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Precisamos manter a vegetação nativa do Cerrado

Nos últimos dez anos, o Cerrado obteve as maiores taxas de desmatamento do País. © André Dib/WWF-Brasil

O bioma é fundamental para a sobrevivência de milhares de animais e plantas, e a nossa própria vida

Berço de três bacias hidrográficas que abastecem de água praticamente todo o país, a maior savana da América do Sul cobre 25% do território brasileiro e abriga 30% da biodiversidade brasileira, mas vem sofrendo com a perda de sua vegetação nativa. Nos últimos dez anos, o Cerrado obteve as maiores taxas de desmatamento do País. A cada minuto é desmatada uma área equivalente a quase dois campos de futebol (7.408 km²/ano, Prodes Cerrado, 2017). Apesar de vários alertas, esse cenário demorou a ser visto como um problema.

O desmatamento ganhou escala na década de 1970, quando a ocupação da região passou a ser incentivada pelo governo e com o desenvolvimento de tecnologias adaptadas ao contexto do Cerrado. Com muitas áreas planas, estrategicamente localizadas no coração do país e vendidas a preços atrativos, o bioma foi sendo visto como ideal para a expansão da agropecuária, rumo ao norte-nordeste do país.

O avanço sob a vegetação natural, sobretudo da pecuária e da soja, movido pela demanda crescente dessas commodities e pelas oportunidades de ganhos futuros da especulação imobiliária, continua, principalmente, no Mato Grosso e na região denominada MATOPIBA, na confluência dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

A região de MATOPIBA viu aproximadamente 2,08 milhões de hectares de Cerrado desaparecer e dar lugar à soja que obteve um crescimento de 253% entre 2000 e 2014 nesses estados, segundo o relatório “A expansão da soja no Cerrado – Caminhos para a ocupação territorial, uso do solo e produção sustentável” da Agroicone/INPUT, publicado em 2016. O documento aponta que a maior parte dessa expansão ocorreu sobre vegetação nativa, contrário do restante do Cerrado onde a maior parte da expansão ocorreu em áreas já abertas anteriormente.

Patrimônio dos brasileiros

Não faltam elementos para reconhecer a importância e a urgência de proteger o Cerrado, por outro lado, ele está em desvantagem. Sem o título de Patrimônio Nacional pela Constituição Federal, como já obtido por outros biomas do Brasil, as políticas de conservação do Cerrado são menos protetivas, permitindo que uma grande parte da vegetação remanescente ainda possa ser desmatada.

A vegetação do Cerrado é diversificada e marcada por diferentes estruturas de vegetação, como os campos naturais, formações arbustivas e com regiões de mata fechada. Por não ser composto apenas por sistemas florestais, a importância ambiental do bioma é muitas vezes negligenciada. Apesar de termos legislações de proteção de florestas desde o início do século passado, foi a partir do Código Florestal de 1965 que o termo ‘vegetação natural’ passou a ser usado. E, ainda, no novo Código Florestal, aprovado em 2012, o Cerrado continua menos protegido que outros biomas. Esta lei exige uma área de 20% a 35% de área nativa em propriedades rurais do Cerrado, enquanto a regra é de 80% para o bioma Amazônico.

Recente pesquisa do IBOPE Inteligência encomendada e divulgada pelo WWF-Brasil sobre o que o brasileiro pensa sobre as áreas protegidas e o meio ambiente mostra que, em 2018, o desmatamento e a poluição das águas continuam sendo vistos como as principais ameaças ao meio ambiente, com 27% e 26% de menções, respectivamente. Segundo a pesquisa, nove entre dez brasileiros acreditam que a natureza não está sendo protegida de forma adequada, com 91% dos entrevistados demonstrando essa percepção.

Soluções

Parte do sucesso na diminuição do desmatamento da Amazônia aconteceu graças ao sistema de monitoramento oficial do desmatamento por satélite. E a boa notícia é que em junho deste ano, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Ciência e Tecnologia/INPE lançaram uma ferramenta similar – o Prodes Cerrado. O bioma passa a ser acompanhado periodicamente, com divulgação oficial de dados do desmatamento anual.

O coordenador do programa de Agricultura e Alimentos do WWF-Brasil, Edegar Rosa, lembra que no caso da Amazônia, os dados oficiais viabilizaram que diversas organizações da sociedade civil e de empresas ligadas à produção agropecuária implantassem compromissos de não desmatamento, como o Compromisso Público da Pecuária e a Moratória de Soja. Ele defende os dados oficiais, agora disponíveis para o Cerrado, são essenciais para repensar o modelo de desenvolvimento para o Cerrado e frear o desmatamento. E há caminhos para isso.

Rosa acredita que um desses caminhos está nas mãos do mercado e a mensagem é clara: “é preciso que as empresas cujas matérias-primas vem de biomas ameaçados como o Cerrado, assim como os investidores que atuam nesses setores, adotem políticas e compromissos eficazes para eliminar o desmatamento e desvincular suas cadeias produtivas de áreas recentemente desmatadas”.

Edegar Rosa lembra, ainda, que todas as informações disponíveis hoje comprovam que podemos atender a demanda crescente por commodities (em especial carne e soja, que usam a maior área do bioma para produção) sem converter novas áreas de vegetação nativa.

“Temos um estoque de áreas de pastagens degradadas no bioma que precisam ser melhor utilizadas. Estas áreas subutilizadas, perdendo solo, contaminando rios e emitindo mais gases do efeito estufa precisam ser reabilitadas para a produção, e não seguir convertendo novas áreas desnecessariamente”, declara. “É fundamental ampliar políticas públicas como o Programa ABC (Agricultura de Baixo Carbono) e desenvolver outros incentivos para que os produtores melhorem o uso das áreas já abertas. Não precisamos de mais desmatamento para atender a demanda crescente de produção esperada da agricultura brasileira”.

Por isso, o WWF-Brasil dialoga com a sociedade, o governo e o setor privado de maneira a engajá-los no Pacto pelo desmatamento zero do Cerrado.

“O que desejo para esse 11 de setembro, Dia do Cerrado, é um compromisso claro entre todos os atores das cadeias de produção e consumo que impactam o bioma, principalmente da soja e da carne. A expansão agropecuária no Cerrado não pode continuar acontecendo a partir da destruição de ecossistemas naturais. A savana mais biodiversa do planeta, motor de um dos pilares da economia do Brasil, tem que sair da invisibilidade. Ainda há tempo de salvar o Cerrado, mas precisamos agir agora”, finaliza Edegar Rosa.

Fonte – Letícia Campos com colaboração de Maria Fernanda Lino, WWF Brasil de 11 de setembro de 2018

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