Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Resíduos de Agrotóxicos em frutos e hortaliças, parte 2/3
REIS (2013) assevera que a crescente demanda por alimentos, acompanhada pelo aumento da área cultivada, propiciou maior utilização de agrotóxicos nos alimentos de origem vegetal para compensar os problemas do processo produtivo, principalmente relacionados à infestação de pragas (GAMA et al., 2013).
Assim, os alimentos são considerados a principal fonte de exposição dos seres humanos aos agrotóxicos (GONZÁLEZ-RODRÍGUEZ et al., 2008; RIVAS et al., 2007). Os agrotóxicos podem ser bioacumulados na cadeia alimentar, atuando sobre os sistemas biológicos vitais dos seres vivos, como o sistema nervoso (inibição da enzima acetilcolinesterase), o sistema respiratório e a inibição do transporte de elétrons nas mitocôndrias, tornando-se potencialmente tóxicos para os seres humanos (MATSADIQ et al., 2011).
Para minimizar a exposição humana aos resíduos de agrotóxicos presentes nos alimentos de origem vegetal e assegurar a saúde pública, agências reguladoras de vários países têm estabelecido Limites Máximos de Resíduos (LMR) cada vez menores e criados programas de monitoramento de resíduos de agrotóxicos em alimentos (ŠKRBIC e PREDOJEVIC´, 2008).
Isto pode causar conflitos, pois níveis de resíduos aceitáveis em um país são inaceitáveis em outro. No Brasil, esses limites variam entre 0,01 e 10 mg/kg, dependendo da espécie vegetal e do produto (BRASIL, 2012).
Em 2010, o PARA monitorou os seguintes alimentos de origem vegetal: abacaxi, alface, arroz, batata, beterraba, cebola, cenoura, couve, feijão, laranja, maçã, mamão, manga, morango, pepino, pimentão, repolho e tomate. Todos foram selecionados de acordo com sua disponibilidade nos supermercados das 26 Unidades Federativas do Brasil, gerando o total de 2.488 amostras.
De acordo com os resultados obtidos no monitoramento, 28 % das amostras foram consideradas insatisfatórias por apresentarem resíduos de pesticidas não autorizados ou teores de resíduos acima do permitido pela legislação brasileira.
Foram constatados agrotóxicos não autorizados para as culturas analisadas em 24,3 % das amostras e a presença de resíduos em níveis acima dos LMR permitidos em 1,9 % do total das amostras (BRASIL, 2011).
Os resultados encontrados por cultura analisada pelo PARA em 2009 foram semelhantes ao do PARA 2010, sendo que 29 % das 3.130 amostras analisadas foram consideradas insatisfatórias. Em 2008, o percentual de irregularidades foi menor em relação aos anos de 2010 e 2009. Das 1.685 amostras avaliadas, 16 % foram consideradas insatisfatórias (BRASIL 2010)
As irregularidades encontradas nos alimentos vegetais estão relacionadas, principalmente, ao uso indiscriminado de agrotóxicos não autorizados para as culturas (BRASIL, 2008). As culturas que mais despertaram a atenção das agências reguladoras foram o pimentão e o morango. Entre 2008 a 2010, os resultados insatisfatórios dessas culturas aumentaram, aproximadamente em 27 % do total das amostras.
A contaminação ocorreu principalmente por produtos não autorizados para essas culturas, destacando-se o fungicida carbendazim do grupo químico benzimidazol. Esse fungicida também foi encontrado nas culturas de abacaxi, alface, beterraba, couve e repolho para as quais sua aplicação não é permitida legalmente. A aplicação desse fungicida é autorizada apenas nas culturas de grãos, citrus e maçã (BRASIL, 2012).
Os inseticidas clorpirifós, metamidofós e acefato, pertencentes ao grupo químico dos organofosforados, também contribuíram para o aumento do número amostras insatisfatórias nas culturas analisadas, devido aplicação não autorizada e/ou detecção de teores de resíduos acima do permitido (BRASIL, 2011b).
A ANVISA determinou por meio da RDC 01/2011, a proibição do uso do metamidofós no mercado nacional a partir do dia 30 de junho de 2012 pelo fato de seu ingrediente ativo apresentar características neurotóxicas, imunotóxicas e provocar toxicidade sobre o sistema endócrino e o desenvolvimento embriofetal (BRASIL, 2011).
O tomate, no ano de 2007, apresentou irregularidades em 44,72 % das amostras (BRASIL, 2008). Mesmo ocupando a 10ª posição no último relatório do PARA, em razão da redução da quantidade de agrotóxicos, essa cultura ainda apresenta irregularidades (BRASIL, 2011).
De acordo com a ANVISA (Brasil, 2009) foram encontrados vários resíduos de agrotóxicos não autorizados na cultura do tomate, tais como aldicarbe, aletrina, clorpirifós metílico, metamidofós, ciproconazol e folpete. O aldicarbe, inseticida do grupo químico metilcarbamato de oxima, tem sua venda restrita nos estados da Bahia, Minas Gerais e São Paulo por ser considerado o ingrediente ativo com a maior toxicidade aguda para mamíferos.
Sua reavaliação torna-se necessária no contexto de uso irregular e indiscriminado como raticida e agente abortivo, bem como em tentativas de homicídio e suicídio, acarretando grave problema de saúde pública.
Resíduos de agrotóxicos dos grupos químicos dos organoclorados, organofosforados, carbamatos e piretroides foram monitorados na cidade de São Paulo em frutas e vegetais por GEBARA et al. (2005). A pesquisa envolveu 2.223 amostras, sendo 700 vegetais e 1.523 frutas coletadas e analisadas para 100 resíduos de agrotóxicos. Em relação à amostragem geral, em 67,4% das amostras foram detectados resíduos desses compostos.
As amostras de frutas apresentaram maior teor de resíduos de agrotóxicos com 34,2% que os vegetais com 29,0% de forma semelhante ao observado por BAKER et al. (2002). As amostras de frutas analisadas continham maior teor de resíduos de agrotóxicos em relação às amostras vegetais, com diferença de 17 %. De acordo com GEBARA et al. (2005), entre todas as hortaliças, os LMR foram superiores na cultura de vagem e tomate, e dentre as frutas nas culturas de pêssego e morango.
Os produtos frequentemente encontrados foram captana, clorotalonil, endosulfan e procimidona, além de agrotóxicos banidos no Brasil desde 1985, como dieltrin, predominante na cultura de melão (0,01 mg/kg) e hexaclorocicloexano (HCH) dominante na cultura de morango (0,09 mg/kg).
Os fungicidas do grupo ditiocarbamatos (DTC) figuram entre os agrotóxicos mais detectados na União Europeia e que ultrapassam com maior frequência os LMR, conforme o programa de monitoramento de resíduos de agrotóxicos em produtos de origem vegetal na União Europeia, desenvolvido em 2005 (EC, 2007).
Resíduos dos fungicidas mancozebe, manebe e propinebe, do grupo químico dos ditiocarbamatos, foram determinados em amostras de tomate, alface, pimentão, maçã, uva e morango procedentes das quatro províncias de Galícia (noroeste da Espanha).
O pimentão foi o vegetal com mais amostras positivas com 96,9 % para resíduos de DCT, seguido pelo tomate com 87,5 %, alface com 71,9 %, uva com 33,3 % e maçã com 15,6 %, não sendo encontradas no morango. Além disso, 6% das amostras analisadas de alface e pimentão excederam os LMR. No Brasil, não é permitida a aplicação do fungicida mancozeb na cultura de alface. O uso do fungicida propinebe não é permitido nas culturas de alface e morango (BRASIL, 2012).
Referências
*BAKER, B.P.; BENBROOK, C.M.; GROTH, E.; BENBROOK, K.L. Pesticide residues in conventional, integrated pest management (IPM) – grown and organic foods: insights from three US data sets. Food Additives and Contaminants, v.19, n.5, p.427-446, 2002.
*BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA). Relatório de atividades de 2001 – 2007. Brasília, 2008. 21 p. 1
*BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Instrução Normativa n. 42, de 31 de dezembro de 2008. Institui o Plano nacional de controle de resíduos e contaminantes em produtos de origem vegetal (PNCRC/ Vegetal). Brasília, 2009.
*BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Programa de análise de resíduos de agrotóxicos em alimentos (PARA). Nota Técnica para divulgação dos resultados do PARA de 2008. Brasília, 2009. 12 p.
*BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Programa de análise de resíduos de agrotóxicos em alimentos (PARA). Relatório de atividades de 2009. Brasília, 2010. 22 p.
*BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). RDC n. 28, de 09 de agosto de 2010. Regulamento técnico para o ingrediente ativo endossulfam em decorrência da reavaliação toxicológica. Brasília, 2011.
*BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). RDC n. 1, de 14 de janeiro de 2011. Regulamento técnico Pesticidas: r. ecotoxicol. e meio ambiente, Curitiba, v. 23, jan./dez. 2013 57 para o ingrediente ativo metamidofós em decorrência da reavaliação toxicológica. Brasília, 2011.
*BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Programa de análise de resíduos de agrotóxicos em alimentos (PARA). Relatório de atividades de 2010. Brasília, 2011. 26 p.
*BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Consulta pública n. 8, de 19 de janeiro de 2012. Proposta de regulamento técnico para o ingrediente ativo parationa metílica em decorrência da reavaliação toxicológica. Brasília, 2012.
*BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Instrução Normativa n. 27, de 11 de dezembro de 2012. Tabela de agrotóxicos monitorados e limites máximos de resíduos. Brasília, 2012.
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*MATSADIQ, G.; HU, H.; REN, H.; ZHOU, Y.; LIU, L.; CHEN, J. Quantifi cation of multi-residue levels in peach juices, pulps and peels using dispersive liquid–liquid microextraction based on fl oating organic droplet coupled with gas chromatography-electron capture detection. Journal of Chromatography B, v.879, n.22, p.2113-2118, 2011.
*RIVAS, A.; CERRILLO, I.; GRANADA, A.; MARISCAL-ARCAS, M.; OLEA-SERRANO, F. Pesticide exposure of two age groups of women and its relationship with their diet. Science of the Total Environment, v.382, n.1, p.14-21, 2007.
*ŠKRBIC, B.; PREDOJEVIC´, Z. Levels of organochlorine pesticides in crops and related products from Vojvodina, Serbia: estimated dietary intake. Archives of Environmental Contamination and Toxicology, v.54, n.4, p.628-636, 2008.
RESÍDUOS DE AGROTÓXICOS EM ALIMENTOS DE ORIGEM VEGETAL: REVISÃO PASSOS, Flávia Regina, REIS, Marcelo Rodrigues dos. R. ecotoxicol. e meio ambiente, Curitiba, v. 23, jan./dez. 2013
Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.
Fonte – EcoDebate de 13 de abril de 2017
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