Por Pedro A. Duarte - Agência FAPESP - 12 de novembro de 2024 - Publicado…
Uma praça para chamar de sua
A jornalista Carolina Tarrio, do Movimento Boa Praça, conta como todos nós podemos revitalizar – e reocupar – as praças da cidade, fazendo com que esses espaços voltem a ser lugares de convívio, lazer, inclusão e muita brincadeira!
As praças são verdadeiros oásis de natureza nas cidades, pequenas ilhas verdes em meio ao caos urbano. Por que será que não as percebemos? Porque muitas delas estão degradadas. Outras escuras, cheias de mato, com mobiliário e brinquedos quebrados, nada convidativas. Segundo o jornalista Richard Louv, fundador do Movimento Criança e Natureza, ressignificar as cidades para que seus territórios sejam devolvidos às crianças e à natureza é um desafio muito mais complexo do que influenciar o comportamento das famílias, ou colocar mais verde dentro do ambiente escolar.
Lançamento do Clube Natureza em Família em São Paulo. Crédito: Rinaldo Martinucci.
A jornalista Carolina Tarrio, a Carô – assim como o Movimento Criança e Natureza – topou esse desafio. Desde 2008, quando sua filha mais velha nasceu, ela passou a espiar a praça em frente à sua casa, na zona oeste de São Paulo, com outros olhos. O lugar tinha um incrível potencial para crianças, muito mal cuidado. Quando ela falava em fazer algo, todos diziam que era perda de tempo, que ali sempre haveria depredação e uso de drogas. Inconformada, Carô resolveu investigar os motivos do abandono. Conversou com vizinhos, amigos e descobriu que, bem perto, uma praça tinha sido revitalizada com a ajuda de todos, a pedido de uma menina. Ela entrou em contato e, juntando forças com esse grupo de vizinhos, começou o Movimento Boa Praça.
Hoje, o Boa Praça oferece palestras e consultoria, além de promover, desde 2008, piqueniques comunitários em praças. Todo mundo pode participar. Uma vez por mês, a turma se reúne para um encontro regado a atividades, como cinema, teatro, oficinas, aliado a trabalhos de manutenção, limpeza, instalação de mobiliário, pintura, plantio. Só nos bairros de Pinheiros e Lapa já foram revitalizadas seis praças. Sem contar as de outros cantos da cidade, promovidas em parceria com outros grupos, empresas ou por meio de editais públicos.
Lançamento do Clube Natureza em Família em São Paulo. Crédito: Rinaldo Martinucci.
No dia 2 de novembro, em São Paulo, e dia 5 de novembro, no Rio, o Projeto Criança e Natureza participou deste encontro, lançando o Clube Natureza em Família junto com o Guia Boa Praça. “Temos dois olhares para a mesma coisa: quando falamos que a criança deve ter contato com a natureza nas grandes cidades, a possibilidade mais cotidiana são as praças. E esse contato só vai acontecer se as praças estiverem aptas a recebê-las”, resume Carô, que é mãe de Ana Luisa, de 12, e André, de 8 anos.
A seguir, ela conta de que maneira cada um de nós também pode fazer parte desse movimento.
Por que a maioria das praças é tão mal cuidada?
Muitas delas nem foram planejadas para serem praças. Estão ali por acaso. São áreas remanescentes: era um naco de terra que sobrou entre construções, que ninguém quis, e acabou virando praça. Muitas têm uma topografia complicada, não necessariamente com vocação para ser uma praça. Os objetos instalados ali também não são pensados: a prefeitura faz uma licitação, compra mobiliário e brinquedos no atacado e instala sem saber se aquilo faz sentido naquele local. Então, é comum você ver uma praça frequentada por crianças, jovens e skatistas ganhar, por exemplo, aparelhos de ginástica para idosos. Isso não vai durar mesmo. Sem contar que o poder público deixa a desejar na manutenção, porque muitas vezes nem tem equipe para isso.
Como você fez para recuperar sua primeira praça?
Quando minha filha nasceu, em 2004, mudei para uma casa com uma praça em frente, a praça Paulo Schiesari. Durante 4 anos, fui à praça com minha filha praça. Nesse tempo, o lugar praticamente não teve manutenção. Minha filha ia crescendo, desabrochando, e a praça ia ficando cada vez mais suja, degradada e perigosa. Aquilo me incomodava demais. Falei com os síndicos dos prédios vizinhos, com o diretor da escola em frente, com muitas pessoas. Todo mundo me dizia: “você vai perder seu tempo, tudo vai estragar”. Eles se referiam a duas “entidades” sempre que falavam em degradação da praça: “a molecada” e “os maconheiros”. [risos]
Você conhecia essas “entidades”?
Fui procurar saber, sim. Porque, para revitalizar uma praça, é preciso entender quem está em seu entorno, o que quer. Só depois vamos saber o que fazer. Fomos lá conversar com a tal molecada que detonava a praça para descobrir o que queriam e percebemos logo que o lugar não atendia às necessidades deles. Os balanços viviam quebrados porque eles enrolavam a corrente para fazer um gol. Na verdade, o que queriam era uma uma trave de futebol ali. Detectamos também um problema de circulação, pois a praça só tinha uma entrada, voltada para um prédio. A partir desses diagnósticos e conhecimentos é que começamos a agir para melhorar os incômodos.
Logo do Movimento Boa Praça. Crédito da foto: Rinaldo Martinucci.
Assim nasceu o Boa Praça?
Quando eu estava à procura do que fazer para melhorar a praça, fiquei sabendo que, bem próximo de casa, outra praça tinha sido revitalizada, com ajuda de muitos, a pedido de uma menina, Alice, que queria comemorar seu aniversário ali. Cecília, a mãe dela, foi atrás de vizinhos, prefeitura e empresas locais para pedir material e ajuda para a praça. No dia da festa, o local foi recuperado e esse virou o presente da Alice e também de todo mundo! Fui procura-los, me juntei a esses vizinhos e, a partir dali, começamos o Movimento Boa Praça. A ideia era ampliar a ação, replicá-la em outras praças e conseguir que a mobilização não ficasse restrita a um único dia de mutirão e recuperação. É preciso ocupar as praças sempre. Por isso decidimos organizar um piquenique comunitário todo ultimo domingo do mês. A ideia era ir aos lugares, sentir o que faltava, conversar com todos os usuários e vizinhos e deixar as praças, sempre, melhores do que as encontramos. No início, para organizar as atividades, lançamos mão dos amigos: um músico, uma contadora de histórias, alguém com jeito para marcenaria. Depois, fomos descobrindo talentos na própria vizinhança. No entorno de uma praça sempre tem alguém com jeito para consertos, para plantio, para cozinha… Assim, fomos promovendo várias oficinas: de bonecas de pano, de produtos naturais de limpeza, de pipas, carrinhos de rolemã, nossa, tanta coisa! E ao mesmo tempo melhorando os lugares, limpando, plantando, fazendo balanços…
Vocês conseguiram adesão imediata da vizinhança? Ou teve muita rejeição?
No início, muitas pessoas diziam que estávamos perdendo tempo. Mas batíamos de porta em porta, conversando, com paciência. Algumas pessoas eram mais desconfiadas, outras tinham de ser convidadas duas, três vezes. Mas, em geral, não tem como ser contra essa proposta. É para melhorar o lugar onde você mora! Às vezes as pessoas não estão muito disponíveis. Mas aprendemos a trabalhar com o que temos. Não dá para começar só em condições ideais. Se você for esperar tudo perfeito, não começa nunca.
Qual o melhor modelo para manter as praças?
Acho que deve existir uma trinca: a prefeitura fazendo a sua parte, em vez de ficar atrás de empresas e comércios que adotem uma praça. Essa transferência de responsabilidade não é legal. Porque a praça só será cuidada enquanto durar o contrato. Sem contar que as empresas não procuram saber o que a população quer: fazem o que acham, sem muito diálogo. O modelo mais satisfatório, a meu ver, é: a prefeitura fazer a manutenção, o cidadão colaborar e fiscalizar, propondo e executando melhorias, e as empresas e comércios participarem, seja com material, dinheiro ou mão de obra também. Afinal, todos esses atores formam a comunidade em torno da praça. Todos podem somar esforços. Dá para fazer muita coisa sem muito dinheiro. Por exemplo: instalar um balanço com uma tábua que estava sem uso ou pintar com tinta que sobrou de uma reforma. Há muitas possibilidades.
As crianças participam?
Elas sempre são convidadas e recebidas nos piqueniques comunitários. Ajudam e participam na medida da idade de cada uma. Meus filhos já fizeram de tudo. Ana Luisa, de 12 anos, começou quando tinha 4. O André, que hoje tem 8, vai aos piqueniques desde bebê. É uma forma muito orgânica e natural de eles entenderem conceitos como participação, cidadania, a quem pertence a cidade, direitos e deveres. Meu filho, por exemplo, não entende por que as pessoas sujam as ruas – afinal, as ruas são de todo mundo. Não é discurso, é o dia a dia dele. A cidade é uma extensão da casa para eles, faz parte do seu meio, do entorno. Sem contar que eles têm uma relação de pertencimento com a vizinhança. Se a mangueira do vizinho deu manga, ele bate aqui na porta para me dar algumas. Abrir-se para o entorno, conhecer seu vizinho, possibilita desde essas pequenas gentilezas, até uma maior segurança: minha filha vai sozinha até a padaria e sei que não tem perigo pois ela conhece todo mundo.
As crianças se divertem nas ações do Boa Praça?
Elas não enxergam as atividades como uma obrigação. Nós não vamos porque tem de consertar o banco. Vamos porque é gostoso ir à praça. E, enquanto os adultos consertam, elas ajudam ou brincam. São dias de encontros, de comidas gostosas, de conversa boa. O que importa para elas é simplesmente estar lá. E para nós também.
Fonte – Criança e Natureza
Este Post tem 0 Comentários