária do Amapá alega que outros fatores devem ser considerados para o fim do fenômeno natural que já atraiu gente do mundo inteiro pro norte do Brasil. 

O encontro de águas, do rio Araguari com o Oceano Atlântico perdeu o encantamento que tinha e, desde 2013, a pororoca não mais acontece.

Pororoca: fenômeno natural

A pororoca era um fenômeno natural produzido pelo encontro das correntes fluviais com a maré do oceano Atlântico. Rio e mar se confrontavam, criando uma onda que percorria mais de dez quilômetros. Gente de todo o mundo desembarcava no Amapá em busca da onda perfeita.

ICMBio e a atividade pecuária

De acordo com o ICMBio, a atividade pecuária, principalmente a criação de búfalos, criou valas e canais que drenaram o curso d’água. A Federação de Pecuária do Amapá alega que outros fatores devem ser considerados pra explicar o fim da pororoca.  Iraçu Colares, presidente da federação questiona:

Por causa da pecuária? E por que nós não incluímos também aí a questão, por exemplo, das hidrelétricas

 Profundidade do rio Araguari diminuiu muito

A partir de um determinado ponto, nenhum tipo de embarcação passa mais, por menor que seja.

A profundidade do rio, que era de cinco, seis metros, diminuiu muito.

A foz do rio, onde ele deságua e se encontra com o Oceano Atlântico, formando a pororoca, fica a 20 quilômetros de lá.

Todo esse percurso era navegável. Agora, a vegetação está começando a cercar a área.

O rio fechou de vez.

O mato está tomando conta do lugar onde antes era só água.

A chefe da Reserva do Lago Piratuba, Patricia Pinha, afirma que

É um processo difícil de reverter. Teria que ser investido muita pesquisa e recurso financeiro pra poder fechar esses canais e o rio voltar a ter força de novo. Todos os danos ambientais apurados devem ser imputados a esses criadores e, eventualmente, até mesmo ao estado, que colaborou para o dano ambiental sendo omisso”, diz o procurador do MPF Thiago Cunha.

Mas não foi apenas a criação de búfalos

O site Mongabay ouviu Valdenira Santos, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa) e professora da Universidade Federal do Amapá (Unifap). Para ela, os responsáveis pelo desvio da água foram dois igarapés.

“O Gurijuba e Urucurituba eram igarapés que foram crescendo de tamanho e profundidade a ponto de conectarem as bacias hidrográficas do Amazonas e do Araguari — até então incomunicáveis, exceto no período das cheias.”

“Os riachos foram expandidos em uma superposição de eventos dentro da combinação de acontecimentos naturais e ações antrópicas.  Alagamentos ocasionados pelas cheias dos rios Amazonas e Araguari, as grandes marés de equinócio, as fortes chuvas intensificadas pelo La Niña [fenômeno de esfriamento das águas do Oceano Pacífico] e inúmeras valas abertas por pisoteio dos búfalos e pelos próprios fazendeiros da região.”

“Tudo isso se interconecta no período das inundações e estas intervenções humanas acabam por acelerar muito o processo, principalmente nos pequenos desníveis na planície em que o escoamento da água progride ainda mais”.

A pororoca e as três hidrelétricas no rio Araguari

Esta foi outra das alterações ‘antrópicas’ que resultaram em menor vazão do Araguari. A primeira foi a Usina Hidrelétrica Coaracy Nunes, construída em 1976. Ela foi a primeira usina a produzir energia elétrica na Amazônia.

Depois veio a Ferreira Gomes, feita em 2014. Segundo o Mongabay, “a vazão praticamente parou e não conseguiu mais retirar a lama deixada pela pororoca.”

“Três anos depois, a pá de cal no leito do Araguari veio com a terceira hidrelétrica, Cachoeira Caldeirão, em 2017.”

Como resultado, as hidrelétricas somadas à criação de búfalos além de acabarem com o fenômeno da pororoca está provocando forte erosão no arquipélago do Bailique, próximo à foz do Araguari, onde vivem em torno de 13 mil pessoas a maiorias das quais explorando o açaí e a pesca artesanal.

imagem de Atafona, tragada pelo mar

Segundo o Mongabay, o que aconteceu depois disso é muito parecido com o que ocorre em Atafona, distrito de São João da Barra no litoral norte fluminense, às margens do Paraíba do Sul; ou na foz do São Francisco.

Ambos os rios têm hidrelétricas, e perderam suas matas ciliares entre outras atividades ‘antrópicas’.

Rio São Francisco e o mexilhão- dourado, imagem de canoa do rio São Francisco

“A desembocadura do Araguari estava em processo avançado de fechamento por conta de um contundente assoreamento, e a perda de vazão fez com que sua pororoca, considerada uma das maiores do mundo, passasse a entrar por um rio secundário.”

mapa com localiazação do arquipélago Bailique, Amapá
Ilustração, Mongabay.

Erosão em Bailique obriga moradores a mudarem

Do mesmo modo que mais de duas mil pessoas foram obrigadas a deixar Atafona em razão da severa erosão, muitos moradores de vilas no Bilique tiveram que fazer o mesmo.

Segundo o Mongabay, “a Escola Bosque, que é a única do Bailique com ensino médio, perdeu espaço e teve quase a metade de sua área destruída.

A escola é tida como um modelo inovador de educação na floresta, em que a natureza é base para o desenvolvimento dos conteúdos em sala de aula.

Outras duas escolas no arquipélago também correm o risco de desabar.”

Alcindo Bajo Farias, morador da Vila Progresso, ex-líder comunitário ouvido pelo site declarou:

“Se tivermos dez dias de energia por mês é muito. Os postes caem com a erosão e a empresa responsável tem poucos funcionários para reinstalar. Sem luz, não conseguimos mais guardar o peixe e o açaí na geladeira”.

Rios brasileiros, retrato do descaso

O problema do Araguari não é exceção. É regra. Assim são tratados os corpos d’água no Brasil. Até quando?

Fonte: https://brasil.mongabay.com/2020/09/bailique-por-que-estas-ilhas-na-foz-do-amazonas-estao-se-esfacelando/.

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