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Vigilância Aos Agrotóxicos, Parte 3/3

PIGNATI et. al. (2014), registra que esta estratégia de se analisar a produção agropecuária, o uso de agrotóxicos e seus efeitos na saúde-ambiente, contribuirá para a produção de informações que subsidiarão estratégicas de precaução de impactos e de prevenção nas ações de vigilância em saúde.

Tanto em saúde do trabalhador, como ambiental, sanitária e epidemiológica e colaborarão na reflexão do modelo de desenvolvimento executado no Brasil pelos Governos e empreendedores agrários, a qual impacta os trabalhadores e o ambiente.

Como por exemplo, as previsões de contaminação ambiental e intoxicações humanas poderão ser inferidas conforme o tipo de lavoura predominante no município (soja, milho, cana e algodão), os tipos de agrotóxicos utilizados e suas toxidades agudas e crônicas, servindo de alerta aos agentes da vigilância em saúde.

Estes dados, em conjunto com a estimativa de periodicidade de uso, são importantes também para a identificação dos meses de maior emprego nas comunidades com maior probabilidade de exposição.

Também estabelecerão prioridades para as atuações conjuntas de prevenção e monitoramento dos órgãos públicos (Saúde, Agricultura e Ambiente), sociedade civil e populações expostas. E vão colaborar na previsão de “eventos sentinelas”, em toda a rede assistencial (hospitais, PS, PSF e ambulatórios).

Com os dados de prováveis de intoxicações agudas e crônicas e contaminação ambiental e alimentar, os municípios, complementando com suas informações socioeconômicas locais, poderão construir um mapa dos possíveis impactos gerados pelo uso dos agrotóxicos com localização das comunidades rurais e urbanas mais ou menos vulneráveis.

E com participação da representação dos trabalhadores e população, se poderá implementar processos de conhecimento, discussão da situação sanitária e organização da sociedade para executar uma vigilância a saúde efetiva como relatado por PIGNATI et al. (2011), AUGUSTO et al. (2012) e RIGOTTO et al. (2012) ou como proposto por PORTO e SOARES (2012) ou por MACHADO (2011).

Na produção de “informação para a ação” e para aumentar as evidências científicas dos impactos dos agrotóxicos na saúde, pode-se conformar uma matriz de produção agrícola, uso de agrotóxicos e incidência de agravos de uma série histórica dos últimos dez anos, de cada unidade federada, como apresentado em PIGNATI e MACHADO (2011) e PIGNATI et al. (2011).

Esses autores verificaram os dados de morbi-mortalidade numa matriz de produção e agravos, em série histórica de 10 anos (2001 a 2012), mostrando a correlação da produção (hectares por habitante), a exposição aos agrotóxicos (litros por habitante) e as incidências de agravos correlacionados.

Também foi evidenciado por FÁVERO (2.011), a correlação do uso de agrotóxicos nas lavouras e o aumento das incidências de doenças pulmonares agudas em crianças menores de 5 anos atendidas nas Unidades de Saúde nos períodos de safra da soja, milho e algodão.

Vários agrotóxicos são alergênicos e irritantes pulmonares. Além disso, este estudo também demonstra que quanto mais perto das lavouras se situavam as residências das crianças, maior era o nível endêmico das patologias do trato respiratório.

Esta problematização de riscos, também servirá para prever a contaminação do leite materno das mães (trabalhadoras rurais e urbanas) que amamentam num determinado município, conforme PALMA (2011).

Ou a contaminação do sangue e urina de professores das escolas rurais rodeadas de lavouras ou na periferia da cidade, os quais se expõem aos agrotóxicos via ar, água potável e chuva descritos em MOREIRA et al. (2012) e BELO et al. (2012).

Nas observações dos estudos acima, se verificou que as pulverizações daqueles 140,8 milhões de litros de agrotóxicos por avião e trator eram realizadas a menos de 10 metros de fontes de água potável, córregos, de criação de animais e de residências.

Essas distâncias desrespeitavam o antigo Decreto de Mato Grosso n.2283/09 que proibia a pulverização por trator a 300 metros ou o atual Decreto de Mato Grosso n 1.651/13 que cancelou o anterior, mas que proíbe pulverização por trator a 90 metros daqueles locais.

Também desrespeitavam a Instrução Normativa do MAPA nº 02/2008 que proíbe pulverização aérea a 500 metros de fontes de água potável, córregos, de criação de animais e de residências.

Portanto, além de não se respeitar as legislações e as normas de pulverização de agrotóxicos, o Governo pouco fiscaliza e ainda amplia os riscos, diminuindo a margem operacional de pulverização proibida, por trator, de 300 para 90 metros.

As informações produzidas são importantes também para os processos de educação em saúde junto às populações expostas, trabalhadores e entidades componentes do controle social visando o fortalecimento das ações de vigilância.

Da mesma forma, poderão subsidiar ações integradas dos órgãos de fiscalização da agricultura, meio ambiente, trabalho, saúde, entre outros, que são fundamentais para o avanço da vigilância dos impactos dos agrotóxicos.

Tanto em níveis locais quanto regionais e na busca da diminuição progressiva de seu uso, caminhando na direção da transição de outro modelo agropecuário que poderá ser o agroecológico, como propõe a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida.

Neste sentido, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida desenvolve no Brasil e na América Latina, ações de vigilância em saúde popular e participativa que propõe o cumprimento da legislação.

Além de proibir as pulverizações por avião, proibir o uso no Brasil dos agrotóxicos proibidos na União Europeia, fim dos subsídios públicos a esses venenos, implantação nos municípios de Vigilâncias à Saúde dos trabalhadores, do ambiente e dos expostos aos agrotóxicos, transição para a agroecologia e busca do desenvolvimento sustentável.

Tornar efetivas as ações de vigilância à saúde no Brasil envolve processos e práticas interinstitucionais e participativas que incorporem informações de impactos sociais, ambientais e de saúde relacionados ao processo produtivo agropecuário e à exposição ocupacional, alimentar, ambiental e populacional aos agrotóxicos.

Essa estratégia corrobora com um modelo de vigilância em que devem ser fortalecidas as ações de promoção de saúde aliadas às estratégias de transição agroecológica ao se estabelecer ações sistemáticas e integradas de substituição dos agrotóxicos e fertilizantes químicos por outras práticas de aumento da produção de alimentos e controle de doenças agropecuárias, segundo PIGNATI et. al. (2014).

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Dr. Roberto Naime, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em Geologia Ambiental. Integrante do corpo Docente do Mestrado e Doutorado em Qualidade Ambiental da Universidade Feevale.

Fonte – EcoDebate de 18 de novembro de 2016

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