Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Produção alada
Empresas desenvolvem métodos de criação de insetos para polinização e combate a pragas
Ninhos da abelha nativa mamangava devem estar disponíveis nos próximos meses para venda a produtores de maracujá. Quando presente na plantação, essa abelha aumenta o número de frutos nos maracujazeiros por meio da polinização. Os insetos estão sendo produzidos ainda em escala-piloto pela empresa Florilegus, de São Paulo, que iniciou as atividades em 2013 com o objetivo de produzir e vender ninhos de mamangava da espécie do gênero Xylocopa. “Em vários países, as pessoas e os governos estão se mobilizando para aumentar a presença de polinizadores, essenciais na cadeia produtiva agrícola, que muitas vezes são afetados com o uso intensivo de inseticidas na lavoura”, explica a zootecnista Paola Marchi, fundadora da Florilegus. “O Brasil, por exemplo, é um dos maiores produtores de maracujá e a presença das abelhas de grande porte, como as mamangavas, é essencial porque as flores não polinizadas não geram frutos. Essas abelhas estão cada vez mais escassas nos cultivos e existe uma demanda crescente pelos serviços de polinização”, diz.
Os produtores poderão adquirir ninhos contendo os insetos recém-emergidos, que poderão ser liberados nos cultivos em florescimento. “A quantidade adequada por área e o tempo indicado de permanência nas plantações ainda estão sendo ajustados”, conta Paola. O que se sabe é que essa espécie frequentemente reutiliza seus ninhos antigos e, por isso, pode permanecer nas áreas cultivadas com maracujá por várias gerações. Mas para isso é necessário que haja condições adequadas para sua sobrevivência, como a existência de outras plantas das quais elas possam coletar o pólen, fonte de proteína, porque as flores de maracujá fornecem a ela apenas o néctar, que é a fonte de energia.
Para desenvolver a tecnologia de criação das mamangavas, a pesquisadora estuda aspectos reprodutivos desses insetos, como a capacidade das fêmeas em gerar descendentes. “Além disso, o armazenamento e o período de incubação de indivíduos imaturos estão sendo testados com diferentes temperaturas para prever e manipular o surgimento das mamangavas”, diz Paola. “Estamos desenvolvendo e aperfeiçoando técnicas para multiplicar os ninhos, como também seu transporte e instalação nos cultivos.”
Em outra empresa, a Promip, de Engenheiro Coelho, na Região Metropolitana de Campinas, está em desenvolvimento uma tecnologia para a criação de abelhas nativas para polinização. É uma espécie sem ferrão, conhecida como mandaguari (Scaptotrigona depilis), que vive em colônias e pode polinizar culturas como morango, tomate e café, por exemplo. “Nós começamos o projeto em 2010”, conta o sócio-fundador Marcelo Poletti. “Ele foi dividido em três etapas: avaliação em laboratório da produção em massa, estudo da compatibilidade dos insetos com os produtos químicos usados na agricultura e da eficácia no campo. Estamos na última fase e devemos começar a venda dos ninhos em 2016.”
O que a Promip já tem no mercado são três espécies de ácaros predadores (que não são insetos, mas aracnídeos como as aranhas e os carrapatos) microscópicos, usados no controle biológico de pragas. Duas das espécies, a Phytoseiulus macropilis e a Neoseiulus californicus, combatem outro tipo de ácaro, o rajado (Tetranychus urticae), que causa danos a hortaliças, frutas, flores e outras plantas cultivadas. A terceira, Stratiolaelaps scimitus, é usada no controle do fungus gnats (Bradysia matogrossensis). Mesmo com esse nome, trata-se de um inseto que se alimenta de fungos e ataca as raízes de várias culturas, principalmente durante a formação das mudas. “Produzimos cerca de 100 milhões de indivíduos por mês dessas três espécies na nossa biofábrica”, informa Poletti. “Eles são vendidos aos produtores e revendedores.”
Também estabelecida no mercado está a Bug, empresa de Piracicaba, que cria quatro espécies de pequenas vespas parasitoides, além dos hospedeiros nos quais elas são multiplicadas. Trichogramma galloi e Trichogramma pretiosum são utilizadas no controle dos ovos da broca-da-cana (Diatraea saccharalis), uma pequena mariposa que, em sua fase larval, ataca canaviais (ver Pesquisa FAPESP nº 195). “Se o nível de infestação da broca-da-cana chegar a 10% da lavoura, o prejuízo é de mais de R$ 1.000,00 por hectare”, diz Alexandre de Sene Pinto, sócio e diretor de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da empresa. A empresa cria, ainda, a Telenomus podisi, que parasita os ovos do percevejo-marrom (Euschistus heros), causador de estragos em culturas como soja, feijão e arroz. A vespinha Bracon hebetor, por sua vez, elimina as larvas de traças de produtos armazenados, como fumo e amendoim.
Todas as vespinhas são multiplicadas por meio de outras espécies de insetos, criadas na empresa especialmente para essa função. As duas do gênero Trichogramma e a B. hebetor, por exemplo, são multiplicadas em ovos e larvas da traça Anagasta kuehniella. Telenomus podisi é criada em ovos de seu hospedeiro natural, o percevejo-marrom. “A espécie Trichogramma galloi começou a ser criada em 2001, em pequena escala, mas hoje produzimos cerca de 250 milhões delas por dia, o que é suficiente para tratar 7 mil hectares de cana-de-açúcar no controle de ovos da broca”, conta Sene Pinto.
Moscas na fruta
A Moscamed, de Juazeiro (BA), uma organização social sem fins lucrativos, tem uma estratégia diferente de controle biológico de pragas. Sua biofábrica produz machos estéreis da mosca-da-fruta-do mediterrâneo (Ceratitis capitata) que são liberados nas plantações de frutas (manga, uva, goiaba, acerola, laranja), principalmente na região Nordeste, para competir com seus congêneres selvagens (ver Pesquisa FAPESP nº 133). O presidente da Moscamed, Jair Fernandes Virgínio, explica que a criação é feita a partir da variedade Vienna 8, desenvolvida pela Agência Internacional de Energia Atômica, que, ao contrário das linhagens selvagens, tem pupas de machos e fêmeas de cores diferentes. Assim, é possível saber nessa fase o sexo do inseto que emergirá.
A empresa se aproveita disso para eliminar as fêmeas ainda na fase de ovo com tratamento hidrotérmico. A água a 34°C mata todos os ovos com fêmeas, sobrando apenas os machos, que depois são esterilizados com radiação (raios X ou gama) e soltos na natureza. Antes é feito um monitoramento para estimar o número de moscas existentes no local. “Liberamos de um a nove machos estéreis para cada selvagem”, explica Virgínio. “Eles vão competir pelas fêmeas. Depois que um macho estéril copula com uma delas, elas vão colocar seus ovos nas frutas que não geram descendentes. Com o tempo e a liberação contínua de machos estéreis, a população das moscas se reduz até um nível em que não causa danos econômicos.”
Princípio semelhante será testado pela Embrapa Uva e Vinho, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em Bento Gonçalves (RS), mas para outra espécie de mosca-da-fruta, a sul-americana (Anastrepha fraterculus), que danifica frutas cultivadas na região, principalmente maçã e pêssego. A diferença é que serão esterilizados machos e fêmeas, porque nesse inseto não é possível determinar o gênero na fase de pupa. Por isso, no início dos experimentos de soltura poderão ser observados alguns danos externos em frutos. Mesmo com ovos inférteis, elas continuam a fazer a postura. A proposta é que, com as liberações dos insetos estéreis, as populações da mosca sejam reduzidas.
Segundo o pesquisador Adalécio Kovaleski, da área de entomologia da Embrapa Uva e Vinho, as pupas serão produzidas na Estação Experimental de Fruticultura de Clima Temperado (EFCT) da unidade, em Vacaria (RS), e levadas semanalmente para o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba, onde serão expostas à radiação para serem esterilizadas. “De volta ao Rio Grande do Sul, as moscas adultas estéreis serão liberadas em áreas experimentais, com tamanhos que variam de 50 a 100 hectares”, diz. “Paralelamente, no mesmo projeto, vamos testar o controle biológico, usando a vespinha Diachasmimorpha longicaudata, que se alimenta da larva da mosca-da-fruta-sul-americana. Essas vespinhas serão liberadas em áreas com presença de frutas nativas.”
As empresas produtoras de insetos estão surgindo porque o uso deles na lavoura reduz ou elimina a necessidade de aplicação de produtos químicos como inseticidas. “No sul do país, a traça do fumo é responsável pela perda de até 10% do produto armazenado, além de levar o pequeno agricultor a aplicar inseticidas em ambientes frequentados por ele e sua família, causando intoxicações”, diz Kovaleski. Ainda no Rio Grande do Sul, ele informa que, apenas na cultura da maçã, a mosca-da-fruta-sul-americana causa perdas anuais de cerca de R$ 30 milhões, custo da aplicação dos inseticidas e dos danos na colheita, o que representa 2% da produção. Quanto aos polinizadores, os prejuízos são causados por sua ausência. “A falta deles numa plantação pode causar uma queda da produtividade de até 40%”, diz Poletti, da Promip.
Projetos
1. Criação de abelhas solitárias da espécie Xylocopa frontalis (Olivier) em ambiente protegido e em escala comercial para sua utilização na polinização de maracujá e outras culturas de interesse econômico (nº 2013/50035-5); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisadora responsável Paola Marchi Cabral (Florilegus); Investimento R$ 91.246,97.
2. Criação massal e comercialização dos parasitoides de ovos Trissolcus basalis e Telenomus podisi para o controle de percevejos da soja (nº 2005/60732-9); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Alexandre de Sene Pinto (Bug); Investimento R$ 419.460,00.
3. Criação massal e comercialização de Trichogramma Spp e Cotesia Flavipes para o controle de pragas agrícolas (nº 2004/13825-9); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Alexandre de Sene Pinto (Bug); Investimento R$ 474.041,00.
4. Produção massal de colônias de abelhas sem ferrão e uso comercial para a polinização agrícola (nº 2012/51112-0); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Cristiano Menezes (Promip); Investimento R$ 627.224,03 e US$ 3.913,46.
Fonte – Evanildo da Silveira, FAPESP de outubro de 2015
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