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Uso de agrotóxicos. A falta de fiscalização e ética profissional aumentam os problemas

uso de agrotóxicos na produção agrícola é sempre um risco para produtores e consumidores e, por isso, seu uso deve ser reduzido ao máximo. Entretanto, em algumas formas de cultivo o uso zero ainda não é uma realidade. O problema ainda se torna mais grave quando, além do uso de agrotóxicos, é feita uma má aplicação, utilizando substâncias desse tipo sem a menor necessidade. Situação similar a essa ocorre nas lavouras de todo o país, em particular nos campos da fronteira oeste do Rio Grande do Sul. Na sua monografia de Especialização em Produção Vegetal da Universidade Federal do Pampa – Unipampa, Juliano Goulart Ritter detectou que nessa região de alta produção de arroz são usados agrotóxicos indicados para o cultivo de tomate e batata, culturas que sequer existem na fronteira oeste.

Com a orientação dos professores da Unipampa Fernando Felisberto da Silva e Alexandre Russini, a pesquisa aponta que o problema tem duas origens. A primeira é relacionada à falta de fiscalização de órgãos competentes. “Seria necessário ter maior número de fiscais, bem como maior disponibilidade de recursos (veículos, combustível, manutenção, dentre outros fatores), o que prejudica e muitas vezes impossibilita os servidores de realizarem uma fiscalização periódica tanto no sentido de orientação aos produtores, quanto na observação do cumprimento da legislação vigente”, analisam em entrevista por e-mail à IHU On-Line.

Já a segunda causa pode ser apontada como má-fé de responsáveis técnicos que se associam ao comércio de agrotóxico. “Para que o produto possa ser comercializado tem que ter a receita assinada por um profissional, como, por exemplo, um engenheiro agrônomo. O que ocorre, na prática, é a assinatura de receituário em branco, sendo que este é preenchido por pessoas sem competência, com o determinado produto que julgam ser adequado”, explicam. E acrescentam: “nota-se ainda importante papel do comércio, que, de certa forma, através de técnicas persuasivas de marketing, estimula a aplicação de uma série de produtos, muitas vezes, desnecessários, no sentido de alavancar seus lucros principalmente durante a safra”.

IHU On-Line – Em pesquisa recente, constatou-se algo já recorrente quanto ao uso e aplicação de agrotóxicos: a falta de fiscalização. Mas como isso é revelado nesse trabalho? E a que se pode atribuir essa falta de fiscalização?

Juliano Goulart Ritter, Fernando Felisberto da Silva e Alexandre Russini – A falta de fiscalização observada se deve, em parte, à grande extensão territorial da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, a qual abrange diversos municípios, sendo que a maior parte das lavouras se encontra em localidades cujos acessos não são pavimentados. Seria necessário ter maior número de fiscais, bem como maior disponibilidade de recursos (veículos, combustível, manutenção, dentre outros fatores), o que prejudica e, muitas vezes, impossibilita os servidores de realizarem uma fiscalização periódica tanto no sentido de orientação aos produtores, quanto na observação do cumprimento da legislação vigente. Atualmente a fronteira oeste conta com dois fiscais estaduais agropecuários para atender uma área de mais de 25.572,8 km².

IHU On-Line – Quais são as particularidades do uso de agrotóxicos na fronteira oeste do Rio Grande do Sul?

Juliano Goulart Ritter, Fernando Felisberto da Silva e Alexandre Russini – A maior particularidade deve-se à aplicação aérea de agrotóxicos na cultura do arroz irrigado, por meio da utilização de aviões agrícolas, sendo aproximadamente 70 aviões na fronteira oeste. A aplicação terrestre ou tratorizada somente é utilizada nos tratos culturais no início da implantação da cultura do arroz, sendo que, após a entrada da água de irrigação e formação da lâmina, não é mais possível a entrada de tratores com pulverizadores acoplados e/ou pulverizadores autopropelidos.

Essa é a principal particularidade, sendo que, muitas vezes, a aplicação aérea de agrotóxicos é seriamente criticada, mas quando é realizada de forma correta, observando os preceitos da tecnologia de aplicação, pode ser considerada extremamente eficiente. Claro que toda a aplicação de algum produto químico sempre tem algum efeito no ambiente, independentemente da forma como foi aplicado.

IHU On-Line – Em que medida a falta de informação dos produtores rurais, que muitas vezes ignoram as orientações agronômicas, impacta no uso demasiado de agrotóxicos?

Juliano Goulart Ritter, Fernando Felisberto da Silva e Alexandre Russini – Realmente a falta de informações é um dos principais fatores que levam à ocorrência desse problema. Mas um fator que chama a atenção é que a maior parte das propriedades dispõe de assistência técnica, sendo que esses profissionais registrados conforme exige a legislação realizam a recomendação e aplicação de produtos sem observar a real ocorrência de determinada praga e/ou nível de dano em que seja necessária uma intervenção. Geralmente esse profissional já tem o que se chama de “pacote”, em que deve utilizar tais produtos. Neste sentido, nota-se ainda importante papel do comércio, que, de certa forma, através de técnicas persuasivas de marketing estimula a aplicação de uma série de produtos, muitas vezes, desnecessários, no sentido de alavancar seus lucros principalmente durante a safra.

A simples observação desses fatores reduziria de forma considerável o uso demasiado de agrotóxicos. Em grande parte das propriedades fiscalizadas, a assistência técnica é realizada por profissionais vinculados a comerciantes de agrotóxicos, sendo que os produtores deixam as decisões sobre o que aplicar e quando aplicar a critério desses profissionais. Se os produtores buscassem informações sobre a real necessidade de aplicação de agrotóxicos, seguindo os critérios do manejo integrado de pragas, como nível de dano econômico, condições climáticas, fenologia da planta, estágio de desenvolvimento das pragas, entre outros, o uso de agrotóxicos certamente seria menor.

IHU On-Line – Com relação ao comércio de agrotóxicos, quais as principais irregularidades apontadas e como combatê-las?

Juliano Goulart Ritter, Fernando Felisberto da Silva e Alexandre Russini – Um dos principais problemas é a recomendação de agrotóxicos para cultura inexistente, com 79,1% das infrações. Em algumas situações, a recomendação era para culturas que não existem na região, como tomate e batata; em outras, havia desvio de uso, sendo que o agrotóxico era recomendado para a cultura da soja e o produtor cultivava apenas arroz irrigado.

Para que o produto possa ser comercializado tem que ter a receita assinada por um profissional, como, por exemplo, um engenheiro agrônomo. O que ocorre, na prática, é a assinatura de receituário em branco, sendo que este é preenchido por pessoas sem competência, com o determinado produto que julgam ser adequado. Ressalta-se que isso é uma prática ilegal, sendo passível de punição, conforme a legislação, tanto do profissional que assinou, quanto do estabelecimento que comercializou o produto, bem como do produtor (este por não utilizar o produto recomendado para a cultura).

A forma mais adequada de combate a este tipo de irregularidade é por meio da fiscalização e autuação dos estabelecimentos e principalmente dos profissionais, já que estes não podem alegar desconhecimento, pois tiveram inúmeras disciplinas ao longo do seu processo de formação que remetem diretamente à observação desses critérios. Na verdade, o que ocorre é o desvio de uso com consentimento do responsável técnico (agrônomo ou técnico agrícola). O próprio responsável técnico sabe que as culturas não existem; não é o caso de deixar a receita assinada em branco, eles fazem a recomendação para cultura inexistente. Como o próprio trabalho já demonstrou, este tipo de infração reduziu drasticamente, em função da atuação da fiscalização atuante da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Irrigação – Seapi. O Sistema Integrado de Gestão de Agrotóxicos – Siga será mais uma importante ferramenta para controlar este tipo de infração.

IHU On-Line – Quais os desafios para redução dos riscos de contaminação ambiental por agrotóxico na fronteira oeste gaúcha?

Juliano Goulart Ritter, Fernando Felisberto da Silva e Alexandre Russini – O fator mais importante é a manutenção da ética profissional, que, muitas vezes, é deixada de lado mediante a ganância em razão do maior volume de produto comercializado. É prática comum o profissional receber comissões pela venda de produto ou determinados “pacotes” de produtos, pouco importando se a aplicação seria realmente necessária. É aquela velha questão: “quanto mais eu vender, mais eu ganho”. Isso ocorre por pressões de diferentes origens, podendo levar à realização de procedimentos incorretos como os já descritos anteriormente. Estas irregularidades, quando constatadas pelos agentes fiscalizadores ou na ocorrência de erros de aplicação, podem ser penalizadas, sendo que pode ocorrer inclusive a cassação do registro profissional. Na universidade trabalhamos diariamente com nossos alunos para que observem todos esses problemas, no intuito de formarmos profissionais extremamente competentes e comprometidos com as questões ambientais e éticas.

Outro fator recai sobre a fiscalização, que deve ser mais atuante e presente. Entretanto, diante das inúmeras dificuldades financeiras e de pessoal que se encontram os órgãos públicos, isso parece uma realidade distante.

IHU On-Line – Como, dentro da realidade da fronteira oeste do Rio Grande do Sul, conceber outras formas de produção que não dependam do uso de agrotóxicos?

Juliano Goulart Ritter, Fernando Felisberto da Silva e Alexandre Russini – Afronteira oeste se caracteriza pela pecuária e pela produção de arroz irrigado. Recentemente iniciou-se o cultivo de soja em algumas áreas. Essa região produz a maior parte do arroz consumido no Brasil, caracterizando-se por extensas áreas de cultivo, com utilização intensiva de máquinas e implementos. Devido às particularidades da cultura do arroz, principalmente a questão de plantas daninhas, solo inundado, dentre outros fatores, torna-se praticamente impossível abolir o uso de alguns agrotóxicos, mas eles podem ter seus usos racionalizados e reduzidos mediante a adoção de manejo envolvendo novas tecnologias, a observação do nível de controle de pragas, bem como o atendimento dos requisitos da tecnologia de aplicação.

IHU On-Line – De que forma a produção agroecológica vem sendo desenvolvida na fronteira oeste? Quais seus maiores entraves?

Juliano Goulart Ritter, Fernando Felisberto da Silva e Alexandre Russini – A produção agroecológica na fronteira oeste recai praticamente aos pequenos produtores de hortaliças e frutas, na maior parte destinadas ao consumo local. Esses agricultores têm apoio de instituições de pesquisa, órgãos de extensão e prefeituras. A produção orgânica ou com ênfase agroecológica de arroz na região é praticamente inexistente.

Acreditamos que um dos entraves para um maior desenvolvimento da produção agroecológica ainda é o elevado custo, a falta de informação da população, bem como de incentivo a esses agricultores, problemas esses que não são exclusivos desta região. Desta forma, a viabilidade técnica também seria comprometida devido à extensão das áreas de produção, ressaltando-se as particularidades da cultura, sendo que a atual demanda de arroz do mercado nacional seria seriamente prejudicada.

IHU On-Line – De que forma os senhores avaliam a legislação ambiental no que diz respeito ao uso e comércio de agrotóxicos no país hoje?

Juliano Goulart Ritter, Fernando Felisberto da Silva e Alexandre Russini – A legislação ambiental brasileira é uma das melhores do mundo, porém é necessário um maior cumprimento pelos envolvidos no sistema de produção. Recaímos sempre na conscientização visando a preservação dos nossos recursos naturais e a garantia da continuidade das nossas gerações futuras. Se a legislação fosse cumprida, certamente não estaríamos discutindo a respeito desses problemas de forma recorrente. Atualmente os agrotóxicos seguem determinações legais dos Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente. Quando um agrotóxico tem uso liberado legalmente, considera-se que o mesmo passou por análises de eficiência agronômica, impactos à saúde do homem (usuário e consumidor) e ao meio ambiente, neste caso seguindo protocolos internacionais em relação aos chamados POPs (poluentes orgânicos persistentes).

Não podemos, considerando a eficácia dos procedimentos realizados para a sua liberação, dizer que nossa legislação é omissa ou deficiente. Especificamente acreditamos que a legislação ambiental cumpre seu papel, o problema são os atores envolvidos, neste caso, tanto produtores como quem presta assistência aos mesmos, que não dão a devida atenção à legislação. O problema não está na legislação ambiental, mas sim no cumprimento da mesma.

IHU On-Line – Desejam acrescentar algo?

Juliano Goulart Ritter, Fernando Felisberto da Silva e Alexandre Russini –Na atualidade sempre se atribui à agricultura o fato de ser um processo que degrada os recursos naturais, utiliza vastas quantidades de agrotóxicos e é extremamente nociva ao ambiente. Essa ideia é que temos que aos poucos repensar e desmitificar perante a sociedade que não é bem assim. Toda e qualquer atividade antrópica causa danos ao ambiente, como uma mineradora, uma cidade, a construção de uma rodovia, a emissão de poluentes pelos veículos automotores, uma hidrelétrica, dentre outros. A grande questão é que temos agricultores e profissionais nos diferentes pontos do país, bem como na região da fronteira oeste, extremamente comprometidos com as questões ambientais, atendendo todos os preceitos de uma agricultura dinâmica, segura e sustentável. Tomamos esses agentes como referência e devemos incentivá-los a se tornarem elementos difusores para outros produtores e profissionais, mostrando que é, sim, possível produzir de forma correta, viável economicamente, permitindo, dessa forma, garantir a sustentabilidade do sistema produtivo.

Juliano Goulart Ritter é fiscal Agropecuário Estadual da Secretaria de Agricultura, Pecuária e Irrigação – Seapi do Rio Grande do Sul.

Fernando Felisberto da Silva é professor do curso de Agronomia da Universidade Federal do Pampa – Unipampa.

Alexandre Russini é doutor em Engenharia Agrícola, professor Adjunto da Unipampa, Campus Itaqui.

Fonte – João Vitor Santos, IHU de 08 de março de 2018

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