Por José Tadeu Arantes - Agência FAPESP - 31 de outubro de 2024 - Estratégia…
Trazendo as zonas mortas do mundo de volta à vida
Reserva de vida silvestre no condado de Kent, em Maryland, nos Estados Unidos. Na imagem, vê-se o rio Chester, um dos cursos d’água que desemboca na Baía de Chesapeake. Foto: Programa da Baía de Chesapeake/Will Parson
Em artigo de opinião, o chefe da ONU Meio Ambiente, Erik Solheim, alerta que a poluição tem criado zonas mortas nos oceanos, em que a falta de oxigênio ameaça a vida marinha. Segundo o dirigente, devastação é sintoma da forma como a humanidade trata a natureza, transformada em um lixão para os resíduos de nossas atividades econômicas.
Para os amantes de frutos do mar, é um banquete. Milhares de siris-azuis empilhados uns em cima dos outros nas águas rasas da Baía de Chesapeake, uma presa fácil para quem está à caça de um jantar. O fenômeno deixa os estômagos tão cheios de alegria que os moradores o chamam de “farra do siri”. Mas a alegria esconde uma realidade séria.
Por décadas, o maior estuário dos Estados Unidos, que é alimentado por mais de 150 rios e córregos de quatro estados, foi tratado como um grande valão. Pesticidas, fármacos, lixo humano e metais pesados de casas, fazendas e fábricas foram despejados nos rios que desembocam na baía, poluindo um tesouro nacional com um coquetel mortal de toxinas e excesso de nutrientes.
Em média, cerca de 160 mil toneladas de nitrogênio e fósforo, das quais a maioria vem de fazendas, são despejadas na baía a cada ano. Os nutrientes extras na água provocam florações em massa de algas, que impedem o sol de atingir o fundo da baía. Quando as algas morrem e apodrecem, elas sugam o oxigênio da água, sufocando a vida — peixes, erva marinha e siris estão todos famintos por oxigênio. A “farra” dos siris é um nome impróprio. Na verdade, significa o êxodo de criaturas tentando desesperadamente escapar da “zona morta” da baía.
Centenas dessas zonas mortas existem em todo o mundo, transformando grandes partes de nossos oceanos, mares e vias navegáveis em desertos submarinos, desprovidos de vida. O segundo maior deserto desse tipo é encontrado no Golfo do México, cujas águas com fome de oxigênio ameaçam devastar uma região que fornece 40% dos frutos do mar dos Estados Unidos.
As zonas mortas que se espalham pelas nossas costas são um produto de como chegamos a olhar para nosso meio ambiente. Por tempo demais, usamos nossa água, terra e ar como lixões para os resíduos que geramos. Hoje, estamos lidando com as consequências.
Petróleo, metais pesados, plástico e pesticidas poluem os oceanos e solos do mundo, fazendo com que seja mais difícil e mais caro nos alimentarmos. A queima de combustíveis fósseis transformou o ar que respiramos em uma mistura imunda de gases e partículas minúsculas que se alojam no fundo de nossos pulmões, levando à morte prematura de cerca de 200 mil estadunidenses por ano e fazendo mal à saúde de muitos outros. Todos somos afetados por isso: seja pelo ar poluído que respiramos, seja pela água contaminada que bebemos, seja pela comida que ingerimos, incrementada com substâncias químicas.
Muitos acreditam que combater a poluição significa que teremos de refrear o crescimento econômico. Mas, na verdade, é o contrário. Fracassar no enfrentamento da poluição prejudica o crescimento econômico porque prejudica indústrias-chave, destrói os meios de subsistência das pessoas, intensifica as mudanças do clima e custa bilhões de dólares em soluções para o problema. O custo decrescente da energia de fontes renováveis, como o vento e o sol, já prova de fato que é possível responder à poluição no ar sem desacelerar o crescimento econômico. Países que lideram a substituição dos combustíveis fósseis e caminham rumo a economias mais sustentáveis e eficientes no uso de recursos, produzindo menos resíduos, vão colher os benefícios econômicos e ambientais da atual revolução energética.
Os que escolherem não seguir esse caminho serão deixados para trás para arcar com a fatura da limpeza, que aumentará com a poluição que eles geram. Quando destruímos os ecossistemas que nos sustentam, quando poluímos a água, o ar e a terra com metais pesados, toxinas e partículas nocivas, nós debilitamos nossa saúde e nossas economias — e poluímos as vidas das nossas crianças.
Em dezembro, a ONU Meio Ambiente sediou a terceira Assembleia Ambiental das Nações Unidas, em Nairóbi. Combater a poluição — em todas as suas formas insidiosas e ameaçadoras — estava no topo da nossa agenda. E eu estou incrivelmente orgulhoso de dizer que conquistamos 2,5 milhões de compromissos de governos, da sociedade civil, de empresas e de indivíduos para limpar o planeta.
Mas nosso trabalho está longe de ter terminado. Cada um de nós tem um papel a desempenhar nessa luta. Seja comprando um carro elétrico, reciclando nosso lixo, reduzindo a quantidade enorme de comida que jogamos fora ou se recusando a usar sacolas plásticas quando fazemos compras, todos nós podemos reduzir a quantidade de resíduos e de poluição que acaba indo parar em nosso ar, solo e água. Todos nós temos a responsabilidade de defender compromissos ousados de combate à poluição dos nossos líderes políticos e empresariais.
Meu relatório, “Rumo a um planeta livre de poluição”, define como podemos impulsionar essa transformação. Isso exigirá a identificação dos poluentes mais danosos, o fortalecimento das leis ambientais e a disponibilização de recursos para a pesquisa, monitoramento e infraestrutura mais limpa e verde.
Já sabemos o que acontece quando indivíduos, companhias, cientistas e governos se unem para combater a poluição e a devastação ambiental. Após décadas de um progresso lento, mas estável, a Baía de Chesapeake finalmente está mostrando sinais de melhora. A zona morta está, aos poucos, encolhendo. Populações de peixes, siri-azul e ostras estão começando a se recuperar conforme o nitrogênio, o fósforo e outras formas de poluição vão sendo lentamente reduzidas. A saúde da baía ainda está precária, mas está melhorando graças ao trabalho de uma dedicada força-tarefa formada por representantes do governo local, de agências federais, instituições acadêmicas, ONGs e empresas. Se pudermos replicar essa abordagem em escala global, então o mundo terá uma chance de derrotar um dos maiores flagelos do nosso tempo.
Por Erik Solheim, diretor-executivo do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (ONU Meio Ambiente)
Fonte – ONU Brasil de 24 de janeiro de 2018
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