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Quais dificuldades hortas urbanas têm enfrentado para serem implementadas no Brasil

Horta em calçada do bairro Cristo Rei, em Curitiba, foi notificada pela prefeitura. Foto:: horta comunitária de calçada Cristo Rei/Reprodução

Hortas comunitárias instaladas em terrenos ociosos, praças e outros espaços lidam com burocracia e incômodo de parte da vizinhança

No início de junho, uma horta comunitária instalada em parte da calçada da Rua Roberto Cichon, no bairro Cristo Rei, em Curitiba, foi notificada pela prefeitura da cidade para que fosse removida.

A solicitação de remoção se baseia em um decreto municipal, que só permite o plantio de grama no local. O processo aberto pela prefeitura, consultado pelo Nexo, fala em “desobstruir o passeio”.

A “Horta Comunitária de Calçada Cristo Rei” foi criada por moradores em novembro de 2016 e, segundo o portal G1, envolve mais de 100 pessoas em sua manutenção. Elas cultivam alimentos e ervas, privilegiando as “pancs”, plantas alimentícias não convencionais.

Impedimentos vindos do poder público já foram enfrentados na implementação de hortas em outras cidades. Em 2014, moradores do bairro City Lapa, em São Paulo, fizeram uma tentativa semelhante, limpando um canteiro público e criando uma horta no lugar.

No ano seguinte, veio a exigência de que a administração do local, que é coletiva, fosse formalizada na prefeitura sob o nome de um só responsável. A burocracia e o desagrado de outros habitantes do bairro em relação ao uso do espaço colocaram sua continuidade em risco.

Flor no asfalto

Os termos horta urbana, agricultura urbana e horta comunitária entraram mais firmemente no léxico das cidades brasileiras nos últimos cinco anos.

O cultivo orgânico de alimentos — como hortaliças e ervas — e outras plantas nas cidades busca reaproximar moradores das metrópoles do plantio, promover a alimentação saudável e também intervir no espaço urbano, transformando áreas ociosas.

O movimento é antigo e internacional. Em 1973, a artista e ativista americana Liz Christy criou um jardim comunitário em um terreno abandonado no Lower East Side, bairro de Nova York que havia sofrido com a debandada da classe média para os subúrbios. O jardim deu origem ao movimento “guerrilha verde”, em atividade até hoje.

Como e por que manter uma horta urbana

Os benefícios da implementação de hortas nas cidades são defendidos por ativistas, urbanistas e organizações internacionais. Esses benefícios envolvem, para a cidade, impactos ecológicos e um novo uso para espaços ociosos, e, para as pessoas, impactos sociais e nutricionais, ao incluir na rotina alimentar itens plantados e colhidos por elas próprias. Além disso, dependendo do volume da produção que a horta atingir, ela pode descomprimir os gastos com alimentação das famílias envolvidas.

O manual Hortas Urbanas, lançado em 2016, pelo Instituto Pólis, fornece um passo a passo para quem quer dar início a uma horta na cidade. A cartilha se divide em:

Organizar o grupo interessado em trabalhar na horta;

Encontrar um local: as áreas podem ser canteiros de praças, áreas comuns em condomínios, terrenos baldios ou ociosos (nesses casos é necessário verificar o histórico de ocupação do terreno), quintais coletivos, espaços cedidos pelo poder público, ou outros. Deve-se levar em consideração se a área é exposta ao sol durante pelo menos 4 a 6 horas diárias; se há água para irrigação; se há muita proximidade de árvores, para evitar a competição por nutrientes do solo e o sombreamento; se a área está sujeita a alagamento e se há ventilação;

Escolher as espécies e plantar. O manual dá dicas de quais espécies são mais adequadas para climas quentes ou para o período de inverno. Também indica todos os elementos necessários para iniciar a horta, de utensílios e ferramentas a insumos;

Planejar uma rotação de culturas para não esgotar o solo.

Informações sobre controle de pragas e doenças, preparo de biofertilizantes, adubação e plantio em pequenos espaços, como o canteiro da calçada em Curitiba, também estão presentes no manual.

A situação das hortas ‘embargadas’

Em entrevista ao Nexo, responsáveis pela horta curitibana dizem que há “falta de critério” na argumentação da prefeitura, uma vez que o plantio se dá na calçada, sem obstruir o passeio.

“O decreto que a prefeitura cita para afirmar que a nossa horta está infringindo a legislação está sendo usado de modo enviesado. Esse decreto trata de construções e reconstruções de passeios. E aqui não tem nada a ver com construção e reconstrução… Houve meramente uma intervenção paisagística na anterior área de grama, [que na verdade era] mato e lixo”, diz o coletivo de moradores que cuida da horta.

Apesar do processo aberto pela prefeitura ainda não ter conclusão, a horta continua. E foi inclusive ampliada: antes do conflito, possuía 40 metros quadrados. Foi ampliada para 90m2, passando a existir não só na calçada que fica em frente ao terreno que foi objeto da notificação, como na do terreno vizinho, um comércio. Segundo os hortelões, ela conta com a autorização dos proprietários para existir.

A horta da Lapa, em São Paulo, também continua sendo mantida pelos moradores e não enfrentou mais reclamações. Lá também são plantadas ervas e pancs. “Eu vou lá quase todos os dias tirar mato, lixo etc e às vezes decidimos fazer mutirão. A horta é aberta e quem quiser pode colher ervas como manjericão e outros”, diz Neide Rigo, nutricionista, moradora do bairro e uma das criadoras do espaço.

Para Rigo, o maior obstáculo à manutenção de uma horta urbana hoje é “o pensamento de políticos e algumas pessoas que veem qualquer verde ou terra exposta com algo sujo e maléfico”, disse ao Nexo. “É incrível como a reunião de pessoas felizes nos espaços públicos ainda incomoda”.

Fonte – Juliana Domingos de Lima, Nexo de 03 de julho de 2017

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