Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Quimioterapia em Gaia
Desde a Antigüidade, navegadores buscaram passagem, ao norte, do Pacífico para o Atlântico. Em vão. A grossa camada de gelo sob as águas jamais permitiu a concretização do sonho. O consolo, mesmo com a perda de milhares de vidas, foi abrir o Canal do Panamá.
Daqui a poucos anos, entretanto, a passagem ao norte estará aberta. O degelo, que se processa com uma rapidez geológica estonteante, fará o serviço. Finalmente, a humanidade terá sua tão sonhada passagem ao norte.
A molécula de gás carbônico demora 1.800 anos para degradar-se no espaço. A concentração atual deste gás, na atmosfera, é de 400 ppm (parte por milhão), a maior em 650.000 anos. Cada ppm equivale a 2,1 bilhões de toneladas do gás. No ritmo atual, esta concentração dobra em 50 anos.
Níveis como este farão a temperatura média da Terra aumentar em até 6 graus Celsius. Com tenebrosas conseqüências.
Esta quantidade de gás não subiu sozinha. Nós a mandamos para lá.
O carbono que impede o calor solar de retornar ao espaço é resultado das atividades humanas.
Fizemos a sujeira. Temos que limpar.
A tarefa mais imediata é a de trazer estes níveis para cerca de 380 ppm e mantê-los assim, ou menos, nos próximos séculos.
Não se trata mais de estabilizar as emissões e sim, reduzi-las.
Porém, enquanto alguns tentam isso, países como a China erguem uma termelétrica a carvão por semana! Os Estados Unidos construirão 280 delas nos próximos 30 anos!
O uso do carvão, mais barato e acessível, disparou nos Estados Unidos, mesmo sabendo-se que ele, quando queimado, emite muito mais CO2.
Fazer o quê? Entre preço e poluição, fica-se com o preço.
As reservas mundiais de petróleo, mesmo ao alucinante ritmo atual, não acabam antes de 100 anos. Mesmo depois de o petróleo acabar, há carvão no mundo para mais de 200 anos
Então, a depender das opções atuais, temos sujeira para mais de 300 anos.
A ONU projeta um aumento de 160% na demanda mundial por energia, nos próximos 30 anos. E ainda não há energia limpa o suficiente para prover de luz, calor e conforto as futuras gerações.
Assim, quem quer filme de horror, sintonize o canal de nações como estas duas, verdadeiras pragas de gafanhotos.
Por isso, não se trata mais de estabilizar as emissões e sim, reduzi-las.
É tarefa imediata. Não é tarefa gradual. Não é entrar na descendente das emissões de forma soft, ligth, slow-motion ou que porcaria venham a propor aqueles que ainda indagam se este negócio é sério ou se é mais uma armação dos países pobres para cima dos países ricos.
A fase de dúvidas já se encerrou. Continuar emitindo gases de efeito estufa nestas proporções, é reproduzir aquela conhecida condição onde o médico conta para o doente que ele tem câncer de pulmão e, em resposta, o paciente acende um cigarro, como que para combater o stress da notícia.
Por falar na doença, o paralelo não é de todo incorreto. Estamos diante da mais séria ameaça à estabilidade planetária. Reduzir as emissões pode significar privações. Mas, não é dessa forma que os médicos agem, diante de um doente que corre sérios riscos? Nestas ocasiões, o tratamento é pouco simpático. O remédio, amargo demais. As recomendações, cruéis.
Segundo a hipótese de James Lovelock, a vida é um ser único, auto-regulador, chamado Gaia. Então, quimioterapia em Gaia!
Vai cair os cabelos, dar ânsia de vômito, amarelar os olhos, empalidecer as bochechas? É ruim. Mas, melhora? Então, bem-vinda seja!
Fique frio, estamos juntos nessa.
Luiz Eduardo Cheida
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