Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Sociedade precisa aceitar e absorver o combate ao desmatamento por meio de ações concretas
Em razão da extensão e da gravidade do problema, “o combate ao desmatamento tem de ser uma pauta que precisa ser priorizada por ações dos governos nos seus diversos níveis, mas ela precisa mais ainda ser aceita e absorvida pela sociedade”. É o que defende o agrônomo Claudio Almeida. Para exemplificar o que deve ser feito, diz que empresas, consumidores e produtores precisam entender e participar do processo “através do rastreamento da origem dos produtos, de maneira que produtos que tenham origem em áreas de desmatamento ilegal não consigam ter acesso ao mercado”.
No que tange aos governos, eles “precisam mostrar que o combate ao desmatamento terá prioridade dentro de suas ações e que haverá recursos humanos e financeiros”. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Almeida alerta que “se não houver uma sinalização política clara neste sentido, mesmo com boas políticas e planos, os resultados podem não ter o retorno esperado”.
O agrônomo ressalta “a importância do sistema de monitoramento para o combate ao desmatamento, pois somente com a existência de uma base de dados sólida, confiável, pública e com acesso livre a toda a sociedade é possível conhecer a extensão e a localização do desmatamento, e assim estudar, planejar e implementar o combate ao desmatamento”. O mais recente monitoramento por satélite realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe revelou que, em 2017, o desmatamento na Amazônia e no Cerrado ainda se encontra em patamares na casa dos milhares de km2 anuais: respectivamente 6.947 km2 e 7.408 km2.
“Há uma queda dos valores anuais do desmatamento, com relação a 2010. Contudo, é importante ressaltar que o valor encontrado para a Amazônia ainda é quase o dobro da meta estabelecida para ser alcançada até 2020, que é de 3.587 km2”, avalia. Em relação ao bioma Cerrado, “ainda que os valores de 2016 e 2017, respectivamente 6.777 km2 e 7.408 km2, estejam abaixo da meta estabelecida pelo governo brasileiro, que é de 9.420 km2, ainda são valores bastantes significativos, o que aponta para uma necessidade de continuar o combate ao desmatamento”. As causas do desmatamento nos dois biomas estão relacionadas principalmente à expansão da fronteira agrícola brasileira.
Claudio Almeida é graduado em Agronomia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ, mestre em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe e doutor em Geomática pela Université de Montpellier – França. É tecnologista sênior do Inpe. Foi chefe do Centro Regional da Amazônia entre janeiro de 2009 e dezembro de 2012. Atua no monitoramento da floresta Amazônica e transferência de tecnologia de monitoramento florestal para países tropicais.
IHU On-Line – O último monitoramento por satélite feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe na Amazônia e no Cerrado revela quais dados sobre o desmatamento nessas regiões?
Claudio Almeida – O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – Inpe/MCTICrealiza o monitoramento por satélite do desmatamento por corte raso na Amazônia Legal desde 1988, com uma área mínima mapeada de 6,25 hectares. Para o Cerrado, o monitoramento remonta ao ano 2000, sendo produzido de maneira bienal até 2012 e anual a partir de 2013. Uma olhada nos gráficos contendo as taxas anuais de desmatamento mostra uma queda nos valores a partir de 2004, tanto para a Amazôniacomo para o Cerrado, conforme ilustram as figuras a seguir:
Taxas anuais de desmatamento na Amazônia Legal (Foto: Inpe)
Incrementos anuais de desmatamento no Cerrado (Foto: Inpe)
Enquanto na Amazônia Legal o desmatamento é concentrado em principalmente três estados (Mato Grosso, Pará e Rondônia), no Cerrado há uma dispersão em vários estados, com maiores valores para Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão e Bahia.
Seguindo uma política de dados abertos, o Inpe, de maneira pioneira, desde 2004 disponibiliza os resultados de seus projetos de monitoramento através de sua web page nos seguintes endereços: Amazônia (clique aqui) e Cerrado (clique aqui).
Os valores ainda se encontram em patamares na casa dos milhares de km2 anuais, sendo que, para o ano de 2017, foram 6.947 km2 para a Amazônia Legal e 7.408 km2 para o bioma Cerrado.
IHU On-Line – O saldo do desmatamento nesses biomas é positivo ou negativo, tendo em vista a comparação entre o monitoramento atual com os realizados a partir de 2010?
Claudio Almeida – Há uma queda dos valores anuais do desmatamento, com relação a 2010. Contudo, é importante ressaltar que o valor encontrado para a Amazônia ainda é quase o dobro da meta estabelecida para ser alcançada até 2020, que é de 3.587 km2, logo, ainda há um duro trabalho à frente para reduzir esta taxa. Quanto aos valores apontados para o bioma Cerrado, ainda que os valores de 2016 e 2017, respectivamente 6.777 km2 e 7.408 km2, estejam abaixo da meta estabelecida pelo governo brasileiro, que é de 9.420 km2, ainda são valores bastantes significativos, o que aponta para uma necessidade de continuar o combate ao desmatamento.
IHU On-Line – Qual a situação do desmatamento no Cerrado e quais as causas?
Claudio Almeida – A preocupação com o desmatamento no Cerrado deve ser observada do ponto de vista comparativo. Enquanto a Amazônia, que tem uma extensão territorial muito maior que a do Cerrado, apresenta pouco mais de 780 mil km2, o Cerrado já ultrapassou 1 milhão de km2 de perda de vegetação nativa. Logo, comparativamente, o desmatamento no Cerrado hoje é mais impactante do que na Amazônia.
“Comparativamente, o desmatamento no Cerrado hoje é mais impactante do que na Amazônia” Claudio Almeida
Quanto às causas do desmatamento, em ambos os biomas, estão principalmente ligadas à expansão da fronteira agrícola brasileira. O Projeto TerraClass, desenvolvido em parceria entre Inpe e Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária], tem mapeado o uso da terra nas porções desmatadas da Amazônia e do Cerrado, e há um claro predomínio do uso dessas áreas desmatadas em atividades como pecuária e agricultura. Para um claro entendimento desta ocupação, é preciso continuar monitorando esse uso da terra, para que possamos acompanhar como estão sendo utilizadas estas áreas, inclusive com análises que permitam identificar se existem processos de intensificação do uso nas áreas já desmatadas, o que permite uma maior produção dentro da mesma área.
Para a Amazônia, foram divulgados dados de uso da terra para os anos de 2004, 2008, 2010, 2012 e 2014, em breve serão divulgados dados históricos de 1991 e 2000 e, no momento, está em negociação a execução de novos mapeamentos que, além da participação do Inpe e da Embrapa, contará também com participação do Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis]para os anos de 2016 e 2018.
Para o Cerrado, o TerraClass já divulgou dados de 2013, e recentemente foi aprovado um projeto com recursos do Banco Mundial para o mapeamento de 2016, 2018 e 2020. Agora é muito importante fazer gestão junto ao governo brasileiro de maneira a garantir recursos para que o TerraClass possa continuar fazendo o mapeamento do uso da terra, não somente para estes dois biomas, mas para todo Brasil e de maneira continuada.
IHU On-Line – Por quais razões a agricultura tem avançado no Cerrado, especialmente no Maranhão, no Tocantins, no Piauí e na Bahia? O avanço do agronegócio é a principal causa do desmatamento no bioma ou há outras razões?
Claudio Almeida – Como apontado pelo TerraClass Cerrado, as áreas convertidas de vegetação nativa estão sendo usadas principalmente em pecuária (68%) e agricultura (27%). Essas conversões estão ligadas à expansão da fronteira agrícola brasileira. O Brasil é um grande produtor de grãos, e as terras dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, conhecidas pelo acrônimo Matopiba, são muito próprias ao tipo de agricultura voltada para a produção de grãos em larga escala. Assim o setor agrícola vem crescendo fortemente nestas regiões. Por exemplo, a produção de grãos no Brasil era em torno de 60 milhões de toneladas/ano no início dos anos 1990 e atualmente já ultrapassa a barreira dos 120 milhões de toneladas/ano. Esse crescimento se dá de duas maneiras: pela adoção de novas tecnologias que aumentam a produtividade e também pela inclusão de novas áreas para produção. O grande desafio que se apresenta ao setor agrícola brasileiro é continuar aumentando sua produção, mas sem expandir a área ocupada.
“O monitoramento contínuo de todos os biomas brasileiros permite à sociedade observar e conhecer as mudanças que eles sofrem” Claudio Almeida
IHU On-Line – Como os dados do monitoramento por satélite podem contribuir para enfrentar o desmatamento no Cerrado e na Amazônia?
Claudio Almeida – Monitorar alguma coisa significa observar o estado desse objeto durante um intervalo de tempo visando a identificar as alterações do mesmo durante esse período. O monitoramento contínuo de todos os biomas brasileiros permite à sociedade observar e conhecer as mudanças que eles sofrem, por exemplo, quanto à supressão de vegetação, à localização dessa supressão e à maneira como é utilizada a área depois da supressão da vegetação.
Todas estas informações são oferecidas à sociedade através do monitoramento dos biomas realizado pelo Inpe. Os dados sobre o estudo do meio ambiente pela comunidade científica são fundamentais para se compreender causas e efeitos das alterações nos biomas e também para que os governos, em suas várias instâncias, possam planejar e acompanhar o resultado de políticas públicas, entre elas o combate ao desmatamento. Por exemplo, todas as ações do PPCDAm [Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal] e do PPCerrado [Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas no Cerrado], que são planos de combate ao desmatamento na Amazônia e no Cerrado,são pautadas pelos resultados dos sistemas de monitoramento do Inpe, que permitem quantificar e localizar o desmatamento em tempo quase real.
IHU On-Line – Os dados de monitoramento por satélite feitos pelo Inpe têm sido utilizados pelo Ministério do Meio Ambiente e pelo Ibama ou governos estaduais para pensar alternativas ao desmatamento nesses biomas?
Claudio Almeida – Sim. Os dados do monitoramento do Inpe são a base sobre a qual as ações do PPCDAm e do PPCerrado são planejadas e executadas. Por exemplo, as ações de fiscalização empreendidas a campo pelo Ibama são planejadas e executadas a partir dos dados do projeto Deter [Detecção de Desmatamento em Tempo Real], que monitora diariamente a Amazônia e o Cerrado, apontando os alertas de desmatamento e degradação da vegetação nesses biomas. Os dados do Deter são consumidos de maneira automática pelo Ibama, ou seja, à medida que o Inpe produz novos alertas de desmatamento e degradação, eles são automaticamente incorporados ao banco de dados do Ibama, que assim acompanha em tempo real e pode planejar e executar ações de fiscalização. Esses dados também ficam disponíveis aos governos estaduais e municipais, bem como a toda a sociedade civil.
IHU On-Line – Como o Brasil tem tratado a questão do desmatamento nesses biomas? Que tipo de iniciativas são propostas para que o desmatamento seja reduzido?
Claudio Almeida – O combate ao desmatamento em uma área do tamanho da Amazônia e do Cerrado é uma atividade complexa e por vezes muito cara devido à extensão territorial e à complexidade, pois esses dois biomas juntos representam cerca de 73% do território brasileiro. Mas o estado brasileiro, através de diversos órgãos, vem atuando no combate ao desmatamento. O PPCDAm e o PPCerrado, por exemplo, são planos que reúnem 13 ministérios, em que cada um está responsável por ações específicas que têm por finalidade a queda do desmatamento. O PPCDAm e o PPCerrado estão estruturados em quatro eixos: Ordenamento Fundiário e Territorial; Monitoramento e Controle; Fomento às Atividades Produtivas Sustentáveis; e Instrumentos Normativos e Econômicos. Em cada um desses eixos, são propostas várias ações, como, por exemplo, o projeto Deter, que o Inpe criou e vem executando desde 2004, e que faz o monitoramento em tempo “quase real”.
Da mesma forma, existem muitas outras iniciativas visando ao combate ao desmatamento, como a do Serviço Florestal Brasileiro do MMA [Ministério do Meio Ambiente], que está implementando o Cadastro Ambiental Rural – CAR, dentro dos quatro eixos do PPCDAm e do PPCerrado. Outra importante ação em desenvolvimento pelo Inpe é o início do monitoramento do desmatamento para os outros biomas (Caatinga, Mata Atlântica, Pampa e Pantanal), e com essa iniciativa haverá dados sobre o desmatamento em todo o território nacional.
“É preciso que empresas, consumidores e produtores entendam e participem desse processo através do rastreamento da origem dos produtos, de maneira que produtos que tenham origem em áreas de desmatamento ilegal não consigam ter acesso ao mercado” Claudio Almeida
IHU On-Line – Que tipo de política seria necessária para barrar o desmatamento no Cerrado?
Claudio Almeida – O combate ao desmatamento tem de ser uma pauta que precisa ser priorizada por ações dos governos nos seus diversos níveis, mas ela precisa mais ainda ser aceita e absorvida pela sociedade. Por exemplo, é preciso que empresas, consumidores e produtores entendam e participem desse processo através do rastreamento da origem dos produtos, de maneira que produtos que tenham origem em áreas de desmatamento ilegal não consigam ter acesso ao mercado. Além disso, os governos precisam mostrar que o combate ao desmatamento terá prioridade dentro de suas ações e que haverá recursos humanos e financeiros. Se não houver uma sinalização política clara neste sentido, mesmo com boas políticas e planos, os resultados podem não ter o retorno esperado.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Claudio Almeida – Gostaria de ressaltar a importância do sistema de monitoramento para o combate ao desmatamento, pois somente com a existência de uma base de dados sólida, confiável, pública e com acesso livre a toda a sociedade é possível conhecer a extensão e a localização do desmatamento, e assim estudar, planejar e implementar o combate ao desmatamento.
Fonte – Patricia Fachin, Edição Vitor Necchi, IHU de 06 de julho de 2018
Muito importante sim monitorar, registrar, acompanhar o desmatamento. Mas muito mais relevante é que os governos federal, estaduais e municipais se declarem contra o desmatamento e adotem políticas públicas efetivas de controle, inibição, multas e que cobrem os valores das multas impostas. Não podemos ficar somente nos registros, pois daqui a poucos anos não existirão mais o Cerrado e a Amazônia e nada ter sido feito!
E nem se falou na questão fundiária e climática!