Chuvas torrenciais e ventos que devastaram o Sul do Brasil se devem à nova dinâmica climática provocada pelo aquecimento global.
As chuvas torrenciais e os ventos que varreram o Sul do Brasil em 30 de junho se devem à nova dinâmica climática provocada pelo aquecimento global. Essa é a principal conclusão das análises do climatologista Francisco Eliseu Aquino, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Segundo ele, o aumento de 1 °C na temperatura média do Brasil de norte a sul tem fortalecido o contraste trópico-pólo, e agora toda a circulação atmosférica do nosso continente está sob influência desse reordenamento do sistema climático.
A água da tempestade provocada pelo ciclone bomba no final de junho foi coletada pelos estudiosos, e os dados estão sendo processados.
Novas fontes de umidade
Segundo Aquino, uma análise preliminar dessas informações parece fortalecer a seguinte hipótese: as duas importantes fontes de umidade para formação de chuvas na região, que são a Amazônia e o Atlântico Sul, podem estar acompanhadas de uma terceira, que seria o Mar de Wendel, no oceano Antártico (atlântico sul em direção à Antártica).
A mudança nas relações entre as massas de ar das regiões amazônica e polar já vinham chamando a atenção dos estudiosos desde a tempestade de 2016 no Rio Grande Sul, classificada como uma micro explosão. Uma análise da água daquela chuva mostrou que o DNA do evento – ou seja, a composição isotópica da chuva – era totalmente antártico.
Segundo o professor, se existe uma região que é excepcionalmente sensível à mudança climática global é exatamente o Sul do Brasil. “Isso já estava descrito na literatura científica muito antes de eu iniciar meu estudos de graduação em geografia. Já se sabia que quando essa região começasse a dar sinais, os eventos saltariam muito rapidamente de intensidade”, diz.
Ciclones mais perigosos
Foto: Isac Nóbrega | PR
A Bacia do Prata já é uma região ciclogenética nativa da América do Sul, de acordo com o professor. “O que nós estamos suspeitando é que esses ciclones estão ficando mais bem formados, mais profundos e, por isso, mais perigosos”, explica.
“Tanto é que nós tivemos dois ciclones bomba em menos de dez dias, com valor expressivo de precipitação e rompendo com a circulação atmosférica Amazônia-Sul da América do Sul por completo.” O segundo ciclone bomba, mencionado pelo professor, ocorreu no dia 8/7 no oceano e somente os ventos chegaram ao continente.
“Lamentavelmente nós tivemos esses dois ciclones bomba, com altíssimo impacto e mais de 2 mil desabrigados, justo no auge da pior das pandemias da nossa história”, ressalta o professor, que avalia que será necessário sofisticar os mecanismos de alerta para esses eventos em parceria com a defesa civil.
Estiagem intensa
Levantamento do Simepar apontou que nove das maiores cidades paranaenses, de quase todas as regiões do Estado, tiveram chuvas bem abaixo da média histórica entre junho de 2019 e março de 2020. Foto: Geraldo Bubniak/AEN
O professor lembra que o Rio Grande do Sul acaba de sair de sua estiagem mais intensa, iniciada em 2019 e que superou muito a de 2012. “Estamos falando de prejuízos de mais de R$ 40 bilhões pela falta de precipitação na Bacia do Prata”, avalia.
Aquino explica que essa seca tem conexões com eventos meteorológicos regulares, mas que o desmatamento na Amazônia e no Cerrado está diminuindo a umidade do solo e a capacidade da atmosfera de manter os ecossistemas “Isso também atua para a variabilidade extrema das precipitações no Sul”, finaliza o professor.
Os dados da pesquisa foram apresentados à comunidade científica e ao público em geral em webinar realizado esta semana pelo Instituto ClimaInfo, com apoio da jornalista Silvia Marcuzzo.
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