Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Tribunal Monsanto: Semeando novos caminhos
O Tribunal Monsanto tem como objetivo dar visibilidade mundial às narrativas comuns das vítimas dos produtos e má conduta ética da empresa transnacional Monsanto – Foto Tribunal Monsanto Portugal
Nestes dias faz-se história. O Tribunal Monsanto não é o fim, mas o início de uma luta mais organizada contra os crimes das corporações transnacionais. Artigo de Tribunal Monsanto Portugal
Podia ser uma história como muitas outras. Uma mulher entra no hospital para dar à luz o seu primeiro/a filho/a. As espectativas são sempre muitas, mas o desejo comum de qualquer mãe é sair daquele hospital e ir para casa com o seu recém-nascido. A história de Maria Liz Robledo, a primeira testemunha do Tribunal Monsanto começa assim, num dia normal a caminho do hospital para dar a luz. Depois de uma gravidez sem percalços, tudo que Maria esperava era sair do hospital o mais rapidamente possível. Mas a história de Maria não é como as outras. Pelo menos como aquelas que estamos habituados a ouvir. Horas depois da sua filha nascer Maria viu os/as médicos/as afastarem-se dela com a filha nos braços sem saber o que se passava. É informada, mais tarde, que a filha nascera com atrésia esofágica, uma anomalia congénita que resultava na completa obstrução do esófago e que a impedia de respirar. Um ano depois do nascimento da filha de Maria Liz, uma outra criança nascia na mesma povoação com a mesma deformação.
A falta de informação, ou a forma como a informação é partilhada com os/as utilizadores de glifosato varia de país para país com o mesmo objetivo, a manutenção da ignorância sobre os efeitos do RoundUp
Numa população com pouco mais de 1900 pessoas, o nascimento de duas crianças com atrésia esofágica despertou o interesse dos médicos locais. Depois de vários testes genéticos a ambos os progenitores das duas crianças, os/as médicos/as não conseguiam encontrar uma causa diretamente relacionada com o surgimento desta malformação congénita. Pouco depois, suspeitas foram levantadas sobre se os progenitores haviam estado expostos a algum químico durante a gravidez. A luz fez-se para Maria Liz. Na sua povoação o glifosato é armazenado em tanques mesmo ao lado das casas sem qualquer medida de segurança. Da mesma forma, durante anos, o glifosato foi utilizado na sua povoação quer para a agricultura, quer para os jardins urbanos e privados. Em boa verdade, o glifosato estava em todo lado.
Quando questionada por um dos juízes do Tribunal Monsanto, sobre se Maria Liz e outros/as membro/as da sua comunidade tinham conhecimento dos riscos da exposição ao glifosato, Maria Liz responde em hesitar: “A nós sempre nos disseram que não fazia mal; ignorávamos completamente os seus efeitos”.
Esta é aliás um aspeto comum de todas as testemunhas. A falta de informação, ou a forma como a informação é partilhada com os/as utilizadores de glifosato varia de país para país com o mesmo objetivo, a manutenção da ignorância sobre os efeitos do RoundUp.
O Tribunal
O Tribunal Monsanto, que decorre entre 15 e 16 de outubro na cidade de Haia, tem como objetivo dar visibilidade mundial às narrativas comuns das vítimas dos produtos e má conduta ética da empresa transnacional Monsanto. Se dúvidas existiam, ouvir os vários testemunhos oriundos dos 4 cantos do mundo lado a lado não deixa margem para dúvidas. A ação da empresa transnacional é global e tem um único objetivo a manutenção dos seus lucros.
Os impactos dos produtos comercializados pela Monsanto são enormes, desde os riscos que representa para a saúde pública e coletiva, à alteração estrutural de sistemas de agricultura tradicional e a contínua apropriação ilegítima de material genético através das patentes, em suma as violações dos direitos humanos e ambientais não múltiplas.
Por outro lado, fica também claro neste tribunal que a Monsanto não poderia atuar com tanta impunidade em todo um globo se não tivesse vários sistemas de poder que legitimam a sua presença e ação.
O facto deste Tribunal juntar as múltiplas narrativas dos crimes cometidos pela Monsanto abre um precedente histórico importantíssimo
Marcelo Firpo Porto, investigador Brasileiro de saúde coletiva e representante da ABRASCO, deixa claro no seu testemunho a forma como a Monsanto entra no Brasil: “O modelo de agricultura industrial praticado pela empresa Monsanto entrou no nosso país com o apoio da Ditadura Militar”. Por seu lado, Krishan Bir Chaudhary da Índia não poupa nas palavras e acusa a Monsanto de colonialismo: “No passado lutamos contra o colonialismo Britânico, e agora continuamos a lutar contra esta forma de neo-colonialismo”.
O facto deste Tribunal juntar as múltiplas narrativas dos crimes cometidos pela Monsanto abre um precedente histórico importantíssimo. Apesar dos vários anos de trabalho conjunto, e da quantidade de informação que os movimentos partilham entre si, é a primeira vez que se unem para expor os seus casos de forma coletiva. O objetivo, é que com a união das distintas provas se possam abrir caminhos para outros tribunais contra a Monsanto nos diversos países e esses sim, com consequências legais.
No entanto, e para quem não acreditar nas estruturas de justiça atuais e vigentes nos diferentes países, em paralelo com o Tribunal organizou-se a Assembleia dos Povos, que juntou centenas de ativistas de todo o mundo.
A Assembleia dos Povos
O dia começou perto das 10 horas. A sensiência da injustiça ocupou o Bazaar das Ideias em Haia, bem antes de se ouvirem os passos dos representantes de povos de todo o Mundo. Num espaço multiusos amplo e transparente, paradigmático do que dentro de si germinava, vestiu-se rapidamente de faixas, cartazes, fotografias e palavras de ordem que materializavam da melhor maneira possível a catarse humana contra a opressão e subjugação de comunidades. Alguns dos seus membros pereceram ou tentam sobreviver face à vontade de um modelo de negócio que derruba também os limites gramaticais intitulando-se como sendo agricultura.
Uma agricultura apenas realizável em caixas de petri, e lamelas de microscópio, cujas conclusões finais de exequibilidade e segurança ambiental são alcançadas, não pelo método científico mas pelo código digital de programas de folha de cálculo em que cada zero e valor percentual adicionado é significativo de mais um ato negador da sacralidade da omesostase da natureza.
A privatização da Vida, o seu envenenamento, o ataque aos agricultores e cientistas pela Monsanto foram evidenciados pelos testemunhos diretos das suas vítimas que sobreviveram
Mais um rio poluído, mais uma vida negada que engrossará a lista mensal das “externalidades negativas”, a preencher por um funcionário yuppie da Monsanto cuja barba cuidadosamente feita e camisa alva contrasta com a escuridão do fundo da máquina de transformar vida em dinheiro.
As distâncias geográficas e linguísticas esfumaram-se em segundos. Apesar da preparação autogestionada e voluntária de um evento mundial de três dias, tudo flui para a realização calma do programa combinado.
Após a abertura do dia com a participação dos embaixadores da iniciativa, as horas seguintes foram preenchidas com o eco de vozes que observam no seu quotidiano o resultado direto da utilização de produtos rotulados de “praticamente seguro” e “ performance melhorada”.
A privatização da Vida, o seu envenenamento, o ataque aos agricultores e cientistas pela Monsanto foram evidenciados pelos testemunhos diretos das suas vítimas que sobreviveram.
Fernando Cabaleiro, advogado argentino fundador da ONG “Nature of Rights” que iniciou em 2008 um processo judicial junto dos tribunais nacionais contra as fumigações aéreas foi um dos testemunhos desta Assembleia. A ele, juntaram-se movimentos de camponeses do Brasil, Sri Lanka, Nigéria, Filipinas, Vietnam, Burkina Faso e Índia. Nivia da Silva, do Movimento Sem Terra, denunciou ainda que no Brasil, bem como em outros países do Sul Global, se utilizam agrotóxicos produzidos pela Monsanto que foram banidos da Europa e dos Estados Unidos da América por serem uma ameaça à saúde pública. O racismo ambiental promovido por esta empresa fica assim, uma vez mais exposto ao mundo.
Na Assembleia dos Povos estão também presentes movimentos como o Global Justice Now, a Coordination Against Bayer, ASeed-Europa, Cooperativa Sin Fronteiras, Navdanya, entre outras. De Portugal estão presentes o GAIA Portugal, Rede Círculos de Sementes, Porto pelo Ambiente, Plataforma Transgénicos Fora e Plataforma contra o TTIP.
Conclusões prévias
Nestes dias faz-se história. O Tribunal Monsanto não é o fim, mas o início de uma luta mais organizada contra os crimes das corporações transnacionais. Daqui irão sair forças coletivas de resistência ao biocapitalismo, estratégias organizadas, coletivas e solidárias para fazer frente às injustiças promovidas por estas transnacionais.
A fusão da Bayer-Mosanto dá-nos mais força, porque o inimigo está cada vez maior e cada vez mais afeta todas as dimensões das nossas vidas
Nestes dias, ouviram-se histórias, partilharam-se testemunhos e ganhamos mais força.
A fusão da Bayer com a Monsanto não nos enfraquece, muito pelo contrário. A fusão da Bayer-Mosanto dá-nos mais força, porque o inimigo está cada vez maior e cada vez mais afeta todas as dimensões das nossas vidas.
Fonte – Tribunal Monsanto Portugal de 16 de outubro de 2016
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