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Projetos de captura e armazenamento de carbono começam a ganhar corpo no Brasil
Por Ilana Cardial – Reset I ESG – 26 de junho de 2023 – Com marco legal proposto por presidente da Petrobras, indústrias começam a se movimentar no país
Para manter o aumento da temperatura global em 1,5ºC até o fim do século, a humanidade vai precisar remover gás carbônico da atmosfera, segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) da ONU.
Parte dessa remoção pode vir de fontes naturais — por meio, por exemplo, do reflorestamento —, mas cada vez mais as empresas apostam também em técnicas industriais que retirem CO2 do ar e o armazenem abaixo do solo.
O assunto está começando a ganhar corpo no Brasil, com algumas iniciativas pontuais e um projeto de lei tramitando no Senado para regular a atividade no Brasil.
Quem encabeça a discussão é a Petrobras.
A estatal, assim como outras petroleiras mundo afora, já captura o CO2 emitido durante a produção de petróleo e o reinjeta nos poços — nesse caso, para aumentar a produção de petróleo.
Agora, a estatal estuda lançar um serviço de captura e armazenamento definitivo (o chamado CCS, na sigla em inglês) para outras empresas.
O hub piloto deve ser instalado no terminal de Cabiúnas, no Rio de Janeiro, com capacidade de capturar 100 mil toneladas de CO2 (tCO2) por ano.
Segundo levantamento da CCS Brasil, além da estatal, há outros dois projetos em curso no país.
A FS Energia, produtora de etanol a partir da fermentação do milho, está investindo US$ 65 milhões, para lançar uma unidade com expectativa de entrada comercial no fim de 2024.
O terceiro e último projeto brasileiro é de caráter de pesquisa e desenvolvimento e busca aperfeiçoar os sistemas de captura de CO2 em termelétricas a gás natural. Entre as responsáveis, estão a Eneva e a Sociedade de Assistência aos Trabalhadores do Carvão (SATC).
Como funciona?
Capturar o carbono, de modo simplista, seria como colocar filtros nas chaminés das fábricas e unidades de produção e que é possível capturar o CO2 durante o processo produtivo. Esse gás pode ser reinjetado em poços de petróleo já explorados, aquíferos salinos ou camadas de carvão em que a mineração não é economicamente viável, por exemplo.
“Nas indústrias que chamamos de hard-to-abate, ainda não é possível fazer uma rápida troca de fonte de combustível, seja porque é muito caro, ou porque não é viável tecnicamente”, diz Isabela Morbach, fundadora e CEO da CCS Brasil, organização que busca conectar diferentes players para fomentar o setor.
Nesses casos, o armazenamento de CO2 é uma opção para auxiliar na descarbonização.
Em indústrias intensivas em emissões, como a petroquímica ou de cimentos, a fumaça escura decorrente do processo ainda precisa ser filtrada para separar o gás poluente.
Na produção de etanol, a fermentação alcoólica resulta em um CO2 quase puro, o que diminui os custos do processo. E é por isso que é neste setor que está um dos grandes potenciais para o CCS no Brasil, explica Morbach.
Mas para que a atividade ganhe escala no país, há três principais obstáculos, de acordo com a especialista. O primeiro deles, é o custo. A estimativa é que a tonelada de CO2 capturada custe entre US$ 70 e US$ 100.
O segundo é a falta de políticas de incentivos para fomentar o desenvolvimento do CCS, ao contrário de jurisdições como os Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido que vem investindo na atividade.
E o terceiro é a ausência de uma regulamentação, o que traz insegurança jurídica, principalmente na etapa de armazenamento geológico do CO2.
Marco legal
Um projeto de lei que tramita no Senado visa resolver essa última questão. Proposto no ano passado pelo então senador Jean Paul Prates, atual presidente da Petrobras, o PL 1.425 já passou pela Comissão de Infraestrutura (CI) e agora segue para a Comissão de Meio Ambiente (CMA). A principal questão são as regras que regem o armazenamento de CO2.
“Salvo a técnica de extração avançada feita dentro de um contrato de concessão de petróleo, a gente não pode injetar CO2 em áreas que são bens da União. Por isso o Marco Legal é tão importante”, diz Morbach, pesquisadora que ajudou na redação do projeto de lei.
Por conta do entendimento de que a CCS é uma atividade econômica, são necessárias diretrizes sobre como e quem pode explorar esses reservatórios geológicos.
Para as indústrias intensivas em carbono, em que o CO2 é retirado em um local e armazenado em outro, o transporte do gás também precisa ser considerado e precificado.
Capturar CO2 para gerar mais CO2?
Apesar das siglas pouco conhecidas e do ar de novidade, a captura de CO2 tem origem na técnica adotada por petroleiras há algumas décadas, que consiste em injetar um fluido próximo a um poço já explorado de óleo e gás, no qual a pressão natural já não permite a melhor eficiência.
Antes, isso era feito com vapor d’água e, agora, o uso de CO2 vem crescendo.
Com uma finalidade carimbada para o gás carbônico, essas atividades são apelidadas de captura com utilização do carbono (CCUS, na sigla em inglês).
A Petrobras tem um dos maiores projetos de CCUS no mundo e reinjetou 10,6 milhões tCO2 nos campos de pré-sal no ano passado, 25% do total mundial, segundo o Global CCS Institute.
Até agora, foram reinjetados 40,8 milhões tCO2 nos reservatórios do pré-sal desde 2008, de acordo com a companhia, e a meta é acumular 80 milhões tCO2 reinjetados até 2025.
Na prática, isso significa capturar CO2 para produzir mais petróleo que, na queima, gera mais CO2.
Invariavelmente, “uma parte significativa” do CO2 injetado fica armazenado para sempre, diz Morbach, mas o controle e monitoramento é sensível e o modelo para fazer o cálculo entre quanto do gás entra e sai ainda está em estudo.
“É verdade que mais petróleo é produzido e contra fatos não há argumentos. O que é preciso entender é que esse petróleo seria extraído com ou sem injeção de CO2. E quanto mais CO2 eu injeto, menor a pegada de carbono [por barril]”.
O problema apontado por ambientalistas nesse âmbito é atrelar a prática a metas de sustentabilidade.
Na própria Petrobras, por exemplo, a meta de reinjeção de CO2 é um dos destaques dos “compromissos com o clima” da empresa e um dos pontos-chave para a produção de barris com 40% menos emissões que a média mundial.
O foco recai sobre os escopos 1 e 2 — sobre processo de produção e energia utilizada — enquanto parte avassaladora das emissões da estatal fica no escopo 3, de emissões indiretas, quando os derivados de petróleo são queimados.
Para Nicole Oliveira, diretora executiva do Instituto Arayara, organização latinoamericana pela transição energética justa, o problema é que “todo o plano de descarbonização e toda a justificativa de emissões” têm sido baseados no CCUS.
“É um contrassenso você usar uma tecnologia [que serviria] para reduzir emissões para emitir mais. Então nos preocupa muito mesmo, do ponto de vista climático, essa expansão [de exploração de petroleiras] com uma solução que é falsa, que é baseada numa solução que não é solução”, diz.
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