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Treinados para destruir – Final

As asas da borboleta

Pergunte a qualquer um: qual o propósito da existência das coisas? A resposta geral é que todas as coisas foram criadas para nosso auxílio e uso prático! (…) em resumo, todo o cenário magnífico das coisas é diária e confiantemente destinado, em última instância, à conveniência peculiar do gênero humano. Dessa forma, o grosso da espécie humana se eleva acima das inumeráveis existências que o cercam.

Como nos ensina o inglês G. H. Toulmin, em 1780: primeiro, nós; depois, o resto.

E, ele não inventava nada.

A cultura antropocêntrica (o homem é o centro) é bem mais antiga. Aristóteles já dizia que a natureza não fez nada em vão: as plantas foram criadas para o bem dos animais e esses para o bem dos homens. Segundo o homem que teve influência decisiva no pensamento humano e na moral que pautou nossa civilização durante milênios, a natureza existe unicamente para servir aos interesses humanos.

A cultura de que o mundo natural existe para nos servir transmuta-se, através dos séculos, a fim de permanecer. Não por acaso a ONU, em 1969, ainda definia preservação como “o uso racional do meio ambiente a fim de alcançar a mais elevada qualidade de vida para a humanidade”.

Há alguns anos, uma pesquisa com crianças brasileiras questionava:

Você pode pegar nas asas da borboleta?

– Não!!! – era a resposta absoluta.

– Por quê? – insistia o perguntador.

As respostas variavam:

– Porque, se eu pegar nas asas da borboleta e esfregar os olhos, vou pegar dor d’olho. – dizia uma.

– Se eu pegar nas asas da borboleta e passar a mão na pele, vai nascer uma verruga. – falava, outra.

– Se eu pegar nas asas da borboleta e minha mãe estiver grávida, o nenê vai nascer com duas cabeças! – intimidava-se outra mais.

Após centenas de entrevistas, ouviu-se a única resposta conceitualmente inversa:

– Você pode pegar nas asas da borboleta?

– Não!!! – disse a criança.

– Por que você não pode pegar na asa da borboleta?

– Porque machuca a borboleta!

Entre centenas de crianças entrevistadas apenas uma, antes de preocupar-se consigo, preocupou-se com a borboleta. Com a fragilidade do outro ser. Claro, as asas da borboleta são frágeis. Caso a toquemos, podemos estragá-las, deve ter pensado a criança.

Nada mais lógico. Nada mais natural. Uma vez mais, podemos comprovar que a estúpida dicotomia entre humanos e o mundo natural é algo que se aprende: em casa, na escola, com os livros, com os filmes, enfim, se aprende com a vida.

Não nascemos assim. Nos tornamos assim.

Somos produtos de nossa cultura mas, a cultura se modifica de acordo com as concepções humanas. Se a visão antropocêntrica de mundo é algo que se aprende, da mesma forma pode ser reensinada. De modo diferente.

Este é o desafio.

Vamos encará-lo!

Fonte – Luiz Eduardo Cheida, médico, deputado estadual e presidente da Comissão de Ecologia da Assembléia Legislativa do Paraná. Premiado pela ONU por seus projetos ambientais, foi prefeito de Londrina, secretário de Estado do Meio Ambiente, membro titular do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) e do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.

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