Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Relatório da ONU denuncia “mito” de que pesticidas são essenciais para alimentar o mundo
Segundo um novo relatório elaborado por especialistas da ONU em alimentação e poluição, a ideia de que os pesticidas são essenciais para alimentar a população mundial crescente é um mito.
O relatório, apresentado na quarta-feira ao Conselho de direitos humanos da ONU, acusa as corporações mundiais que fabricam pesticidas de negarem sistematicamente os danos causados pelos seus produtos, de “táticas de marketing pouco éticas e agressivas”, de transferirem a culpa dos impactos evitáveis dos pesticidas para os utilizadores, assim como de uma intensa atividade de lobbying junto dos governos, que tem “impedido reformas e paralisado restrições” à utilização destes produtos.
Os pesticidas têm “impactos catastróficos no ambiente, na saúde humana e na sociedade como um todo”, estimando-se que, por ano, morram 200 mil pessoas vítimas de envenenamento agudo. “É chegada a altura de se criar um processo global de transição para uma produção agrícola e alimentar mais segura e saudável”, dizem os autores do trabalho
Embora a indústria dos pesticidas – cujo mercado vale 47 bilhões de euros por ano – defenda que os seus produtos são essenciais para a proteção das culturas e o abastecimento de alimentos para uma população mundial crescente (que alcançará os 9 mil milhões de habitantes até 2050), os autores do relatório contra-argumentam estas alegações.
“É um mito. Usar pesticidas nada tem a ver com acabar com a fome. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), já conseguimos alimentar 9 mil milhões de pessoas hoje em dia. A produção está definitivamente a aumentar, mas o problema é a pobreza, a desigualdade e a distribuição”, declarou Hilal Elver, relatora especial da ONU para o direito à comida, acrescentando que muitos pesticidas são usados em plantações de produtos como o óleo de palma e não na comida necessária para acabar com a fome.
“Apesar de a investigação científica confirmar os efeitos adversos dos pesticidas, é um desafio considerável provar uma ligação definitiva entre a exposição e os problemas de saúde nos seres humanos ou danos nos ecossistemas. Este desafio tem sido exacerbado por uma negação sistemática, impulsionada pela indústria dos pesticidas e pela agro-indústria, da magnitude dos danos infligidos por estes químicos e por táticas de marketing pouco éticas e agressivas”, diz o relatório.
“O poder que as corporações têm sobre os governos e sobre a comunidade científica é extremamente importante”, disse Hilal Elver ao The Guardian. “Se se quer lidar com os pesticidas, tem de se lidar com as empresas – é por isso que [usamos] estas palavras duras. Elas dirão, naturalmente, que não é verdade, mas existem os testemunhos das pessoas.”
Embora alguns países desenvolvidos tenham normas “apertadas” para o uso de pesticidas, apenas 35% dos países em desenvolvimento têm um regime regulamentar para o uso destes químicos. O relatório descobriu ainda a produção de pesticidas para exportação em países nos quais a sua utilização já foi proibida.
O trabalho recomenda a criação de um tratado global para gerir a utilização de pesticidas, uma viragem para práticas sustentáveis, incluindo métodos naturais para controlar as pragas e a rotação de culturas, e o incentivo à produção de alimentos biológicos.
“A indústria utiliza frequentemente o termo ‘uso indevido intencional’ para transferir a culpa dos impactos evitáveis dos pesticidas perigosos para o utilizador”, diz o trabalho. “No entanto, a responsabilidade pela proteção dos utilizadores e de outros ao longo do ciclo de vida do pesticida e ao longo da cadeia de retalho é claramente do fabricante do pesticida.”
“A exposição crónica aos pesticidas tem sido associada ao cancro, à doença de Alzheimer e de Parkinson, à disrupção hormonal, a problemas de desenvolvimento e esterilidade.” Igualmente exposto no relatório está o risco para as crianças da contaminação da comida por pesticidas, que levou a 23 mortes na Índia, em 2013, e 39 na China, em 2014.
Fonte – UniPlanet de 08 de março de 2017
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