Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Quando os plásticos das coleções de museus degrada
Os guardiões da roupa espacial de Neil Armstrong no Museu Nacional do Ar e do Espaço já haviam previsto o fenômeno. Uma maravilha da engenharia humana, o traje é feito de 21 camadas de vários plásticos: nylon, neoprene, Mylar, Dacron, Kapton e Teflon.
A emborrachada de neoprene seria o maior problema. Os responsáveis pela roupa sabiam que o material, embora invisível, enterrado entre as outras faixas, endureceria e se tornaria frágil com a idade, acabando por deixar a vestimenta dura como uma tábua. Assim, em janeiro de 2006, o traje de Armstrong, um tesouro nacional, foi retirado da exposição e guardado para abrandar a degradação.
Das estimadas 8,3 bilhões de toneladas métricas de plástico produzidas até hoje, cerca de 60 por cento estão boiando nos oceanos ou empilhados em aterros sanitários. A maioria quer que o plástico desapareça, mas nos museus, onde os objetos são feitos para durar para sempre, eles falham no teste do tempo.
“É devastador”, disse Malcolm Collum, chefe de conservação do museu. A deterioração da roupa de Armstrong foi detida a tempo, mas em outros trajes espaciais, que são peças da história dos astronautas, o neoprene se tornou tão frágil que se desfez por entre as camadas, e o barulho que faz lá dentro é um lembrete brutal da falha material.
Nem a arte é poupada, como Georgina Rayner, cientista da conservação dos Museus de Arte de Harvard, mostrou na reunião nacional da Sociedade Química Americana em Boston este mês.
A obra de Claes Oldenburg, “Seleção de Alimentos Falsos”, uma caixa de madeira contendo modelos de plástico de alimentos como ovos e bacon, uma banana e um biscoito de aveia, agora parece estar apodrecendo. As claras de ovo estão amarelando, enquanto que a banana murchou por completo.
Nos museus, o problema está se tornando mais aparente, disse Rayner em uma entrevista. “Os plásticos estão chegando ao fim da vida agora”.
Desafios para os conservadores
De todos os materiais, os plásticos estão provando ser um dos mais complicados em termos de conservação. “Eu acho que são muito frustrantes. Devido à imprevisibilidade do material e à enorme variação das formas de deterioração, a coisa é completamente diferente”, disse Collum.
“Em comparação com outros materiais, temos uma história muito curta na compreensão de quanto tempo eles duram”, disse Hugh Shockey, conservador do Museu de Arte de St. Louis.
Metal, pedra, cerâmica e papel sobreviveram milhares de anos, enquanto os plásticos existem há um pouco mais de 150 anos. Porém, nesse curto espaço de tempo, acabaram sendo um material muito usado, e aparecem cada vez mais na arte e em artefatos selecionados para preservação.
Uma visita a vários museus do Smithsonian deixa isso bem claro. Há a arte, naturalmente: pinturas acrílicas, uma lente parabólica de poliéster com uma superfície que lembra um espelho, uma escultura da fibra de vidro de uma mulher de meia-idade pronta para devorar uma banana split.
Há os triunfos da engenhosidade humana: o primeiro coração artificial, álbuns de Ella Fitzgerald, o computador Apple I, um dispositivo de marcação que ajudou os pesquisadores a acompanhar e salvar baleias ameaçadas.
E há os objetos mundanos, a documentação da vida humana: um abridor de lata elétrico, um telefone de disco cor-de-rosa, Tupperware, tampas de copos de café, tudo com designs diferentes.
“Você tem esses objetos em qualquer coleção de museu, especialmente os históricos, que nos remetem a uma época específica, mas a retenção desses momentos em termos materiais é complicada”, disse Odile Madden, cientista da conservação de plásticos no Instituto de Conservação Getty, em Los Angeles.
Madden lidera um pequeno grupo de cientistas na Iniciativa de Pesquisa de Arte Moderna e Contemporânea do instituto, ou ModCon, que está trabalhando para ajudar o plástico a viver para sempre.
Determinando a fonte
A primeira etapa dos especialistas em conservação e outros é determinar simplesmente o que é o plástico.
“Usamos essa palavra como um monólito quando, na verdade, há centenas, milhares, de coisas diferentes”, disse Gregory Bailey, conservador do Museu Smithsonian de Arte Americana.
“Plástico” simplesmente se refere a algo moldável. Frequentemente, são misturas de polímeros – moléculas grandes de cadeia longa – e aditivos de moléculas pequenas. Os primeiros foram feitos de polímeros naturais modificados, como a celulose, mas a maioria hoje é baseada nos sintéticos, que duram muito mais tempo.
Os aditivos podem ser plastificantes, que melhoram a flexibilidade, ou enchimentos, que fortalecem a matéria.
“Há chupetas, pigmentos e às vezes até glitter. Você acaba com um número enorme de possibilidades de transformação de um composto plástico”, disse Madden.
A vista do Instituto Getty, no alto de uma colina, se estende até o Oceano Pacífico em um dia claro; uma tarde, a conservadora Anna Lagana vasculhava um recipiente de objetos plásticos, alguns desbotados, outros despedaçados.
Os objetos pertenciam a uma coleção de referência doada para promover a pesquisa de conservação do plástico no instituto. “Este é o drama”, disse ela.
Ela escolheu uma escova de dente partida ao meio. Nas extremidades, o cabo de plástico estava transparente e amarelado, mas perto do local em que se partiu, estava opaca, como se uma nuvem de flores brancas surgisse de dentro dela.
Madden segurou a peça quebrada sob um microscópio.
Segundo ela, o campo começou com testes físicos muito rudimentares, como o da agulha quente em uma superfície para ver se o plástico derretia. “Ele libera algum tipo de cheiro, como o de pinho? Cheira a cabelo queimado?”
Hoje, os cientistas da conservação utilizam técnicas avançadas de análises, como a microscopia ou a espectroscopia, para identificar materiais.
Ampliada, a nuvem branca no cabo da escova acabou se mostrando um sistema intrincado de rachaduras dentro de rachaduras dentro de rachaduras. Lagana e Madden imediatamente identificaram o plástico como nitrato de celulose, um material amplamente utilizado na fotografia e no cinema.
As conservadoras tinham visto esse tipo de dano muitas vezes antes. “Não há outro plástico que se quebre desta forma”, disse Lagana.
A análise científica é geralmente acompanhada de pesquisa de arquivos. “Passamos muito tempo estudando a história de como essas coisas são feitas. Se for uma peça de Lego feita antes de 1960, acredito que será acetato de celulose, não ABS”, disse Madden.
Para objetos quase sem nenhuma informação, uma boa técnica para começar é a espectroscopia, que analisa como as moléculas interagem com a luz.
Madden chegou com um vaso listrado verde-e-branco e um instrumento pequeno, que emite luz infravermelha através de materiais, explicou Michael Doutre, cientista do ModCon.
Após absorver a luz infravermelha, as ligações que conectam átomos diferentes dentro das moléculas se vergam e se esticam de maneiras distintas, como movimentos de dança característicos. Examinando esses movimentos registrados em um gráfico, os cientistas podem identificar o tipo de ligações e tentar deduzir quais são as moléculas.
Lagana segura o vaso, enquanto Madden o toca com a ponta do espectrômetro.
“Para mim, é polietileno ou polipropileno”, disse Lagana, um palpite baseado na sensação e no cheiro da peça.
Doutre iniciou a análise em um computador, e um gráfico apareceu na tela. Lagana estava certa, pois o gráfico indicou apenas ligações simples entre carbono e átomos de carbono, e carbono e átomos de hidrogênio.
“Neste caso, a ausência de alguns elementos nos diz que é polietileno”, disse Doutre.
Madden pegou uma caixa, com a tampa agora bem entortada, rachada e coberta por uma camada de pó branco.
“O plástico perdeu um pouco da proporção de sua massa”, disse ela, porque seu plastificante tinha migrado para a superfície e se transformado em pó branco. Sem ele, a caixa tornou-se frágil e encolheu, e então finalmente rachou nas laterais.
Encolhimento e migração aditiva são duas das formas mais comuns da degradação dos plásticos.
Armazenado no Smithsonian, os curadores descobriram que uma mancha marrom havia aparecido no lado esquerdo do traje de Armstrong quando o plastificante saíra dos tubos de suprimento de ar, que são feitos de policloreto de polivinila (PVC).
Isso acontece porque as moléculas dos plásticos não são arranjadas da maneira mais eficiente, segundo Jane Lipson, físico-química do Dartmouth College.
Eles são como líquidos congelados desorganizados, contendo um monte de espaços vazios e lacunas aleatórias entre as moléculas. Com o tempo, as moléculas grandes do polímero vão se reorganizando lentamente e se juntando de um modo mais eficiente, o que a olho nu acaba parecendo encolhimento.
Todos os aditivos de moléculas pequenas passam pelas aberturas até alcançarem a superfície como um líquido viscoso ou um pó branco. Quando os plásticos se aquecem, degradam-se mais rapidamente porque as moléculas têm mais energia para se movimentar.
“Eles estão meio que encontrando um caminho para um lugar mais estável”, disse Lipson.
Desacelerando o processo
Frequentemente, os responsáveis pela conservação apenas tentam encontrar as melhores condições nas quais manter os artefatos. “Grande parte da conservação diz respeito ao gerenciamento do armazenamento ou o ambiente de exposição para mitigar a deterioração o máximo possível”, disse Bailey, do Museu Smithsonian de Arte Americana.
Isso pode envolver a filtragem de raios ultravioleta para diminuir a quebra aleatória das ligações moleculares do plástico, algo complicado para o museu (que tem muitas janelas). Preservar uma arte feita de plástico pode também significar manter a temperatura baixa e a umidade estável para reduzir a migração do plastificante, ou garantir um ambiente livre de oxigênio para impedir a oxidação.
Collum e sua equipe estão construindo uma vitrine especial para o traje de Armstrong, com condições cuidadosamente elaboradas: 17ºC, 30 por cento de umidade e filtros para remover contaminantes. Os conservadores esperam ter a exibição pronta para o 50º aniversário do pouso na Lua, no ano que vem.
Mesmo algo inócuo como a limpeza de um objeto para uma exposição pode ser um processo complexo. Parece bem fácil limpar plastificante de uma superfície, por exemplo, mas a limpeza faz com que o material venha à superfície, efetivamente acelerando a degradação.
“O plastificante tenta encontrar o equilíbrio entre o exterior e o interior do plástico, mas quando você mexe com esse equilíbrio, um evento catastrófico pode ocorrer”, disse Shockey.
A limpeza rotineira pode riscar a superfície macia de um plástico, arruinando um revestimento íntegro e lustroso. Como alternativa, Shockey desenvolveu uma técnica na qual pequenos microcristais de gelo seco ou “neve” de dióxido de carbono são despejados sobre a superfície para capturar poeira e outros contaminantes.
Apesar da fama de grande poluente, os plásticos têm histórias importantes a contar. “Mesmo que nos afastemos deles, acho que ainda há a necessidade de persistência da memória na cultura humana”, disse Shockey.
Ele mencionou a história do casco da tartaruga e de seu clone de plástico, o acetato de celulose. “Quando uma espécie quase chegou à extinção por causa da caça, fomos capazes de encontrar uma alternativa e paramos de usar o material natural.”
“Há uma razão para usá-los, em vez dos materiais mais tradicionais: em geral, são baratos e versáteis, leves, mas fortes”, disse Jeannette Garcia, química de polímeros da IBM.
Garrafas de plástico ajudam a transportar água potável para áreas remotas, compostos leves ajudam a economizar energia em automóveis e aviões, seringas estéreis e bolsas de sangue descartáveis ajudam a estender vidas. Próteses substituem partes do corpo que se perderam.
“Podemos viver mais do que nossos corpos graças, em parte, ao plástico”, disse Madden. Sem falar no envio de pessoas para o espaço.
Fontes – Xiaozhi Lim, The New York Times, GZH de 03 de setembro de 2018
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