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Pressão sobre mata atlântica pode crescer com fim de verba ambiental

Por Clayton Castelani – FolhaPress 10 de agosto de 2023 – O texto da reforma, porém, reduz a autonomia dos estados na divisão do “bolo” do ICMS, que será substituído pelo IBS

Três décadas após a criação da regra que converte parte do imposto estadual em dinheiro para o caixa de prefeituras que adotam restrições ambientais a diversas atividades econômicas, os avanços na conservação de florestas proporcionados por esse mecanismo estão ameaçados diante da Reforma Tributária, já aprovada na Câmara dos Deputados.

O chamado ICMS Ecológico, implementado por quase duas dezenas de unidades federativas do Brasil, usa critérios de conservação ambiental para premiar cidades com repasses maiores do que elas teriam direito na repartição do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços.

O texto da reforma, porém, reduz a autonomia dos estados na divisão do “bolo” do ICMS, que será substituído pelo IBS, o imposto estadual sobre bens e serviços.

Técnicos da área econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmam que a retirada do espaço para estados legislarem sobre o imposto ocorreu por pressão de representantes de municípios, sem que houvesse tempo para ajustes quanto ao repasse ecológico.

O tema é visto com preocupação pela ala ambientalista do governo, que agora conta com uma possível correção de rumo no Senado, segundo André Lima, secretário de Controle do Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente.

“O ICMS Ecológico é uma das poucas medidas distributivas de recursos de tributação que caminham no rumo da sustentabilidade e o seu fim é muito preocupante, precisa ser corrigido no Senado, seja pelo restabelecimento no modelo atual ou na aprovação do que a gente chama do IBS Ecológico, que seria o destaque de 1% a 3% do valor total arrecadado para distribuição para os municípios de acordo com indicadores ambientais”, diz Lima.

A questão do repasse ambiental é especialmente sensível para municípios instalados na chamada Grande Reserva Mata Atlântica, uma área não oficial que abrange um trecho contíguo de florestas com mais 2 milhões de hectares na região da Serra do Mar entre São Paulo, Santa Catarina e Paraná.

É nessa porção do país, especificamente no Paraná e em São Paulo, onde possivelmente está melhor difundida a aplicação do ICMS Ecológico para apoiar a conservação da biodiversidade. Faltam, no entanto, estudos para mensurar os resultados nos 17 estados que adotam o mecanismo, explica Wilson Loureiro, professor de gestão ambiental da Universidade Federal do Paraná.

Engenheiro agrônomo, Loureiro coordenou a equipe técnica do governo paranaense responsável por desenvolver o repasse tributário ecológico pioneiro no país, ainda no início da década de 1990.

Inicialmente encarada com ceticismo e resistência de políticos e empresários, a compensação para que se mantenha a floresta é atualmente fundamental para a saúde financeira de diversos municípios, diz o professor.

“É um retrocesso grande [acabar com o ICMS Ecológico]. O Paraná tem 399 municípios, dos quais estimo que 50 estariam financeiramente quebrados sem esse repasse”, afirma.

Levantamento da ONG Iamuque (Instituto A Mudança que Queremos), a partir de dados oficiais, aponta que o repasse do ICMS Ecológico aos 60 municípios dentro da Grande Reserva Mata Atlântica em 2022 chegou à casa dos R$ 130 milhões.

Já considerando todo o montante distribuído a prefeituras paranaenses e paulistas, incluindo aquelas que estão fora da reserva, foram R$ 459 milhões entregues a 415 prefeituras nos dois estados.

Em municípios como Antonina (84 km de Curitiba), cujo território, no litoral norte do Paraná, conta com mais de 80% de mata atlântica preservada, esse dinheiro é fundamental para o custeio de despesas básicas, como educação e saúde.

Cerca de R$ 8 milhões entraram nos cofres da cidade no ano passado, o que representa aproximadamente 10% da arrecadação municipal anual, segundo o prefeito José Paulo Vieira Azim (PSD).

“Não temos nada contra a Reforma Tributária, mas há uma situação de enorme incerteza”, diz Azim.

“Eu não sou um ativista, sou um gestor público e vejo como justo que Antonina busque uma arrecadação maior, afinal, somos guardiões de uma enorme reserva de biodiversidade.”

Não basta ter floresta para receber o ICMS Ecológico, pois a contrapartida corresponde a indicadores específicos, como a melhora das condições do bioma. Em Antonina, por exemplo, a arrecadação ecológica é proveniente de aproximadamente 10% do território.

Essa parcela, segundo Azim, corresponde em quase sua totalidade às reservas da SPVS (Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental), organização da sociedade civil dedicada à conservação da mata atlântica.

De olho no potencial que reservas particulares possuem para melhorar a arrecadação do município, a gestão de Azim colocou em prática recentemente uma remuneração por serviços ambientais. A ideia é pagar para proprietários de terras melhorarem indicadores de conservação das suas RPPN (reservas particulares do patrimônio natural).

A questão, contudo, não é apenas de arrecadação: no caso de Antonina, por exemplo, o abastecimento de água da cidade depende de nascentes que estão em reservas particulares.

Clóvis Borges, diretor-executivo da SPVS, diz que o caso de Antonina deixa claro como o bônus tributário estimula atores políticos a preservarem a biodiversidade.

Assim, destaca, o efeito contrário, em caso de encerramento do repasse ambiental, será um aumento da pressão pela uso predatório das florestas.

“É um cenário que não pensávamos que estaríamos vivendo nos dias atuais, diante da forte pressão de parte da sociedade sobre os impactos negativos da perda de biodiversidade e das mudanças climáticas”, afirma Borges.

A reforma aprovada na Câmara em julho, e que tramita agora no Senado, extingue cinco tributos sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) e cria pelo menos três novos: a CBS (contribuição federal sobre bens e serviços), o IBS (imposto estadual sobre bens e serviços) e o Imposto Seletivo.

 

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