Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Roundup, herbicida cancerígeno, gera centenas de processos judiciais contra a Monsanto
Estudo realizado pela Monsanto em 1983 já apontava os riscos e os efeitos do glifosato, mas sua gravidade foi ocultada. / Divulgação Monsanto
A partir do dia 7 de julho, o estado da Califórnia passou a incluir o glifosato, principal ingrediente do herbicida RoundUp, fabricado pela Monsanto (componente de outros herbicidas como Faena, Rival, Machete e outras marcas), na lista de substâncias cancerígenas. Em até um ano, o produto deverá ser etiquetado como agente cancerígeno. A Monsanto apelou à decisão, alegando que afeta seus interesses comerciais e afirmando que não há provas de que o glifosato cause câncer. Mas os estudos da própria empresa realizados na década de 1980 mostram o contrário.
A Monsanto enfrenta, em uma corte do distrito de São Francisco, nos Estados Unidos, 91 processos iniciados por pessoas e parentes de pessoas que sofrem de linfoma non-Hodgkin (um tipo de câncer que afeta o sistema linfático). Essas pessoas acusam a Monsanto pela exposição ao glifosato, que sabe e oculta que o componente pode causar câncer.
Os casos, apresentados em diversos distritos, foram combinados no mesmo litígio, que deve ser julgado pelo juiz Vince Chhabria em dezembro deste ano. Há outras cem ações judiciais de pessoas que apresentaram casos similares contra a Monsanto em diferentes cortes [1].
O agrotóxico glifosato foi inventado pela Monsanto e é amplamente usado na agricultura e na jardinagem, mas seu uso aumentou em até 2000% devido ao cultivo de soja, milho e outros transgênicos resistentes a este herbicida.
Um documento-chave que faz parte do processo e que a Monsanto tentou descartar é um estudo da própria empresa, publicado em 1983, sobre os efeitos do glifosato. O teste, realizado com 400 ratos de laboratório, mostra que um número significativo de ratos expostos ao glifosato através da alimentação desenvolveram tumores. A Monsanto apresentou o estudo, mas nas conclusões não revelou a gravidade dos riscos.
Em 1984, o toxicólogo William Dykstra da EPA (Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos) revisou o estudo completo e declarou que ele indicava claramente que o glifosato é oncogênico, e capaz de causar carcinoma tubular renal, um tipo de tumor raro, relacionado a doses administradas. A Monsanto respondeu que os tumores não eram causados pelo glifosato e teriam outras causas. Mas em 1985, depois de novas revisões do estudo realizado anteriormente, os toxicólogos e especialistas responsáveis pela revisões declararam em consenso que o glifosato é um potencial componente cancerígeno em humanos.
Nesse momento, a Monsanto iniciou uma campanha agressiva para convencer os funcionários e pesquisadores da EPA – inclusive empregando alguns na empresa – até conseguir que alguns declarassem que não estava claro se os tumores estavam relacionados ao glifosato. A história do caso e as subsequentes manipulações obscuras por parte da empresa foram detalhadas pela famosa jornalista Carey Gillam, no Environmental Health News, em junho de 2017 [2].
Outro estudo, realizado por Gilles-Eric Séralini em 2012, que realizou testes de alimentação em ratos com milho transgênico com glifosato, apresentou resultados similares aos dos estudos da Monsanto de 1983. Ambos coincidem com as conclusões do estudo de revisão do grupo internacional de especialistas da Agência Internacional de Investigação sobre o Câncer (IARC), que motivou a Organização Mundial da Saúde a declarar, em 2015, que o glifosato é uma substância potencialmente cancerígena.
Christopher Portier, ex-diretor do Centro Nacional de Saúde Ambiental e dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos, foi convidado como especialista para a revisão realizada pelo IARC. Portier afirmou que a avaliação aplicada pelos órgãos regulamentadores estadunidenses ao glifosato é cientificamente errônea e que coloca em risco a saúde pública. O especialista também acrescentou que os dados destes estudos indicam fortemente a capacidade do glifosato de causar câncer em seres humanos e em animais; e não há nenhuma razão para acreditar que os resultados das pesquisas se devem ao acaso [3].
A onda de processos contra a Monsanto continua crescendo e cada vez mais surgem evidências de como a empresa transnacional conhecia os danos do glifosato e dos transgênicos, mas empreendeu uma série de manobras para ocultá-los, aumentando os lucros à custa da saúde das pessoas e do meio ambiente.
A luta das comunidades indígenas e apicultores na península de Yucatán, no México, se dá justamente para impedir que a plantação de soja transgênica resistente ao glifosato adoeça e mate as comunidades, as abelhas, a água e o meio ambiente. A ação judicial das comunidades de Quintana Roo, outro estado mexicano, está em processo, enquanto em Campeche e Yucatán, a Suprema Corte de Justiça ordenou a realização de consultas, cuja realização foi sabotada, paradoxalmente, pela comissão de biossegurança do país (CIBIOGEM) e pela comissão dos povos indígenas (CDI). [5]
Paralelamente, Sol Ortiz García, secretaria executiva da comissão de biossegurança, em um simpósio internacional sobre o tema, realizado em um hotel de luxo no município de Guadalajara em junho, declarou que no México há excesso de regulação e que a oposição aos transgênicos é um problema de comunicação [4]. Neste evento, a Monsanto esteve presente em 11 conferências, a Dupont em 9, a Syngenta em 3 e a Bayer em 1, além da presença de outras empresas da Agrobio (Associação das Empresas de Biotecnologia na Agricultura e Agroindústria) e outras instituições e pessoas ligadas à indústria biotecnológica. Mas camponeses atingidos pelo agronegócio e pesquisadores críticos, não havia nenhum. Será que esta é a comunicação a qual a Cibiogem se refere? Já que em Campeche e em Yucatán assediam e ameaçam os camponeses para que não possam falar. Será necessário que morram de câncer para que sejam considerados evidências? Ainda que, nesse caso, a Monsanto (e a Cibiogem?) possivelmente dirão que a morte se deve a outras causas. É um problema de comunicação. Ou melhor: de quem paga por ela.
[1] http://tinyurl.com/lfpych4 [texto em inglês];
[2] http://tinyurl.com/ychhe3yv [texto em inglês];
[3] http://tinyurl.com/ybpuvl8y, citado por C. Gillam [texto em inglês];
[4] http://tinyurl.com/yadn9sqz [texto em espanhol];
[5] http://tinyurl.com/ybe49o4t [texto em espanhol].
Silvia Ribeiro é pesquisadora e integrante do Grupo ETC – Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração.
Fonte – Edição Vivian Neves Fernandes, tradução Luiza Mançano, Brasil de Fato de 11 de julho de 2017
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