Por Ellen Nemitz · ECO - 18 de dezembro de 2024 - Câmara ressuscitou “jabutis” da…
Você está bebendo plástico? OMS investigará efeitos na saúde após análise achar partículas em água engarrafada
Teste realizado com as principais marcas de água engarrafadas do mundo mostrou que há micropartículas de plásticos no líquido
A Organização Mundial de Saúde (OMS) vai iniciar uma análise sobre os potenciais riscos da presença de plástico na água que bebemos.
Ela levará em conta as últimas pesquisas sobre a disseminação e o impacto dos chamados microplásticos – partículas que são pequenas o bastante para serem ingeridas.
Isso ocorre após um teste feito com 250 garrafas de água de 11 marcas líderes do mercado, incluindo a brasileira Minalba, ter mostrado que havia micropartículas de plástico em 93% delas.
Não há evidências de que microplásticos podem afetar a saúde humana, mas a OMS quer avaliar o quanto realmente se sabe sobre isso.
Bruce Gordon, coordenador do trabalho global da OMS em água e saneamento, disse à BBC que a questão principal é se o fato de ingerir partículas de plástico ao longo da vida poderia ter algum efeito. “O público está obviamente preocupado se isso vai deixá-los doentes no curto prazo e no longo prazo”, afirmou.
“Quando pensamos sobre a composição do plástico, se pode haver toxinas nele, em que medida elas seriam nocivas e o que realmente as partículas podem fazer no corpo, não há uma pesquisa para nos responder”, explicou.
“Geralmente temos um limite ‘seguro’, mas para definir isso precisamos entender se essas coisas são perigosas e em quais concentrações são perigosas.”
Gordon enfatizou, no entanto, que uma ameaça muito maior na água vem de países onde ela pode estar contaminada pelo esgoto.
Segundo especialistas consultados pela BBC, pessoas que vivem em países onde a água da torneira pode ser poluída devem continuar a tomar água engarrafada.
Garrafas do mundo todo
O teste realizado na Universidade Estadual de Nova York e liderado pela Orb Media, organização jornalística sem fins lucrativos, examinou garrafas compradas em nove países diferentes, de cinco continentes, e descobriu uma média de dez partículas de plástico por litro, cada uma maior do que a espessura de um fio de cabelo.
Anualmente são produzidos 300 bilhões de litros de água engarrafada.
“Os números não são catastróficos, mas é algo preocupante”, disse à BBC Sherri Mason, professora de química da Universidade de Nova York, que conduziu a análise.
“Encontramos plástico em todas as garrafas e marcas”, diz. “O teste mostra que o plástico tornou-se um material tão presente na nossa sociedade que agora está até passando para a água.”
As empresas avaliadas afirmam que seus produtos atendem aos mais altos padrões de segurança e de qualidade. E dizem que falta regulamentação sobre microplásticos e que não há métodos padronizados para testes.
No ano passado, Mason encontrou partículas de plástico em amostras de água da torneira. Outros estudos também as detectaram em frutos do mar, cerveja, sal marinho e até no ar.
Para a pesquisadora, os cientistas agora precisam ser capazes de responder se os microplásticos podem ser prejudiciais à saúde.
“O que sabemos é que algumas dessas partículas são suficientemente grandes e, que uma vez ingeridas, provavelmente são expelidas. Mas antes elas podem liberar produtos químicos que prejudiquem à saúde”, diz.
“Algumas dessas partículas são tão incrivelmente pequenas que podem atravessar o revestimento do trato gastrointestinal e serem levadas para todo o corpo, e não sabemos as implicações que terão nos órgãos e tecidos.”
As marcas amarelas indicam microplásticos na água após a filtragem. Foto: Orb Media
Como foi o teste
A pesquisa com água engarrafada envolveu a compra de embalagens de 11 marcas globais e de países escolhidos por suas grandes populações ou seu consumo relativamente alto de água engarrafada.
As marcas avaliadas foram:
– Aquafina
– Aqua
– Bisleri
– Dasani (coca-cola)
– Epura
– Evian
– Gerolsteiner
– Minalba
– Nestlé Pure Life
– San Pellegrino
– Wahaha
Para realizar o teste, a equipe de Mason impregnou a água das garrafas com um corante chamado Nile Red, uma técnica recentemente desenvolvida por cientistas britânicos para a rápida detecção de plástico na água do mar.
Estudos anteriores estabeleceram como o corante adere a pedaços de plástico que flutuam de forma livre e os torna fluorescentes sob certos comprimentos de onda da luz.
No teste, os cientistas filtraram as amostras tingidas e depois contaram cada pedaço maior que 100 mícrons – aproximadamente 0,1 milímetro.
Algumas dessas partículas, grandes o suficiente para serem manipuladas individualmente, foram então analisadas por espectroscopia infravermelha, confirmadas como plásticas e identificadas como tipos específicos de polímero.
As partículas menores que 100 mícrons eram muito mais numerosas (uma média de 314 por litro), e foram contadas usando uma técnica desenvolvida na Astronomia para totalizar o número de estrelas no céu noturno.
Algumas foram consideradas resíduos plásticos por expectativa racional, segundo Mason.
Isso ocorre porque, embora o tintura de Nile Red possa se ligar a outras substâncias que não o plástico – como fragmentos de conchas ou algas que contenham lipídios -, seria pouco provável que eles estivessem presentes na água engarrafada.
De onde vem o plástico?
Uma vez que o estudo não passou do processo usual de revisão e de publicação de pares em um periódico científico, a BBC pediu a especialistas que o comentassem.
Andrew Mayes, da Universidade de East Anglia, do Reino Unido, e um dos pioneiros na técnica do Nile Red, disse que o teste é uma “análise química de alta qualidade” e que os resultados são “bastante conservadores”.
Michael Walker, consultor do Government Chemisty (unidade de pesquisa que atua em disputas na área de regulamentação de alimentos no Reino Unido) e membro do conselho Food Standards Agency, que responde pela segurança alimentar no país, disse que o trabalho foi “bem conduzido”.
Ambos enfatizaram que as partículas abaixo de 100 mícrons não foram identificadas como plásticas, mas disseram que, uma vez que as outras opções não seriam esperadas em água engarrafada, poderiam ser descritas como “provavelmente de plástico”.
Uma questão óbvia é de onde esse plástico vem. Dada a quantidade de polipropileno, usado nas tampinhas de garrafa, uma teoria é que o ato de abrir uma garrafa pode derramar essas partículas lá dentro.
As micropartículas de plástico podem sair das tampinhas das garrafas. GETTY IMAGES
Empresas negam
A BBC contatou todas as empresas envolvidas – a maioria delas respondeu.
A brasileira Minalba disse que seu processo de extração e envase da água da fonte mineral Água Santa, localizada em Campos do Jordão (SP), segue todos os padrões de qualidade e segurança exigidos pela legislação brasileira, “refletindo, com rigor, a manutenção das propriedades minerais vindas da natureza”.
A Nestlé disse que seus próprios testes internos para microplásticos começaram há mais de dois anos e não detectaram nenhum vestígio de partículas acima do mínimo esperado.
Um porta-voz acrescentou que o estudo da professora Mason falhou nas principais etapas para evitar “falsos positivos” e convidou o Orb Media para comparar métodos.
A marca Gerolsteiner também disse que estava testando a quantidade de microplásticos havia vários anos e que os resultados mostraram níveis “significativamente abaixo dos limites para partículas” estabelecidos para empresas farmacêuticas. E que não conseguiu entender as conclusões do teste, já que as micropartículas estão “em todo lugar”, podendo entrar nos produtos pelo ar ou pelos materiais de embalagem durante o processo de engarrafamento.
A Coca-Cola, dona da Dasani, disse ter alguns dos mais rigorosos padrões de qualidade na indústria e usou um” processo de filtração multipasso”. E também afirmou que os microplásticos “parecem ser onipresentes e, portanto, podem ser encontrados em níveis mínimos mesmo em produtos altamente tratados”.
A Danone, fabricante da Aqua e da Evian, disse que não poderia comentar o estudo porque “a metodologia utilizada não é clara”, mas acrescentou que suas garrafas tinham qualidade de embalagem alimentar.
A empresa ressaltou que não há regulamentos sobre microplásticos ou um consenso científico sobre testes, e também destacou um estudo alemão muito menor, realizado no ano passado, que encontrou partículas de plástico em garrafas de uso único, mas não acima de uma quantidade estatisticamente significante.
A PepsiCo disse que sua marca Aquafina tem “medidas rigorosas de controle de qualidade, práticas de fabricação sanitária, filtração e outros mecanismos de segurança alimentar que produzem um produto confiável e seguro”. Descreveu ainda o estudo dos microplásticos como um campo emergente e que requer análise científica adicional.
Fonte – David Shukman, BBC Brasil de 16 de março de 2018
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