Por Jean Silva* - Jornal da USP - 1 de novembro de 2024 - Tucuruvi,…
Uma cidade que absorve água. Conheça a cidade-esponja!
Por Redação Habitability – 15 de março de 2022 – Foto: Reprodução/Turenscape
Se as chuvas serão mais presentes do que nunca no dia a dia das cidades, como fazer para que as enchentes e suas consequências também não sejam parte do cotidiano?
A resposta do urbanista e arquiteto chinês Kongijan Yu é transformar a cidade em um espaço que consiga absorver e escoar água, exatamente como uma floresta. Esse é o conceito de cidade-esponja.
Longe de ser aplicado em uma cidade inteira, o conceito, na verdade, se traduz em espaços capazes de captar a água da chuva de maneira natural e usável.
Responsável por arquitetar parques e áreas urbanas verdes, Yu consegue em seus projetos absorver cerca de 70% das águas de chuva das cidades, o que é bastante, lembrando que a China está em uma região que recebe as temidas chuvas de monções.
Com foco em sustentabilidade e a total conexão do planejamento urbano com a natureza, o arquiteto tem uma visão de que as enchentes devem deixar de assustar as cidades.
“As enchentes não são inimigas. Podemos ser amigos das enchentes. Nós podemos fazer amizade com a água”, disse ele, em entrevista ao World Economic Forum.
Cidade-esponja: sinuosa como um rio
A ideia da cidade-esponja começa e termina com a água.
Antes de planejar um espaço urbano para evitar enchentes, é preciso pesquisar qual era o caminho natural da água naquele solo, antes mesmo de a cidade existir.
Por isso, os arquitetos e urbanistas do Turenscape, escritório de Kongijan Yu, constroem modelos a partir de dados, reconstruindo os caminhos dos rios e o curso das chuvas no ambiente.
“Você não pode lutar contra a água. Você precisa deixar que ela escoe”, disse Yu à revista Época Negócios.
A construção então é feita acompanhando esse curso.
Logo, ela tende a ser curva, com declives e vazões, assim como acontece na superfície de um rio.
Os parques criados por Yu funcionam quase como as margens ribeirinhas: eles têm plantas locais, espaços que ficam vazios durante os tempos de seca e os que enchem nas épocas das chuvas de monções.
Um exemplo dessa adaptação está nos corredores em volta do Rio em Pujiang, província do leste chinês.
O parque conta com 16 quilômetros de comprimento e fica localizado nas margens do rio que corta a cidade, o Puyangijiang.
O mais interessante do projeto é que, além de conseguir incorporar a natureza dos meandros do rio e trazer as pessoas de volta para a região, ele conseguiu ajudar a despoluir as águas em três anos.
Fonte: Reprodução/Turenscape
Biodiversidade no centro
Segundo Yu, a biodiversidade deve estar na raiz do projeto, desde a escolha dos materiais que podem ser usados.
Como no caso do Sanya Mangrove Park, localizado na cidade litorânea de Sanya, na China.
No parque de 10 hectares foi aproveitado o material do local, que era um mangue em volta do rio.
Foram criados ecótonos de cursos d’ água e habitats ciliares, trazendo as espécies de manguezais para dentro do parque.
O formato entrelaçado foi projetado para levar parte da maré para o parque, evitando as tempestades tropicais que faziam o mar encher parte da cidade, e diminuindo a inundação das águas pluviais. Devido às matas ciliares, também foi possível diminuir a poluição do córrego.
“O planejamento convencional é baseado no crescimento da população, com uma orientação para o desenvolvimento econômico. O desenvolvimento se torna o foco. Minha ideia sobre abordagem negativa, ou abordagem inversa, é que a paisagem deve liderar o caminho, o que significa que devemos planejar e projetar uma infraestrutura ecológica”.
Para o arquiteto, essa deve ser a base para o desenvolvimento urbano salvaguardar o processo ecológico e o património cultural. “Isso significa integrarmos sistemas de gestão de águas pluviais, áreas de inundação, conservação da biodiversidade, patrimônios culturais, corredores verdes, etc, tudo junto, em uma espécie de infraestrutura”, explicou Yu ao site da American Society of Landscape Architects.
Do desastre ao sucesso
Já nos anos 2000, o escritório de arquitetura pesquisou sobre os terrenos com maior risco de enchente de Pequim e fez uma recomendação clara: não construa nesses lugares, pois eles devem ser usados para absorver as tempestades.
A recomendação recebeu críticas, até porque, na época, a urbanização da China estava em plena expansão.
Em julho de 2012, no entanto, uma enchente ameaçou parte da infraestrutura da capital chinesa e matou quase 100 pessoas.
O desastre foi tamanho que o governo chinês procurou Yu e lançou um projeto nacional de “cidades-esponja”, com o objetivo de criar espaços naturais para escoar, pelo menos, 70% da água das chuvas.
Hoje, são quase 90 projetos realizados e mais 538 em desenvolvimento.
Até 2030, 80% das áreas urbanas chinesas devem ter elementos de cidade-esponja.
Em Pequim, a cidade que começou tudo, a Turnescape desenhou e colocou de pé o Yogxing River Greenway, uma área de 150 hectares que funciona como um canal para absorção natural de água.
A drenagem é feita por meio de construções com vegetação local em formatos de ilhas e de montes porosos.
Há espaço para pessoas caminharem e para ciclovias.
Slow water e a tradição da cidade-esponja
Por ser a favor de não canalizar a água, nem fazê-la passar por um sistema de canos subterrâneos ou ficar presa em uma represa, o movimento de Yu é chamado de “slow water”.
Por isso, os planejadores urbanos como Yu pensam além da pegada urbana, eles observam a cidade como parte de uma bacia hidrográfica completa.
De acordo com o profissional, a técnica que ele desenvolveu nada mais é do que utilizar os saberes que ele viu sendo usado na pequena vila onde cresceu.
Por lá, disse ele ao MIT Tech Review, as pessoas conviviam bem com as cheias dos rios.
“Para mim, enchente é um momento de excitação porque é quando os peixes vêm para o campo, quando os peixes vêm para a lagoa. Mas à medida que o país se urbanizou, os chineses abandonaram seu conhecimento e seguiram o caminho ocidental”, disse ele, criticando o modelo de desenvolvimento urbano adotado.
Isso porque, explicou ele em entrevista à Época Negócios, “a técnica desenvolvida nos países europeus não se adapta ao clima das monções. Essas cidades fracassam porque elas foram colonizadas pela cultura ocidental, copiando sua infraestrutura e seu modelo urbano.”
usar concreto para combater enchentes é como “beber veneno para matar a sede… é uma visão limitada. Precisamos alterar a forma como vivemos para nos adaptar ao clima. Se eles não adotarem a minha solução, não terão sucesso.
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