Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Pororoca no rio Araguari não existe mais, uma triste notícia
Enquanto o Instituto Chico Mendes diz que criação de búfalos criou valas que drenaram o curso d’água e acabaram com a pororoca, a Federação de Pecuária do Amapá alega que outros fatores devem ser considerados para o fim do fenômeno natural que já atraiu gente do mundo inteiro pro norte do Brasil.
O encontro de águas, do rio Araguari com o Oceano Atlântico perdeu o encantamento que tinha e, desde 2013, a pororoca não mais acontece.
Pororoca: fenômeno natural
A pororoca era um fenômeno natural produzido pelo encontro das correntes fluviais com a maré do oceano Atlântico. Rio e mar se confrontavam, criando uma onda que percorria mais de dez quilômetros. Gente de todo o mundo desembarcava no Amapá em busca da onda perfeita.
ICMBio e a atividade pecuária
De acordo com o ICMBio, a atividade pecuária, principalmente a criação de búfalos, criou valas e canais que drenaram o curso d’água. A Federação de Pecuária do Amapá alega que outros fatores devem ser considerados pra explicar o fim da pororoca. Iraçu Colares, presidente da federação questiona:
Por causa da pecuária? E por que nós não incluímos também aí a questão, por exemplo, das hidrelétricas
Profundidade do rio Araguari diminuiu muito
A partir de um determinado ponto, nenhum tipo de embarcação passa mais, por menor que seja.
A profundidade do rio, que era de cinco, seis metros, diminuiu muito.
A foz do rio, onde ele deságua e se encontra com o Oceano Atlântico, formando a pororoca, fica a 20 quilômetros de lá.
Todo esse percurso era navegável. Agora, a vegetação está começando a cercar a área.
O rio fechou de vez.
O mato está tomando conta do lugar onde antes era só água.
A chefe da Reserva do Lago Piratuba, Patricia Pinha, afirma que
É um processo difícil de reverter. Teria que ser investido muita pesquisa e recurso financeiro pra poder fechar esses canais e o rio voltar a ter força de novo. Todos os danos ambientais apurados devem ser imputados a esses criadores e, eventualmente, até mesmo ao estado, que colaborou para o dano ambiental sendo omisso”, diz o procurador do MPF Thiago Cunha.
Mas não foi apenas a criação de búfalos
O site Mongabay ouviu Valdenira Santos, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Estado do Amapá (Iepa) e professora da Universidade Federal do Amapá (Unifap). Para ela, os responsáveis pelo desvio da água foram dois igarapés.
“O Gurijuba e Urucurituba eram igarapés que foram crescendo de tamanho e profundidade a ponto de conectarem as bacias hidrográficas do Amazonas e do Araguari — até então incomunicáveis, exceto no período das cheias.”
“Os riachos foram expandidos em uma superposição de eventos dentro da combinação de acontecimentos naturais e ações antrópicas. Alagamentos ocasionados pelas cheias dos rios Amazonas e Araguari, as grandes marés de equinócio, as fortes chuvas intensificadas pelo La Niña [fenômeno de esfriamento das águas do Oceano Pacífico] e inúmeras valas abertas por pisoteio dos búfalos e pelos próprios fazendeiros da região.”
“Tudo isso se interconecta no período das inundações e estas intervenções humanas acabam por acelerar muito o processo, principalmente nos pequenos desníveis na planície em que o escoamento da água progride ainda mais”.
A pororoca e as três hidrelétricas no rio Araguari
Esta foi outra das alterações ‘antrópicas’ que resultaram em menor vazão do Araguari. A primeira foi a Usina Hidrelétrica Coaracy Nunes, construída em 1976. Ela foi a primeira usina a produzir energia elétrica na Amazônia.
Depois veio a Ferreira Gomes, feita em 2014. Segundo o Mongabay, “a vazão praticamente parou e não conseguiu mais retirar a lama deixada pela pororoca.”
“Três anos depois, a pá de cal no leito do Araguari veio com a terceira hidrelétrica, Cachoeira Caldeirão, em 2017.”
Como resultado, as hidrelétricas somadas à criação de búfalos além de acabarem com o fenômeno da pororoca está provocando forte erosão no arquipélago do Bailique, próximo à foz do Araguari, onde vivem em torno de 13 mil pessoas a maiorias das quais explorando o açaí e a pesca artesanal.
Segundo o Mongabay, o que aconteceu depois disso é muito parecido com o que ocorre em Atafona, distrito de São João da Barra no litoral norte fluminense, às margens do Paraíba do Sul; ou na foz do São Francisco.
Ambos os rios têm hidrelétricas, e perderam suas matas ciliares entre outras atividades ‘antrópicas’.
“A desembocadura do Araguari estava em processo avançado de fechamento por conta de um contundente assoreamento, e a perda de vazão fez com que sua pororoca, considerada uma das maiores do mundo, passasse a entrar por um rio secundário.”
Erosão em Bailique obriga moradores a mudarem
Do mesmo modo que mais de duas mil pessoas foram obrigadas a deixar Atafona em razão da severa erosão, muitos moradores de vilas no Bilique tiveram que fazer o mesmo.
Segundo o Mongabay, “a Escola Bosque, que é a única do Bailique com ensino médio, perdeu espaço e teve quase a metade de sua área destruída.
A escola é tida como um modelo inovador de educação na floresta, em que a natureza é base para o desenvolvimento dos conteúdos em sala de aula.
Outras duas escolas no arquipélago também correm o risco de desabar.”
Alcindo Bajo Farias, morador da Vila Progresso, ex-líder comunitário ouvido pelo site declarou:
“Se tivermos dez dias de energia por mês é muito. Os postes caem com a erosão e a empresa responsável tem poucos funcionários para reinstalar. Sem luz, não conseguimos mais guardar o peixe e o açaí na geladeira”.
Rios brasileiros, retrato do descaso
O problema do Araguari não é exceção. É regra. Assim são tratados os corpos d’água no Brasil. Até quando?
Fonte: https://brasil.mongabay.com/2020/09/bailique-por-que-estas-ilhas-na-foz-do-amazonas-estao-se-esfacelando/.
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