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Reciclagem, Reutilização e Economia Circular

Por Antonio Silvio Hendges – EcoDebate – 21 de janeiro de 2022

 Este trabalho tem como foco as informações relacionadas com a reciclagem, reutilização e a logística reversa dos resíduos no Brasil no período entre os anos de 2010, ano da aprovação da Lei 12.305 que estabeleceu a Política Nacional de Resíduos Sólidos no país, até o ano de 2019.

Na primeira parte traz as informações dos sistemas oficiais disponíveis sobre os resíduos sólidos em que são dimensionados os avanços e recuos observados nos últimos anos quanto à gestão, tratamento e disposição final e ambiental adequada.

Na segunda parte o enfoque é qualitativo avaliando as relações entre o atual estágio da gestão dos resíduos no Brasil com as possibilidades do desenvolvimento da economia circular e do planejamento de produtos e serviços para a sua reutilização e reaproveitamento sem as transformações biológicas, físicas ou químicas requeridas pelos processos de reciclagem.

CONCEITOS E DEFINIÇÕES

A Lei 12.305/2010 que estabelece no Brasil a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS define a reciclagem e a reutilização como objetivos e a logística reversa como instrumento para a gestão dos resíduos sólidos no território brasileiro.

Reciclagem: processo de transformação dos resíduos sólidos que envolvem a alteração de suas propriedades físicas, físico químicas ou biológicas, com vistas à transformação em insumos ou novos produtos, observadas as condições e os padrões estabelecidos pelos órgãos competentes do Sisnama e, no que couber, do SNVS e do Suasa (Capítulo II, artigo 3º, XIV).

Reutilização: processo de aproveitamento dos resíduos sólidos sem sua transformação biológica, física ou físico-química, observadas as condições e os padrões estabelecidos pelos órgãos competentes do Sisnama e, se couber, do SNVS e do Suasa (Capítulo II, artigo 3º, XVIII).

Logística reversa: é o instrumento de desenvolvimento econômico e social caracterizado por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo ou em outros ciclos produtivos, ou outra destinação final ambientalmente adequada (Capítulo II, artigo 3º, XII).

O Sisnama é o Sistema Nacional de Meio Ambiente; SNVS é o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária; Suasa é o Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária.

A economia circular de acordo com a Fundação Ellen Macarthur, é um conceito baseado na natureza em oposição aos processos produtivos da economia linear onde os resíduos são insumos para a produção de novos produtos.

Esse conceito também é chamado de “cradle to cradle” – do berço ao berço – e não considera a ideia de resíduos. Na economia circular os produtos e serviços são planejados para conformarem continuamente novos ciclos sem as transformações biológicas, físicas ou químicas, mantendo os produtos, materiais e componente no mais alto grau de valor e utilidade, eliminando a noção de resíduos desde a sua concepção.

RECICLAGEM E LOGÍSTICA REVERSA NO BRASIL NO PERÍODO 2010-2019

As informações constantes deste tópico tem como referência a publicação Panorama dos Resíduos Sólidos 2020 da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais – Abrelpe que nesta edição traz a sua análise da gestão dos diversos resíduos no Brasil a partir da aprovação da Política Nacional de Resíduos Sólidos – Lei 12.305/2010 e Decreto 7.404/2010.

A análise está relacionada com o período 2010-2019 e a Abrelpe baseia-se nas informações constantes dos órgãos oficiais como o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos – Sinir.

Optou-se por esta publicação como referência por ser de fácil acesso e compreensão, além de um documento oficial das empresas que prestam serviços nos vários aspectos, áreas e etapas da gestão dos resíduos sólidos no Brasil.

Resíduos Sólidos Urbanos – Entre 2010 e 2019 a geração de resíduos no Brasil aumentou 15,64% de 66.695.720 para 79.069.585 em milhões de toneladas/ano. A geração individual subiu 8,15% de 348,3 para 379,2 kg/ano/habitante.

Os RSU coletados cresceram de 59 para 72,7 milhões de toneladas e a cobertura da coleta avançou de 88 para 92%. Todas as regiões apresentaram aumento na geração global e per capita.

Os Estados do Amapá, Pará, Roraima, Maranhão, Distrito Federal e Minas Gerais diminuíram os índices de coleta.

No entanto alguns Estados tiveram aumento significativo na ampliação da cobertura de coleta dos RSU, Piauí (12,7%), Mato Grosso (10,5%), Espírito Santo (9,9%), Bahia (8,5%), Tocantins (8,4), Alagoas (8,3%), Goiás (7,5%), Pernambuco (7,2%), Rondônia (6,6%), Santa Catarina (5,6%) e Paraná (5,2).

Os Estados com maiores índices de cobertura na coleta dos RSU com 95% ou mais: São Paulo (99,6%), Rio de Janeiro (99,5%), Santa Catarina (96,2%), Goiás (96,1%), Rio Grande do Sul (95,5%), Paraná (95%) e Distrito Federal (95%).

A coleta de resíduos cresceu em todas as regiões e no país passou de 58.795.660 t/ano em 2010 para 72.748.515 t/ano em 2019, aumento de 19,17%. A coleta per capita passou de 307,1 kg/ano em 2010 para 348,9 kg/ano em 2019, aumento de 12%.

O índice nacional de coleta passou de 88% em 2010 para 92% em 2019.

Em 2010, 3.152 municípios tinham alguma ação voltada para a coleta seletiva, em 2019 foram 4.070 municípios.

Mas as ações não abrangem a totalidades das áreas urbanas e possivelmente nas áreas rurais existam poucas iniciativas de coleta seletiva e destinação adequada.

Em 2010, 56,6% dos municípios brasileiros tinham iniciativas de coleta seletiva e a região mais desenvolvida era a Sudeste com 78,7%. Em 2019, são 73,1% e a região com mais projetos é a Sul com 90,9%.

Embalagens de defensivos agrícolas – O Sistema Campo Limpo do Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias – InpEV destinou corretamente 31.266 toneladas em 2010 e 45.563 toneladas em 2019, das quais 94% foram enviadas para reciclagem e 6% para incineração.

Este volume representa 94% do total das embalagens primárias comercializadas.

O sistema possui 411 unidades fixas divididas entre 304 postos e 107 centrais de recebimento.

Realiza coletas itinerantes nos municípios que não possuem capacidade mínima para instalação de unidades fixas ou distantes das existentes.

Além destas embalagens primárias, 131 toneladas de sobras pós-consumo também foram incineradas.

Embalagens de óleos lubrificantes – O programa de logística reversa do Instituto Jogue Limpo está presente em 18 estados e no Distrito Federal, abrange 4.310 municípios, com 47.452 geradores cadastrados e 28.147 geradores ativos.

Entre os anos de 2010 e 2019, a destinação adequada das embalagens de óleo lubrificante aumentou em quase quatro vezes e passou de 1.149 toneladas de embalagens recebidas e 1.118 toneladas recicladas em 2010, para 5.036 toneladas recebidas e 4.718 toneladas recicladas em 2019 equivalentes a 100.720.866 embalagens.

Isto corresponde a 97,3% em 2010 e 98,5% em 2019 de reciclagem do total recebido.

O sistema tem 177 Pontos de Entrega Voluntária, 65 deles inaugurados em 2019 e estão localizados em 13 das 19 unidades da federação onde o sistema atua.

Também, realiza coletas itinerantes nos municípios com população inferior a 15.000 habitantes.

Pneus usados – Desde o início do programa da Reciclanip em 1999 até 2019 cerca de 5,23 milhões de toneladas de pneus inservíveis foram coletados e destinados de forma correta, volume equivalente a 1,04 bilhões de pneus de carros de passeio.

Os pontos de coleta dos pneus inservíveis nos municípios brasileiros passaram de 576 em 2010 para 1.053 estabelecimentos em 2019, no entanto desde 2017 não são ampliados.

Neste período ampliou-se em 50,96% a quantidade de pneus recuperados que passou de 312.000 toneladas em 2010, para 471.000 toneladas em 2019.

Lâmpadas fluorescentes de vapor de sódio e mercúrio – A Associação Brasileira para Gestão da Logística Reversa de Produtos de Iluminação – RECICLUS criada em 2016 é responsável pela logística reversa das lâmpadas fluorescentes no Brasil.

No último Relatório Anual de 2018, o sistema está presente em 254 cidades em 26 estados mais o Distrito Federal.

Tem 80 empresas associadas com 1.390 pontos de coleta que atendem cerca de 45% da população de acordo com os critérios estabelecidos no Acordo Setorial firmado com o Ministério do Meio Ambiente.

Em 2018, aproximadamente 2.464.527 lâmpadas foram destinadas de forma ambientalmente correta, das quais 1.103.018 referem-se às lâmpadas compactas e 1.361.509 às lâmpadas tubulares, equivalente a 161.040,6 e 198.780,4 Kg, respectivamente.

Somando-se o total destinado pela RECICLUS até 2018 cumpriu-se 4,6% da meta de recolhimento firmada no Acordo Setorial que estabelece a destinação final adequada para 20% das lâmpadas colocadas no mercado nacional em 2012 até 2021 – equivalente a 60 milhões de lâmpadas.

Com isso, observa-se um aumento expressivo em comparação ao ano anterior devido à maior disponibilidade de PEVs – Pontos de Entregas Voluntárias, parcerias firmadas e consolidação do programa.

Considerando que as lâmpadas compactas são compostas por aproximadamente 5 mg de mercúrio por unidade e as lâmpadas tubulares por 9 mg por unidade, foram recuperados 17.768,68 gramas – cerca de 17,8 kg – de mercúrio para destinação adequada no ano de 2018.

Embalagens em geral – O Acordo Setorial para Implantação do Sistema de Logística Reversa de Embalagens em Geral está em vigor desde 2015 com 20 associações que representam 3.786 empresas dos setores de papel, plástico e alumínio.

A Coalizão Embalagens é a entidade gestora do sistema que foi dividido em duas fases:

A primeira ocorreu entre 2015 e 2017 e seus resultados foram divulgados pelo Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos – SINIR.

A segunda fase prevista para início 90 dias após o término da Fase 1 com a formalização do Plano de Implementação pela Coalizão, mas estes resultados não estão disponíveis.

Vários Termos de Compromisso estaduais foram firmados.

No âmbito Federal, o Ministério do Meio Ambiente – MMA lançou a consulta pública da proposta do Termo de compromisso para implementação de ações voltadas à economia circular e logística reversa de embalagens em geral, que estabelece metas para o uso de materiais recicláveis e compostáveis na produção de embalagens, a incorporação de matérias primas recicladas pós-consumo e modelos alternativos de embalagens retornáveis plásticas ou refis.

Medicamentos – Os medicamentos vencidos ou em desuso são classificados como resíduos perigosos –

Classe 1 e possuem potencial de contaminação do meio ambiente e da saúde pública se descartados incorretamente.

O Brasil é o sétimo país que mais consome medicamentos no mundo e até 2023 pode chegar à quinta posição.

Mas a logística reversa destes resíduos não avançou desde a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos em 2010.

Em 2013, os Ministérios da Saúde e Meio Ambiente publicaram um Edital de Chamamento para elaboração de um Acordo Setorial para a estruturação e implantação de um sistema de logística reversa nacional, mas mesmo com a prorrogação do prazo em 2014 nenhuma proposta foi assinada.

O Governo Federal promulgou o Decreto nº 10.388 de 5 de junho de 2020 que regulamenta o fluxo para descarte e destinação de medicamentos domiciliares vencidos ou em desuso.

Em duas fases, o sistema prevê que todas as capitais do Brasil e os municípios com população superior a 500 mil habitantes sejam contemplados com os pontos de coleta no prazo de dois anos.

Nos municípios com população superior a 100 mil habitantes, o prazo é cinco anos.

Eletroeletrônicos e componentes – O Brasil é o quinto maior gerador de resíduos eletroeletrônicos do mundo e o segundo maior no continente americano após os Estados Unidos.

Em 2019 foram geradas 2,1 milhões de toneladas no país, o equivalente a 10,2 kg por habitante.

Mas a logística reversa destes resíduos não corresponde aos desafios.

Em outubro de 2019 foi assinado um Acordo Setorial para implantação da logística reversa de produtos eletroeletrônicos de uso doméstico e seus componentes para estruturar, implantar e operacionalizar este sistema em todo o país.

Em fevereiro de 2020, o Decreto Federal nº 10.240/2020 estabeleceu normas para a logística reversa obrigatória, com previsão de alcançar todo o mercado nacional, especialmente empresas e associações que não foram signatárias do Acordo Setorial de 2019.

Em 2019 foram coletadas e destinadas corretamente mais de 514 toneladas de resíduos eletroeletrônicos, das quais 342,9 toneladas correspondem aos resíduos eletrônicos – em sua maioria, acessórios de computadores como teclados, mouses, carregadores, cabos – e 171,2 correspondem a pilhas e baterias.

Além da destinação correta dos resíduos, o sistema reaproveitou cerca de 100 toneladas de metais ferrosos e não ferrosos e reciclou 47,5 toneladas de plástico, evitando a emissão de 69 toneladas de CO2.

Quanto aos Pontos de Entrega Voluntária – PEVs, o sistema conta com 104 para os eletroeletrônicos e 2.245 para pilhas e baterias.

Baterias de chumbo-ácido – As baterias de chumbo-ácido utilizadas em automóveis são compostas por placas de chumbo e uma solução de ácido sulfúrico, componentes com alto potencial de contaminação se descartados incorretamente.

Estão previstas na logística reversa e já possuíam resolução prevendo seu gerenciamento adequado anterior à promulgação da Lei 12.305/2010 – Política Nacional de Resíduos Sólidos, através da Resolução Conama nº 401/2008.

Em 2019, o Acordo Setorial assinado pelos fabricantes e seus representantes, recicladores, distribuidores, comerciantes e a entidade gestora Instituto Brasileiro de Energia Reciclável – IBER prevê a implantação de postos e serviços de coleta, transporte, armazenamento e destinação final ambientalmente adequada, a recuperação do chumbo-ácido com sua reinserção na cadeia produtiva, a reciclagem dos outros insumos como os plásticos e a recuperação e/ou reutilização da solução eletrolítica.

Segundo dados do SINIR, 275.250 das 372.986 toneladas de baterias colocadas no mercado foram recolhidas em 2019, o que representa 74% do total.

Embalagens de aço – As embalagens de aço previstas para a logística reversa são as originadas em alimentos de consumo humano, pratos prontos, bebidas, conservas e óleos comestíveis, rações para cães e gatos, cosméticos, tintas imobiliárias, rolhas e tampas, entre outras.

A entidade gestora do sistema é a PROLATA Reciclagem, criada em 2012 pela ABEAÇO – Associação Brasileira de Embalagens de Aço e a ABRAFATI – Associação Brasileira dos Fabricantes de Tintas.

A logística reversa destas embalagens foi organizada através de um Termo de Compromisso Federal em dezembro de 2018.

O Programa realizou a destinação final ambientalmente adequada de mais de 31 mil toneladas de embalagens nos últimos cinco anos e deixou de emitir 118 mil toneladas de CO2 na fabricação de aço novo.

Está presente em 36 municípios de 12 estados em todas as regiões do país e no Distrito Federal.

O Programa atua em parceria com 50 cooperativas de catadores e soma 28 PEVs denominados Retorna Machines, que troca as embalagens por pontos que podem ser revertidos de diversas formas.

RECICLAGEM, REUTILIZAÇÃO E ECONOMIA CIRCULAR

Embora a reciclagem seja um fator fundamental à recuperação de matérias primas e insumos, na perspectiva da economia circular não é o foco no desenvolvimento dos produtos, no planejamento da vida útil e do fluxo de materiais das cadeias de produção e consumo.

A logística e ciclos reversos tem uma perspectiva mais ampla, para integrar, restaurar e regenerar as cadeias de valor a partir da concepção, do design, dos materiais utilizados, funções e formas adotadas, inversamente à obsolescência programada, uma das bases da economia linear.

Na economia circular há um gerenciamento dos fluxos de recursos renováveis e das reservas não renováveis pela regeneração e restauração das capacidades produtivas.

“A economia circular é muito mais ambiciosa do que a reciclagem de materiais “ou zero lixo para os aterros sanitários”. Ela amplia a cadeia de valor para abranger todo o ciclo de vida do produto, do início ao fim, incluindo todos os estágios de fornecimento, fabricação, distribuição e vendas. […] De tudo isso resulta novo jargão de negócios para descrever essas “inovações disruptivas”” (WEETMAN, 2019).

A Fundação Ellen Macarthur define alguns princípios norteadores da construção de sistemas circulares de produção e consumo:

a) Preservar e aprimorar o capital natural, com a restauração e regeneração dos recursos naturais;

b) Maximizar o rendimento de recursos, o que leva, principalmente, à redução dos desperdícios e à circularidade dos recursos;

c) Estimular a efetividade dos sistemas, gerando impactos positivos para todas as partes interessadas através da identificação e entendimento das externalidades negativas.

Neste sentido, a reciclagem para a recuperação de matérias primas, inclusive com o uso intensivo de energia, não está em primeiro plano em uma economia circular, ao contrário, é a última etapa, quando os produtos já foram reutilizados, remanufaturados e recondicionados e perderam totalmente a função em vista do desgaste ou da tecnologia não mais viável.

A extensão e gestão dos ciclos de vida dos produtos é um dos objetivos centrais em uma cadeia produtiva que considera a economia circular e a maximização dos seus benefícios econômicos, ambientais e sociais.

“A transição para um modelo de Economia Circular está pautada na inovação, tendo como principal direcionador a efetividade sistêmica para geração de impactos positivos, no qual se busca, além da eficiência e eficácia, gerar consequências positivas para as partes envolvidas do sistema” (CNI, 2018).

Neste sentido, a economia circular não é somente uma adequação do atual modelo de produção em seus processos e produtos, mas pressupõe a inovação como uma constante que impacta todo o ciclo desde a concepção e design, matérias primas, produção, armazenagem, logística e a relação dos consumidores com os produtos ou serviços.

Para a adoção da economia circular como modelo de produção existem motivadores bem definidos e que possuem pontos comuns que permitem a gestão dos processos administrativos e da criação de novos produtos e serviços.

Entre estes motivadores os principais são:

Limites do modelo de economia linear – a escassez de recursos naturais indica que o modelo linear de extração, manufatura, uso e descarte está próximo do limite.

Elementos fundamentais se esgotarão em períodos relativamente curtos, alguns nos próximos 50 anos.

A Fundação Ellen Macarthur cita entre estes o manganês, gálio, germânio, antimônio, ósmio, cadmio e urânio entre outros.

Redução de custos e geração de valor – A competitividade da economia circular ocorre com a redução dos custos e maior geração de valor com o melhor aproveitamento dos materiais, redução de desperdícios ao longo das cadeias de produção e adequação dos produtos como serviços.

Estimativas indicam que na Europa, por exemplo, sistemas e soluções com energias renováveis reduzem os custos entre 60% e 80% na mobilidade de pessoas, mercadorias e serviços.

Novas fontes de investimentos – As instituições financeiras cada vez mais abrem linhas de financiamentos e créditos para investimentos em projetos de economia circular, inclusive na inovação de práticas administrativas e inovações tecnológicas.

Resiliência e colaboração – A economia circular amplia a resiliência dos sistemas ao manter os materiais por mais tempo através de ciclos reversos ao reduzir a dependência de matérias primas novas e a vulnerabilidade associada com a extração e produção de commodities.

Geração de trabalho e renda – O uso mais eficiente dos recursos, a reutilização, manutenção, recondicionamento, extensão da vida útil e reciclagem tem como resultados uma mudança na relação entre os consumidores com os bens e serviços.

Um sistema que favoreça práticas circulares é mais intensivo em mão de obra qualificada que um sistema linear.

Conformidade legal e normas – A economia circular tem como referência a legislação nacional e internacional, mas também normas que estimulam as empresas na adoção de práticas de sustentabilidade e responsabilidade ambiental e social como a BSI 8001:2017 e a ISO NBR 14001/2015 que estabelecem requisitos aos sistemas de gestão ambiental e incluem a perspectiva do ciclo de vida dos produtos e serviços.

A inovação acontece em cinco aspectos:

a) na gestão administrativa;

b) na adoção de novas tecnologias e processos;

c) na geração de produtos e serviços;

d) no marketing e comunicação com os consumidores que deixam de serem passivos para se tornarem partes fundamentais dos ciclos ao longo das cadeias de valores circulares;

e) na logística, incluindo-se a reversa onde os bens obsoletos ou desgastados retornam dos consumidores aos revendedores, distribuidores e fabricantes para as diversas operações ao final dos ciclos de vida.

A inovação é a criação ou melhoria de um novo produto ou serviço através de processos tecnológicos mais eficientes – menos gasto de energia na produção e menor geração e periculosidade dos resíduos, por exemplo – com métodos de marketing integrados às práticas de gestão sustentáveis quanto aos aspectos e impactos ambientais e sociais – como sistemas de gestão ambiental, certificações da cadeia de suprimentos, reutilização e logística reversa.

Na economia circular, a obsolescência planejada como parte da produção de massa linear, é substituída pela agregação de valor em todas as etapas dos ciclos de vida e o marketing não tem como objetivo a distribuição massiva de bens como na economia linear, o foco está na educação dos consumidores e nos atributos dos ciclos de vida dos produtos e serviços.

Para a adoção da economia circular é necessário uma transição dos modelos lineares de produção para uma formatação circular associada com inovações no design, nas formas e funções dos produtos e serviços, no marketing, na logística e na gestão dos negócios sejam privados ou públicos.

Nesta transição, a reciclagem é um instrumento fundamental e precisa ser estimulada e implantada em todos os níveis e setores, inclusive como processo educativo de massa que estimule a educação para o consumo e a responsabilidade compartilhada em todos os níveis.

A efetividade da logística reversa dos resíduos tecnológicos e que ofereçam riscos ambientais, sociais ou de saúde pública também é um patamar mínimo para uma transição onde os produtos e serviços não sejam descartáveis e mantenham-se como ativos econômicos.

Entre as inovações nos modelos de negócios para a transição à economia circular os principais são os produtos-serviços, compartilhamentos, a circularidade dos insumos, a recuperação de recursos, funções e valores não percebidos dos produtos, componentes e materiais, a extensão da vida útil e a virtualização.

Entre os condicionantes estão as políticas públicas, a educação ambiental e para o consumo e as tecnologias disponíveis.

Mesmo as ações com origem na iniciativa privada estão sujeitas a estes três fatores, sendo indispensável que estejam integradas com as legislações, os programas educativos e o desenvolvimento tecnológico, ou serão atitudes espontâneas e sem consistência.

ECONOMIA CIRCULAR NO BRASIL

Como se pode perceber na primeira parte deste trabalho e considerando somente a gestão dos resíduos sólidos urbanos e resíduos tecnológicos sujeitos à logística reversa no Brasil, ainda estamos em um patamar primário de transição para uma economia circular.

O aumento da coleta no país, nos Estados e municípios é inercial e não significou o avanço em projetos estruturados e universais de coleta seletiva, reciclagem, fortalecimento das cooperativas ou empresas que atuam nesta área, reutilização primária ou de insumos e a recuperação significativa de valores.

Em muitos municípios nem mesmo os planos de gestão de resíduos previstos na legislação foram implantados.

As diretrizes legais foram alteradas diversas vezes para a extensão dos prazos, principalmente por pressão dos agentes institucionais dos Estados e municípios que alegam impossibilidade da implantação e cumprimento dos requisitos da Lei 12.305/2010.

Também há uma desigualdade quanto à universalização dos serviços de limpeza urbana com a priorização das áreas mais nobres e urbanizadas, facilitando o descarte irregular e a formação de lixões clandestinos que impactam a saúde pública e degradam as áreas urbanas e rurais e os recursos hídricos.

Um setor fundamental é a construção civil que no Brasil é um dos principais geradores de mão de obra, mas também de resíduos e descartes irregulares, sendo que praticamente não existem programas educativos e de capacitação técnica para a minimização da geração e circularidade dos insumos.

Em relação aos resíduos sujeitos aos acordos setoriais e logística reversa, também há grandes limitações e mesmo com alguns avanços básicos, a cadeia produtiva ainda é planejada de forma linear e o enfoque está mais no compromisso legal mínimo exigível que na geração e resgate de valores, trabalho e renda.

Neste sentido há um descompasso entre as políticas públicas e a necessidade de avançar para uma economia circular, limitando as possibilidades de inovações conforme descritas no item III.

Há uma visão majoritária dos agentes e órgãos públicos de que a linearidade corresponde ao desenvolvimento econômico desejável ao país, enquanto propostas que consideram os aspectos e impactos positivos da economia circular são indesejáveis e oriundas de setores que desejam um retrocesso quanto aos modelos de produção, distribuição e consumo implantados.

Neste aspecto há também um descompasso destes setores e agentes públicos com várias áreas da iniciativa privada que percebeu as vantagens da economia circular, mas encontra dificuldades legais e inclusive de acesso aos incentivos e créditos, principalmente as pequenas e médias empresas, focos de muitas inovações e soluções em várias áreas.

Na educação ambiental definida como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade” (Lei 9.795/1999, artigo 1º) são poucas as iniciativas públicas formais ou informais, bem como é baixo o incentivo para o desenvolvimento de projetos consequentes e integrados pelas organizações da sociedade e empresas.

Na tecnologia temos uma dependência de modelos aos quais não temos o controle estratégico e que são pré-definidos para a solução de problemas e demandas imediatas, com poucos incentivos e recursos escassos para a pesquisa de soluções integradas e circulares que componham uma economia macro que estimule a inovação desde as cadeias de fornecimento ao planejamento da vida útil e destino final dos bens e serviços.

CONCLUSÃO

De acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, mantido o atual ritmo de evolução da gestão dos resíduos sólidos no Brasil, somente em 2075 teremos solução para a disposição final adequada.

“Ao considerar a manutenção do cenário vigente, seriam necessários 55 anos para que aterros controlados e lixões sejam encerrados, […] evidencia a urgência de soluções para viabilizar as ações necessárias, de forma contínua e com sustentabilidade, para que o país possa superar essa chaga medieval de forma definitiva em todas as unidades da federação” (Abrelpe, 2021).

Conclui-se, portanto, que o Brasil ainda tem um longo caminho para o desenvolvimento de uma economia circular quando se considera os resíduos urbanos e tecnológicos e que os principais entraves são:

a) não conformidade das políticas públicas ignoradas e proteladas por interesses de grupos relacionados com a economia linear à qual se encontram acomodados e ainda na perspectiva do lucro imediato e corporativo com apoio e conivência dos órgãos e agentes públicos;

b) ausência de programas massivos de educação ambiental e para o consumo

c) baixos investimentos em pesquisas, na ciência e na tecnologia.

Estes fatores são justamente os considerados fundamentais ao desenvolvimento da economia circular, o que torna ainda mais preocupante este quadro de atraso do país em relação às economias mais desenvolvidas.

Esta realidade faz com que as inovações sejam retardadas ou limitadas e que o país desperdice recursos energéticos, materiais, econômicos e humanos e inviabilize o desenvolvimento e as novas tecnologias, indispensáveis em uma economia que considera a sustentabilidade e a circularidade dos bens e serviços, necessariamente pautada pelo conhecimento e a tecnologia.

Antonio Silvio HENDGES

Licenciatura Plena em Ciências Biológicas Uniasselvi

Pós Graduação em Auditorias Ambientais Universidade Cândido Mendes

as.hendges@gmail.com

REFERÊNCIAS:

Abrelpe – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2020. São Paulo: Abrelpe, 2021.

BRASIL. Decreto 4281 de 25 de junho de 2002. Regulamenta a Lei 9.795 de 27 de abril de 1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Brasília: 2021.

BRASIL. Decreto 7.404 de 23 de dezembro de 2010. Regulamenta a Lei 12.305 de 2 de agosto de 2010 que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Brasília: 2021.

BRASIL. Lei 9.795 de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Brasília: 2021.

BRASIL. Lei 12.305 de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei 9.605 de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos, Brasília: 2021.

Confederação Nacional da Indústria. Economia Circular: oportunidades e desafios para a indústria brasileira. Brasília: CNI, 2018.

MEADOWS, Dennis; RANDERS, Jorgen; MEADOWS, Donella H. Limites do Crescimento. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2007.

WEETMAN, Catherine. Economia Circular – Conceitos e estratégias para fazer negócios de forma mais inteligente, sustentável e lucrativa. São Paulo: Autêntica Business, 2019.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 21/01/2022

 

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