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‘Sopa de lixo’ no Pacífico tem três vezes tamanho da França

Cientistas começaram a mapear a região em 2015, com 18 embarcações que recolheram amostras de lixo – Divulgação/The Ocean Cleanup Foundation

Região que concentra detritos no oceano também é conhecida como ‘ilha de plástico’

Numa área remota do Oceano Pacífico, entre a costa da Califórnia e o Havaí, o movimento das correntes marinhas concentra grande parte do lixo descartado em rios e mares. E a quantidade é tamanha que a região foi apelidada como Grande Mancha de Lixo do Pacífico ou, como ficou popularmente conhecida, “ilha de plástico”. Mesmo a centenas de quilômetros de qualquer grande cidade, ela reúne garrafas, brinquedos, carcaças de produtos eletrônicos e redes de pesca abandonadas, entre outros objetos. A estimativa é que existam 1,8 trilhão de detritos — o equivalente a 250 para cada ser humano no planeta —, que se espalham por 1,6 milhão de quilômetros quadrados, três vezes o tamanho da França continental.

A Grande Mancha de Lixo do Pacífico foi descrita pela primeira vez em 1997, mas estimativas sobre seu tamanho e composição eram falhas devido à dificuldade na coleta de informações. Apesar do apelido “ilha de plástico”, não existe uma superfície na qual se possa caminhar. O lixo fica misturado à água, como numa sopa, e a maioria dos detritos é tão pequena que eles não podem ser observados por satélites.

Para contornar essa barreira, uma equipe internacional de cientistas liderada pela ONG The Ocean Cleanup Foundation, com apoio de pesquisadores de seis universidades, executou o mais abrangente levantamento in loco. Entre julho e setembro de 2015 eles realizaram 652 coletas de materiais com redes de superfície, num esforço que envolveu 18 embarcações. No ano seguinte, duas missões aéreas cobriram uma área de 311 quilômetros quadrados, formando um mosaico com 7.298 fotografias tiradas a apenas 400 metros de altitude.

Os resultados foram publicados nesta semana na revista “Scientific Reports”. Ao todo, a expedição coletou 1.136.145 amostras de lixo, sendo 99,9% peças plásticas. Extrapolando para a área total, os cientistas estimaram a existência de 1,8 trilhão de fragmentos plásticos de diversos tamanhos, sendo 94% deles classificados como microplásticos, com menos de 5 milímetros de diâmetro. O peso estimado do lixo na região é de 79 mil toneladas — entre quatro e 16 vezes o estimado anteriormente por outros estudos —, mas os microplásticos representam apenas 8% da massa total. As redes de pesca abandonadas, conhecidas como “redes fantasmas”, respondem por 46% da massa total de lixo.

— Fomos surpreendidos pela quantidade de grandes objetos de plástico que encontramos — disse Julia Reisser, cientista-chefe da expedição. — Nós pensávamos que a maior parte dos detritos fosse de pequenos fragmentos, mas essa análise joga nova luz sobre o escopo do lixo.

O problema, dizem os cientistas, é que com o tempo esses pedaços maiores, que representam 92% da massa total de plástico na Grande Mancha de Lixo do Pacífico, tendem a se fragmentar em microplásticos. Estudos demonstram que essas pequenas partículas provocam graves danos à vida marinha.

— Resíduos grandes são ingeridos apenas por animais de grande porte, mas peixes pequenos e grandes se alimentam dos microplásticos, afetando uma gama muito maior da biodiversidade. Essa ingestão pode machucar o trato digestivo e abrir caminho para infecções, ou dar ao animal a impressão de que o estômago está cheio, dando uma falsa sensação de saciedade — explicou Alexander Turra, professor do Instituto de Oceanografia da USP. — E peças grandes de plástico podem ser facilmente removidas da água, mas limpar o microplástico, com a tecnologia que temos hoje, é impossível. Por isso, é infinitamente melhor prevenir, evitando o descarte de plástico no mar, que remediar. Até porque remediar pode não ser uma possibilidade.

Existem estudos em andamento que tentam avaliar os riscos à saúde humana pelo consumo de carne de peixe contaminada por microplástico, mas ainda não existem evidências que comprovem essa tese. O motivo, explica Turra, é que nós não comemos os órgãos do trato digestivo dos peixes, onde os microplásticos se acumulam. Apenas uma pequena quantidade é passada para a carne.

— Mas se os peixes começarem a morrer, vai faltar peixe para as pessoas — alertou o pesquisador.

Redemoinho ‘aprisiona’ a sujeira

E os grandes fragmentos também geram consequências graves ao meio ambiente marinho. As redes descartadas por pescadores aprisionam peixes e outros animais, levando-os à morte. Fragmentos menores, como tampas de garrafas, copos e outros, podem provocar sufocamento caso ingeridos. A ONG The Ocean Cleanup Foundation está trabalhando no desenvolvimento de uma tecnologia capaz de remover o microplástico da água.

— Para sermos capazes de resolver um problema, acreditamos ser essencial compreendê-lo primeiro — comentou Boyan Slat, fundador da ONG e coautor do estudo. — Esses resultados nos fornecem dados importantes para desenvolvermos e testarmos a nossa tecnologia, mas também destacam a urgência em resolver o problema da poluição por plástico.

A Grande Mancha de Lixo do Pacífico é formada pelo transporte dos detritos pelas correntes marinhas que formam o Giro do Pacífico Norte. Basicamente, trata-se de um redemoinho formado pelas correntes do Pacífico Norte, da Califórnia, Equatorial Norte e de Kuroshio. O lixo carregado das áreas costeiras da América do Norte e da Ásia ou jogado ao mar por embarcações é transportado para essa região, onde fica aprisionado.

A expedição coletou 50 itens de plástico com data de fabricação. O mais antigo era de 1977, sete eram da década de 1980, 17, dos anos 1990, 24, da década de 2000, e um, dos anos 2010. Os pesquisadores também encontraram 386 objetos com palavras ou sentenças reconhecíveis em nove línguas diferentes. Um terço desses objetos tinha inscrições em japonês e outro terço, em chinês. O local de produção pôde ser lido em 41 dos objetos, indicando que foram fabricados em 12 nações diferentes.

Existem no mundo outros quatro giros oceânicos, mas o do Pacífico Norte é o maior deles. Entre a América do Sul e a África está o Giro do Atlântico Sul, que concentra o lixo descartado na costa dos dois continentes, mas não existem estudos detalhados sobre sua dimensão e composição.

O problema do lixo jogado no mar é grave, tanto que recebeu atenção especial na Conferência sobre os Oceanos das Nações Unidas, realizada no ano passado em Nova York. Durante o evento, o governo brasileiro se comprometeu a elaborar o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar.

— A gente tem que fazer com que esse lixo não chegue ao mar — afirmou Turra. — Fechar a torneira é o primeiro passo, mas isso não significa simplesmente banir o plástico. Se esse material, em vez de ir para o mar, for para usinas de reciclagem, ele se torna ambientalmente vantajoso em relação a outros.

Fonte – Sérgio Matsuura, O Globo

Boletim do Instituto IDEAIS de 03 de abril de 2018

 

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