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Se locomover virou uma guerra

Esta sou eu com minha bicicleta, bilhete único, carteira de motorista e tênis de passeio. Os objetos representam meus meios de transporte em São Paulo. Eu não sou ciclista nem pedestre nem motorista. Sou uma pessoa que se chama Natália e que se locomove da forma que for mais conveniente. Compras na feira do Parque da Água Branca domingo de manhã? Vou de carro. Cinema na sexta às 19h na Augusta? Bike na certa. Subir a Rebouças? De busão pelo corredor.

Eu prefiro não ser classificada a partir do modal que escolho para me transportar pela cidade. Na minha opinião, essa classificação agrava a guerra não oficial que virou o ato de se locomover em São Paulo.

Essa guerra mata muita gente todos os dias. Não falo só dos atingidos em acidentes de trânsito, estou também me referindo às vítimas da poluição gerada por um sistema de mobilidade que promove o uso irracional dos carros, gerando marcas de trânsito ainda mais irracionais. O recorde em São Paulo foi de 293 quilômetros congestionados – quase a distância daqui até Ribeirão Preto. O excesso de veículos motorizados (a frota paulistana já ultrapassou os 7 milhões de carros) gera uma porção de poluentes na atmosfera, que provocam doenças respiratórias e cardíacas em todos que ocupam a cidade – principalmente os que estão fora dos carros. Segundo o médico ambientalista Paulo Saldiva, 80% dos leitos dos hospitais do Sistema Único de Saúde estão ocupados por vítimas desse modelo de mobilidade paulistano.

É uma guerra que custa caro. E quem paga por ela somos nós, contribuintes.

As batalhas do front

Esse excesso de veículos se locomovendo pela cidade gera um fenômeno que conhecemos muito bem: o esgotamento das vias. Muita gente tentando atravessar o mesmo lugar ao mesmo tempo resulta em trânsito. Ficar parado em um congestionamento provoca uma angústia tão grande que transforma o ato de se locomover em uma briga insana por espaço. “Ninguém pode ousar entrar na minha frente” é o que parece nortear as trajetórias feitas na cidade.

A divisão modal acaba estabelecendo os “times” que brigam entre si nessa guerra pela locomoção: motoristas, motoboys, ciclistas, pedestres, etc. E o comportamento é mais ou menos assim: “odeio todo mundo que me atrapalha de seguir em frente, em especial quem não é do meu time”. Quem não experimenta os outros modais não conhece as fragilidades, as dificuldades e muitas vezes nem as determinações legais de se locomover de outro jeito (basta ver que várias pessoas de carro dizem a quem está de bicicleta “vá para a calçada”, quando pedalar na calçada não é permitido pelo Código Brasileiro de Trânsito).

Não é fácil andar de bicicleta e ser oprimido por outros veículos enormes como também não é fácil ficar parado no trânsito dentro do seu carro sem poder fazer nada ou tentar atravessar a rua e precisar correr para não ser atropelado ou ainda se espremer dentro de um ônibus ou metrô para chegar em casa. Quem não experimenta outros modais fica intolerante a eles. E é aí que mora o perigo.

O carro é uma extensão muito potente do corpo humano. Uma pessoa pesa, em média, 70 kg e se locomove a 5 km/h. Um carro possui 1 tonelada de ferro e pode chegar a atingir a marca dos 200 km/h. Uma trombada ente duas pessoas não deve machucar nenhuma delas seriamente. Já o choque entre uma pessoa e um carro pode matar. E esse é um fato que, dentro da guerra, acaba sendo esquecido.

Julie Dias, a ciclista atropelada na avenida paulista na última sexta-feira, 03/03/2012, foi vítima dessa guerra. Vítima da CET, que possui um Índice de Eficiência das Ruas, medido a partir do número de veículos que passam por ela (sem importar se transportam apenas uma pessoa) e tem como meta de trabalho garantir que esse índice seja alto. Vítima da Secretaria de Transportes, que veicula campanhas que só agravam a intolerância com outros modais, como esta do “homem-zebra”. E vítima de um motorista de ônibus que foi intolerante com um modal diferente do dele.

http://www.youtube.com/watch?v=6VSDMNflgKM&feature=youtu.be

Estamos falando de dois problemas complementares: um sistema de mobilidade que promove o uso irracional do transporte individual em automóveis e a intolerância entre os modais de locomoção. Exigir um novo modelo de mobilidade implica necessariamente em flexibilizar o SEU jeito de se locomover. Eu sei que escolher outros modais não é fácil. Eu me lembro bem, quando comprei minha bicicleta, o quão tentador era entrar no conforto do meu carro com ar condicionado (ainda que eu fosse demorar o dobro do tempo). Hoje, sempre que posso, eu pedalo, porque acho mais agradável e acabo chegando mais rápido ao meu destino – com a vantagem de não ter que caçar um lugar para estacionar. Quando eu pedalo eu sei que me arrisco em uma cidade que não está preparada para esse modal. Me arrisco porque eu quero que um dia ela esteja. Minha proposta não é para o poder público, é para VOCÊ que está lendo esse post. Eu proponho:

1. Mais tolerância com os modais diferentes do seu.

2. Mais flexibilidade com o seu modal (experimente outras formas de se locomover e verá que às vezes elas atendem melhor as suas demandas)

3. Mais atenção na hora de votar nas próximas eleições: vc quer mesmo eleger alguém que embarque nesse mesmo modelo de mobilidade falido?

Este post é de 2012 mas é mais atual que nunca, pelo menos no Brasil.

Imagine morar em uma cidade plana, em que todas as avenidas tem espaço para construção de ciclovias e árvores imensas para sombrear essas ciclovias? Sim, porque nos canteiros centrais largos, ou tem duas fileiras de árvores onde a ciclovia pode ser construída no meio ou uma árvore gigante no meio, onde cada faixa pode ser construída de cada lado da árvore.

Esta cidade existe e se chama Má-ringá. Sim, porque é uma cidade má para quem não tem automóvel. Uma cidade em que os sinaleiros são sincronizados para os motoristas não perderem tempo, em que o sinaleiro não tem o botão para dar tempo para o pedestre, em que poucos param na faixa, em que o pedestre é visto como um estorvo.

Depois deste post, vamos relembrar um estudo de 2012 sobre os quase 100 km de ciclovias que podem ser construídos em Má-ringá só utilizando estes espaços perdidos das avenidas.

Por que o assunto agora? Porque estão revitalizando a maior avenida – ou pelo menos a mais conhecida – da cidade e cadê as ciclovias?

Por que desperdiçar um estudo como o do Thiago Neri? Ele participou da audiência pública sobre mobilidade na semana passada – vamos ver se conseguimos o vídeo, já que o pessoal da câmara municipal gravou – mostrando as possibilidades de mudar como o maringaense se locomove, diminuindo os absurdos congestionamentos, comuns na cidade.

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