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Projeto que libera cultivo de cana-de-açúcar afeta meio ambiente

Baseado na monocultura, cultivo de cana-de-açúcar é considerado agressivo ao meio ambiente; poluição hídrica está entre os danos. Foto: Elza Fiúza/Agência BrasilBaseado na monocultura, cultivo de cana-de-açúcar é considerado agressivo ao meio ambiente; poluição hídrica está entre os danos. Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

Especialistas apontam ainda risco de aumento de conflitos por terra e impacto econômico negativo para o país

O Projeto de Lei do Senado (PLS) 626/2011, que está na pauta de votações do plenário da Casa, vem causando grande preocupação a ambientalistas e entidades de defesa do meio ambiente. De autoria do senador tucano Flexa Ribeiro (PA), o PLS propõe a liberação do cultivo da cana-de-açúcar no bioma amazônico.

A região teve limites definidos para o plantio em 2009, quando foi editado um decreto de zoneamento agroecológico. Dezenas de entidades da sociedade civil organizada soltaram um manifesto esta semana em repúdio ao PLS. Elas apontam que a alteração tende a impulsionar o processo de desmatamento na região, que, segundo o Greenpeace, perde cerca de 6 mil km² de área ao ano.

“A Amazônia está sendo devorada. Isso dá 600 mil campos de futebol por ano. É um número abissal”, afirma o coordenador de Políticas Públicas da ONG, Márcio Astrini.

O engenheiro florestal João Dagoberto, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), destaca que a plantação de cana é bastante agressiva ao meio ambiente. Baseada especialmente na monocultura, prática comum em latifúndios, ela traz impactos diversos.

“Ela tem um sistema de manejo e de cultivo extremamente pesado à base de adubação pesada, com muito herbicida. É altamente impactante pros recursos hídricos, pra biodiversidade e pros processos ecológicos de maneira geral”, explica.

Economia

O projeto também tende a trazer impactos econômicos para o país. Márcio Astrini aponta que a medida retrocede na política brasileira de biocombustíveis, que virou referência no mundo pela produção sustentável de etanol.

A expansão da cana na Amazônia tende a gerar novos conflitos agrários e sociais, sujando a imagem do Brasil no comércio exterior, o que dificultaria a venda do etanol brasileiro. O país produz 20% da cana mundial e responde por 40% das exportações do produto, segundo dados da União da Indústria de Cana-de-açúcar (Única).

Um dos concorrentes do produto brasileiro é o etanol de milho produzido nos Estados Unidos, que poderia ser beneficiado com a mudança.

“Eles vão comemorar muito a possibilidade de manchar a imagem do etanol brasileiro. Isso incapacita o produto brasileiro de concorrer lá fora, num mundo que está discutindo mudanças climáticas”, destaca Astrini.

Por conta disso, o PLS 626/2011 encontra resistência até mesmo dentro da Única, que, nessa quarta-feira (28), manifestou-se publicamente sobre o assunto pedindo a reprovação do projeto. O Fórum Nacional Sucroenergético, que reúne entidades do setor canavieiro, também publicou nota contra a medida.

Segundo dados da entidade, o país produz 28 bilhões de etanol ao ano, 38 milhões de toneladas de açúcar e 21 TW/h (terawhat-hora) de bioeletricidade.

Impacto social

Do ponto de vista social, o impacto pode ser ainda mais alarmante. A Amazônia legal é uma das regiões mais violentas do país em termos de disputa territorial.

Segundo dados divulgados no ano passado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2016 a região respondeu por 79% dos assassinatos por conflitos no campo no país. Foram, ao todo, 61 mortes.

A militante Ayala Ferreira, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destaca que a expansão do cultivo da cana tende a atingir diretamente a vida de camponeses, quilombolas, indígenas, povos das florestas e das águas na região amazônica. Ela acrescenta que são comunidades que vivem do cultivo sustentável da terra para suprir as suas próprias necessidades e as das cidades.

“O capital não tem essa noção de pensar o respeito e a sustentabilidade do território que ele vai buscar. É uma busca desenfreada, cada vez mais expansiva e mais intensiva, pra continuar obtendo lucros”, critica.

O PLS 626/2011 estava com a tramitação parada no Senado, até que, nas últimas semanas, os parlamentares aprovaram o regime de urgência da matéria para votação no plenário da Casa, o que pode ocorrer na próxima semana.

Autor

Brasil de Fato tentou contato com a assessoria do senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), mas as ligações não foram atendidas. Em declarações dadas à imprensa esta semana, o parlamentar disse que o projeto libera o cultivo da cana somente em áreas já degradadas. Ele argumentou ainda que a medida ajudaria a gerar emprego e renda na região amazônica por conta da expansão do plantio.

Ribeiro é membro da bancada ruralista e ingressou na Casa em 2005. Um ano antes, foi preso juntamente com outras 27 pessoas numa operação da Polícia Federal que apurava fraudes em licitações no Pará. Ele negou as acusações e foi solto pela Justiça logo na sequência.

Entre outras coisas, ele apresentou, em 2005, um projeto de lei que alterava o Código Florestal e foi bastante criticado por setores ambientalistas. Três anos depois, causou polêmica no Congresso ao defender a empresa Pagrisa, produtora paraense de cana e etanol acusada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) de manter mais de 1 mil trabalhadores em condições análogas à escravidão.

Engenheiro civil de formação, Flexa Ribeiro é próximo dos setores econômicos da área e, na década de 1990, chegou a presidir o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Pará e ainda a Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa).

No ano passado, o senador votou a favor da reforma trabalhista, que precariza as relações de trabalho ao suprimir os avanços da CLT,  e votou também contra a cassação do senador tucano Aécio Neves, acusado de quebra de decoro parlamentar.

Fonte – Cristiane Sampaio, edição Juca Guimarães, Brasil de Fato de 30 de Março de 2018

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